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Capítulo 62 — O
banquete em casa de Simão
Este capítulo é
baseado em Mateus 26:6-13; Marcos 14:3-11; Lucas 7:36-50; João 11:55-57;
12:1-11.
Simão de Betânia era
considerado discípulo de Jesus. Era um dos poucos fariseus que se unira abertamente
aos Seus seguidores. Reconhecia-O como mestre e acalentava esperanças que fosse
o Messias, mas não O aceitara como Salvador. Seu caráter não estava
transformado; permaneciam sem mudança seus princípios.
Simão fora curado de
lepra, e isso é que o atraíra a Jesus. Desejara mostrar sua gratidão e, na
última visita de Cristo a Betânia, ofereceu um banquete ao Salvador e a Seus
discípulos. Esta festa reuniu muitos dos judeus. Havia por esse tempo grande
agitação em Jerusalém. Cristo e Sua missão estavam atraindo mais atenção do que
nunca. Os que tinham ido à festa, observavam-Lhe atentamente os movimentos, e
alguns com olhos hostis.
O Salvador chegara a
Betânia apenas seis dias antes da páscoa, e, como de costume, buscara repouso
em casa de Lázaro. As multidões de viajantes que se dirigiam rumo à cidade,
divulgaram as novas de que Ele estava a caminho para Jerusalém, e descansaria o
sábado em Betânia. Havia entre o povo grande entusiasmo. Muitos afluíam a
Betânia, alguns por simpatia para com Jesus, e outros por curiosidade de ver a
pessoa que fora ressuscitada dos mortos.
Muitos esperavam
ouvir de Lázaro uma história maravilhosa das cenas testemunhadas depois da
morte. Surpreendiam-se de que ele não lhes contasse coisa alguma. Não tinha
nada para contar a respeito. Declara a inspiração: “Os mortos não sabem coisa
nenhuma. [...] O seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram”. Eclesiastes
9:5, 6. Mas Lázaro tinha um maravilhoso testemunho a dar com respeito à obra de
Cristo. Para esse fim fora ressuscitado. Com segurança e poder, declarava que
Jesus era o Filho de Deus.
As notícias levadas
para Jerusalém pelos que visitavam Betânia aumentavam a agitação. O povo estava
ansioso de ver e ouvir a Jesus. Havia uma geral interrogação — se Lázaro O
acompanharia a Jerusalém e se o Profeta seria coroado rei durante a Páscoa. Os
sacerdotes e príncipes viram que seu domínio sobre o povo continuava a
enfraquecer, e mais amargo se tornava seu ódio contra Jesus.
Mal podiam esperar a
oportunidade de O tirar de seu caminho para sempre. À medida que o tempo
passava, começaram a temer que afinal talvez não fosse a Jerusalém.
Lembravam-se de quantas vezes lhe frustrara os desígnios assassinos, e temiam
que lhes houvesse lido os pensamentos contra Ele e permanecesse ausente. Mal
podiam ocultar sua ansiedade, e indagavam entre si: “Que vos parece? Não virá à
festa?” João 11:56.
Foi convocado o
concílio dos sacerdotes e fariseus. Desde a ressurreição de Lázaro, aumentara
tanto a simpatia do povo para com Jesus, que seria perigoso lançar mão dEle
abertamente. Assim decidiram as autoridades prendê-Lo em segredo, e efetuar o
julgamento o mais silenciosamente possível. Esperavam que ao se tornar isso
conhecido, a inconstante onda da opinião pública se voltaria a seu favor.
Assim se propuseram
a destruir Jesus. Mas enquanto Lázaro existisse, sabiam os sacerdotes e rabis
que não se achavam em segurança. A própria existência de um homem que por
quatro dias estivera no sepulcro e fora ressuscitado por uma palavra de Jesus,
causaria cedo ou tarde uma reação. O povo se vingaria de seus guias por tirarem
a vida Àquele que fora capaz de realizar esse milagre. O Sinédrio decidiu,
portanto, que Lázaro também deveria morrer. A tal ponto a inveja e os
preconceitos levam seus escravos. O ódio e a incredulidade dos guias judaicos
haviam crescido até dispô-los a tirar a vida de uma pessoa a quem o infinito
poder salvara do sepulcro.
Enquanto se tramava
em Jerusalém essa conspiração, Jesus e Seus amigos eram convidados à festa de
Simão. À mesa achava-Se Jesus, tendo a um lado Simão, a quem curara de
repugnante moléstia, e do outro Lázaro, a quem ressuscitara. Marta servia à
mesa, mas Maria escutava ansiosamente toda palavra que caía dos lábios de Jesus.
Em Sua misericórdia perdoara Jesus os seus pecados, chamara do sepulcro seu
bem-amado irmão, e a alma de Maria estava cheia de reconhecimento. Ouvira Jesus
falar de Sua morte próxima e, em seu profundo amor e tristeza, almejara
honrá-Lo. Com grande sacrifício para si, comprara um vaso de alabastro de “unguento
de nardo puro, de muito preço” (João 12:3) para com ele ungir-Lhe o corpo. Mas
agora muitos diziam que Ele estava para ser coroado rei. Seu pesar
transformou-se em alegria, e ansiava ser a primeira a honrar a seu Senhor.
Quebrando o vaso de unguento, derramou o conteúdo sobre a cabeça e os pés de
Jesus, e depois, enquanto de joelhos chorava umedecendo-os com lágrimas,
enxugava-os com os longos cabelos soltos.
Buscara não ser
observada, e seus movimentos poderiam passar desapercebidos, mas o unguento
encheu a sala de odor, declarando a todos os presentes a ação dela. Judas
contemplou a mesma com grande desagrado. Em vez de esperar o que diria Cristo
sobre o assunto, começou a murmurar suas recriminações aos que lhe ficavam mais
próximos, censurando-O por tolerar esse desperdício. Fez astutamente
insinuações de molde a produzir descontentamento.
Judas era tesoureiro
dos discípulos, e de seu pequeno depósito subtraíra às escondidas para o
próprio uso, limitando assim a uma insignificância os recursos dos discípulos.
Ansiava colocar na bolsa tudo quanto pudesse obter. Dos meios desta bolsa
muitas vezes se tirava para socorro dos pobres; e quando se comprava qualquer
coisa que Judas não julgava essencial, dizia: Por que esse desperdício? por que
o preço disso não se pôs na bolsa que tenho para os pobres? Ora, o ato de Maria
achava-se em tão frisante contraste com o seu egoísmo, que o colocava em
situação vergonhosa; e, segundo o seu costume, procurou apresentar um motivo
digno à objeção que fazia a sua oferenda. Voltando-se para os discípulos,
disse: “Por que não se vendeu este unguento por trezentos dinheiros e não se
deu aos pobres? Ora ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres,
mas porque era ladrão, e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava”. João
12:5, 6. Judas não tinha coração para os pobres. Houvessem vendido o unguento
de Maria, caísse o lucro em seu poder, e não teriam os pobres recebido
benefício.
Judas tinha em alto
conceito sua habilidade administrativa. Julgava-se, como financista, muito
superior aos condiscípulos e levara-os a considerá-lo da mesma maneira.
Conquistara-lhes a confiança, e exercia sobre eles grande influência. Sua
professada simpatia pelos pobres os enganou; e a astuta insinuação que fez os
levou a olhar com desconfiança a dedicação de Maria. E em volta da mesa passou
a murmuração: “Para que é este desperdício? Pois este unguento podia vender-se
por grande preço, e dar-se o dinheiro aos pobres”. Mateus 26:8, 9.
Maria ouviu as
palavras de crítica. O coração tremeu-lhe no peito. Temeu que a irmã a
repreendesse por seu desperdício. Talvez o Mestre também a julgasse
imprevidente. Sem se justificar ou apresentar desculpa, estava para se esquivar
dali, quando se ouviu a voz de Seu Senhor: “Deixai-a, por que a molestais?” Viu
que ela estava embaraçada e aflita. Sabia que nesse ato de serviço exprimira
gratidão pelo perdão de seus pecados, e acalmou-lhe o espírito. Erguendo a voz
acima dos murmúrios da crítica, disse: “Ela praticou boa ação para comigo.
Porque os pobres, sempre os tendes convosco e, quando quiserdes, podeis
fazer-lhes bem, mas a Mim nem sempre Me tendes. Esta fez o que podia;
antecipou-se a ungir o Meu corpo para a sepultura”. Marcos 14:6-8.
A fragrante oferenda
que Maria pensara prodigalizar ao corpo inanimado do Salvador, vazou-a ela
sobre Ele vivo. No sepultamento, seu aprazível odor não poderia impregnar senão
o túmulo; agora, alegrou-Lhe o coração com a certeza de sua fé e amor. José de
Arimatéia e Nicodemos não ofereceram suas dádivas de amor a Jesus em vida. Com
amargo pranto levaram suas custosas especiarias ao frio e inconsciente corpo.
As mulheres que levaram especiarias ao sepulcro, em vão o fizeram, pois
verificaram ter Ele ressuscitado.
Mas Maria,
extravasando o seu amor sobre o Salvador enquanto Ele tinha conhecimento da
dedicação dela, estava-O preparando para Seu sepultamento. E, ao baixar à treva
de Sua grande prova, levou consigo a lembrança desse ato, penhor do amor que
Seus remidos Lhe votariam para sempre.
Muitos há que levam
aos mortos preciosos dons. De pé, ao lado da querida figura para sempre
silenciosa, proferem abundantes palavras de amor. Ternura, apreço, dedicação,
tudo é prodigalizado àquele que já não vê nem ouve. Houvessem essas palavras
sido ditas quando o fatigado espírito tanto delas necessitava; quando o ouvido
as apreenderia e o coração as podia sentir, quão precioso teria sido o seu
perfume!
Maria não sabia toda
a significação de seu ato de amor. Não podia responder a seus acusadores. Não
saberia explicar por que escolhera aquela ocasião para ungir a Jesus. O
Espírito Santo planejara por ela, e ela Lhe obedecera às sugestões. A
inspiração não se detém para dar o motivo. Presença invisível, fala ela à mente
e à alma, e move o coração para agir. Ela é sua própria justificação.
Cristo explicou a
Maria o significado de seu ato, e com isso deu mais do que recebera. “Ora,
derramando este perfume sobre o Meu corpo”, disse Ele, “ela o fez para o Meu
sepultamento”. Mateus 26:12. Como o vaso de alabastro foi quebrado, e encheu
toda a casa com sua fragrância, assim Cristo havia de morrer e Seu corpo ser
quebrantado; mas Ele Se ergueria da tumba, e o perfume de Sua vida havia de
encher a Terra. “Cristo nos amou, e Se entregou a Si mesmo por nós, em oferta
de sacrifício a Deus, em cheiro suave”. Efésios 5:2.
“Em verdade vos
digo”, declarou Cristo, “que, em todas as partes do mundo onde este evangelho
for pregado, também o que ela fez será contado para sua memória”. Marcos 14:9.
Contemplando o futuro, o Salvador falou com segurança a respeito de Seu
evangelho. Ele devia ser pregado por todo o mundo. E onde quer que se
estendesse o evangelho, a oferenda de Maria havia de espargir sua fragrância, e
por sua ação espontânea seriam abençoados outros corações. Erguer-se-iam e
cairiam impérios; seriam esquecidos nomes de reis e conquistadores; mas o feito
dessa mulher seria imortalizado nas páginas da História Sagrada. Enquanto o
tempo durasse, aquele partido vaso de alabastro contaria a história do
abundante amor de Deus a uma raça caída.
O ato de Maria
achava-se em assinalado contraste com o que Judas estava para praticar. Que
incisiva lição poderia ter Cristo dado àquele que lançara a semente da crítica
e do mau juízo na mente dos discípulos! Com quanta justiça poderia o acusador
haver sido acusado! Aquele que lê os motivos de cada alma, e entende toda ação,
poderia haver aberto, aos olhos dos convivas da festa, sombrios capítulos da
vida de Judas. Poderia ter sido patenteada a vã pretensão em que o traidor
baseava suas palavras; pois, em vez de compadecer-se dos pobres, roubava-os do
dinheiro que se destinava a socorrê-los. Poderia haver sido despertada
indignação contra ele por sua opressão à viúva, ao órfão e ao jornaleiro.
Houvesse, porém, Jesus desmascarado Judas, isso teria sido apresentado como
causa da traição. E, se bem que acusado de ladrão, Judas teria captado
simpatia, mesmo entre os discípulos. O Salvador não o repreendeu, e evitou
assim dar-lhe desculpa para a traição.
O olhar que Jesus
lhe lançou, no entanto, convenceu a Judas de que o Salvador lhe penetrara a
hipocrisia, e lera seu baixo, desprezível caráter. E louvando Maria, tão
severamente reprovada, Cristo repreendera a Judas. Antes disso, o Salvador
nunca lhe fizera uma censura direta. Agora, a reprimenda irritou-lhe o coração.
Decidiu vingar-se. Da ceia, saiu diretamente para o palácio do sumo sacerdote,
onde encontrou reunido o conselho, e ofereceu-se para lhes entregar Jesus nas
mãos.
Os sacerdotes se
regozijaram. A esses guias de Israel fora concedido o privilégio de receber a
Jesus como Salvador, sem dinheiro e sem preço. Mas recusaram o precioso dom a
eles oferecido no mais terno espírito de constrangedora afeição. Recusaram
aceitar aquela salvação que é mais valiosa do que o ouro, e compraram seu
Senhor por trinta moedas de prata.
Judas condescendera
com a avareza até que ela lhe dominara todos os bons traços de caráter. Invejou
a dádiva feita a Jesus. Seu coração queimou de inveja de que o Salvador fosse
objeto de uma oferenda digna dos reis da Terra. Por uma quantia muito inferior
a do vaso de unguento, traiu a seu Senhor.
Os discípulos não
eram como Judas. Amavam o Salvador. Não Lhe apreciavam, entretanto, o elevado
caráter. Houvessem compreendido o que fizera por eles, e teriam sentido que
coisa alguma que Lhe fosse oferecida era desperdiçada. Os magos do Oriente, que
tão pouco sabiam a respeito de Jesus, haviam mostrado mais verdadeiro apreço da
honra que Lhe era devida. Levaram preciosas dádivas ao Salvador, e diante dEle
se inclinaram em homenagem, quando era ainda um simples Bebê deitado na
manjedoura.
Cristo dá valor aos
atos de sincera cortesia. Quando qualquer Lhe prestava um favor, com celestial
delicadeza Ele o abençoava. Não recusava a mais singela flor arrancada pela mão
de uma criança e a Ele oferecida com amor. Aceitava as ofertas dos pequeninos,
e abençoava os doadores inscrevendo-lhes o nome no livro da vida. A unção feita
por Maria acha-se nas Escrituras, mencionada como distintivo das outras Marias.
Atos de amor e reverência para com Jesus são uma demonstração de fé nEle como
Filho de Deus. E o Espírito Santo menciona como testemunho de lealdade para com
Cristo: “Se lavou os pés aos santos, se socorreu os aflitos, se praticou toda
boa obra”. 1 Timóteo 5:10.
Cristo Se deleitava
no sincero desejo de Maria de fazer a vontade de Seu Senhor. Aceitava a riqueza
do puro afeto que Seus discípulos não compreendiam, não queriam compreender. O
desejo que Maria tinha de prestar esse serviço a seu Senhor era para Ele de
mais valor que todos os preciosos unguentos da Terra, pois exprimia seu apreço
pelo Redentor do mundo. Era o amor de Cristo que a constrangia. Enchia-lhe a
alma a incomparável excelência do caráter de Cristo. Aquele unguento era
símbolo do coração da doadora. Era demonstração exterior de um amor nutrido por
correntes celestiais e que chegara a ponto de extravasamento.
A obra de Maria era
exatamente a lição que os discípulos necessitavam, para mostrar-lhes que seriam
aprazíveis a Cristo as expressões de amor por parte deles. Jesus fora-lhes tudo
e não percebiam que em breve seriam privados de Sua presença, que dentro em
pouco não lhes seria dado oferecer-Lhe nenhum sinal de reconhecimento por Seu
grande amor. A solidão de Cristo, separado das cortes celestiais, vivendo a
vida da humanidade, nunca a compreenderam nem apreciaram devidamente os
discípulos. Foi muitas vezes magoado, porque não Lhe dispensavam aquilo que
deles deveria ter recebido. Sabia que, estivessem sob a influência dos anjos
celestiais que O acompanhavam, também haviam de considerar que nenhuma dádiva
era de suficiente valor para exprimir o espiritual afeto do coração.
Seu conhecimento
posterior deu-lhes o verdadeiro sentimento quanto às muitas coisas que poderiam
ter feito para Jesus, exprimindo o amor e o reconhecimento de seu coração,
enquanto Lhe estavam ao lado. Quando não mais Jesus Se achava entre eles, e se
sentiam na verdade como ovelhas sem pastor, começavam a ver como poderiam ter
manifestado para com Ele atenções que Lhe teriam alegrado o coração. Não mais
então censuraram a Maria, mas a si mesmos. Oh! se lhes fosse dado retirar sua
crítica, e apresentarem os pobres como mais dignos da oferenda do que Jesus!
Sentiram vivamente a reprovação, ao tirarem da cruz o ferido corpo de seu
Senhor.
A mesma falta se
manifesta hoje, em nosso mundo. Poucos somente apreciam o que Cristo é para
eles. Fizessem-no, no entanto, e o grande amor de Maria seria expressado, a
unção liberalmente feita. Não seria considerado desperdício o custoso unguento.
Coisa alguma se consideraria demasiado preciosa para Cristo, nenhuma abnegação
nem sacrifício grande demais para ser suportado por amor dEle.
As palavras
proferidas em indignação: “Por que é este desperdício?” (Mateus 26:8)
recordaram vividamente a Cristo o maior sacrifício já feito — o dom de Si mesmo
como propiciação por um mundo perdido. O Senhor seria tão generoso para com a
família humana, que não se poderia dizer que Lhe era possível fazer mais. No
dom de Jesus, Deus deu todo o Céu. Sob o ponto de vista humano, esse sacrifício
era um espantoso desperdício. Para o raciocínio humano todo o plano de salvação
é um desperdício de misericórdias e recursos. Encontramos por toda parte
abnegação e sacrifício feito com toda a alma. Bem podem as hostes celestiais
contemplar, com assombro, a família humana que recusa ser erguida e enriquecida
com o ilimitado amor expresso em Cristo. Bem podem elas exclamar: por que este
grande desperdício?
Mas a expiação por
um mundo perdido devia ser plena, abundante, completa. A oferenda de Cristo foi
inexcedivelmente abundante para abranger toda alma que Deus criou. Não se podia
restringir, de modo a não exceder o número dos que haviam de aceitar o grande
Dom. Nem todos os homens são salvos; todavia, o plano da salvação não é um
desperdício pelo fato de não realizar tudo que foi provido por sua
liberalidade. Há o suficiente, e ainda sobra.
Simão, o hospedeiro,
fora influenciado pela crítica de Judas à dádiva de Maria, e surpreendeu-se do
procedimento de Jesus. Seu orgulho farisaico ofendeu-se. Sabia que muitos de
seus hóspedes estavam olhando a Jesus com desconfiança e desagrado. Simão disse
no seu interior: “Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que
Lhe tocou, pois é uma pecadora”. Lucas 7:39.
Curando Simão da
lepra, Cristo o salvara de uma morte em vida. Mas agora Simão duvidava se o
Salvador era profeta. Por Cristo permitir que essa mulher dEle se aproximasse,
por não a desprezar como alguém cujos pecados são demasiado grandes para serem
perdoados, por não mostrar que compreendia haver ela caído, Simão foi tentado a
pensar que Ele não era profeta. Jesus nada sabe dessa mulher, tão pródiga em
demonstrações, pensou ele, ou não lhe permitiria que O tocasse.
Foi, porém, a
ignorância de Simão acerca de Deus e de Cristo que o levou a assim pensar. Não
compreendeu que o Filho de Deus deve agir à maneira divina, compassiva, terna e
misericordiosamente. A maneira de Simão era não fazer caso do penitente serviço
de Maria. Seu ato de beijar os pés de Cristo e ungir-Lhos com o unguento foi
exasperante para seu coração endurecido. Pensou que se Cristo fosse profeta,
reconheceria os pecadores e os repreenderia.
A esse inexpresso
pensamento, respondeu o Salvador: “Simão, uma coisa tenho a dizer-te. [...] Um
certo credor tinha dois devedores; um devia-lhe quinhentos dinheiros, e outro
cinquenta. E, não tendo ele com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Dize pois:
qual deles o amará mais? E Simão, respondendo, disse: Tenho para mim que é
aquele a quem mais perdoou. E Ele lhe disse: Julgaste bem”. Lucas 7:40-43.
Como fizera Natã com
Davi, Cristo ocultou Seu bem atirado golpe sob o véu de uma parábola. Lançou
sobre o hospedeiro a responsabilidade de proferir a própria sentença. Simão
induzira ao pecado a mulher que ora desprezava. Fora por ele profundamente
prejudicada. Pelos dois devedores da parábola, eram representados Simão e a
mulher. Jesus não intentava ensinar que diferentes graus de obrigação houvessem
de ser sentidos pelas duas pessoas, pois [397] cada uma tinha um débito de
gratidão que nunca se poderia solver. Mas Simão se julgava mais justo que
Maria, e Jesus desejava fazer-lhe ver quão grande era na verdade a sua culpa.
Queria mostrar-lhe que seu pecado era maior que o dela, tão maior, como um
débito de quinhentos dinheiros é superior a uma dívida de cinquenta.
Simão começou então
a ver-se sob um novo aspecto. Observou como Maria era considerada por Alguém
que era mais que profeta. Notou que, com o penetrante olhar profético, Cristo
lhe lera o amorável e devotado coração. A vergonha apoderou-se dele, e percebeu
achar-se em presença de Alguém que lhe era superior.
“Entrei em tua
casa”, continuou Cristo, “e não Me deste água para os pés”; mas com lágrimas de
arrependimento originadas no amor, Maria lavou-Me os pés e enxugou-os com os
próprios cabelos. “Não Me deste ósculo, mas esta mulher” a quem tu desprezas,
“desde que entrou, não tem cessado de Me beijar os pés”. Lucas 7:44, 45. Cristo
contava as oportunidades que Simão tivera de manifestar seu amor pelo Senhor, e
o apreço pelo que fora feito por ele.
Claramente, se bem
que com delicada polidez, o Salvador assegurou a Seus discípulos que o coração
se Lhe magoa quando Seus filhos se descuidam de manifestar gratidão para com
Ele por palavras e atos de amor.
O Perscrutador do
coração lera os motivos que deram lugar ao ato de Maria, e viu também o
espírito que instigara as palavras de Simão. “Vês tu esta mulher?” disse-lhe. É
uma pecadora. Digo-te “que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque
muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama”. Lucas 7:47.
A frieza de Simão e
sua negligência para com o Salvador mostravam quão pouco apreciava a bênção que
recebera. Julgava honrar a Jesus, convidando-O à sua casa. Mas viu-se então
como na realidade era. Enquanto pensara ler seu Hóspede, Este o estivera lendo
a ele. Viu quão justo era o juízo de Cristo a seu respeito. Sua justiça fora um
vestido de farisaísmo. Desprezara a compaixão de Jesus. Não O reconhecera como
representante de Deus. Ao passo que Maria era uma pecadora perdoada, ele era um
não perdoado pecador. A rigorosa regra de justiça que quisera impor contra ela,
condenava-o a ele próprio.
Simão foi tocado
pela bondade de Jesus em não o repreender abertamente diante dos hóspedes. Não
fora tratado como desejara que Maria o fosse. Viu que Jesus não desejava expor
sua culpa diante dos outros, mas buscava, por uma exata exposição do fato,
convencer-lhe o espírito e por piedosa bondade vencer-lhe o coração. Uma severa
acusação haveria endurecido Simão contra o arrependimento, mas a paciente
admoestação o convenceu de seu erro. Viu a magnitude do débito que tinha para
com seu Senhor. Seu orgulho humilhou-se, ele se arrependeu, e o altivo fariseu
tornou-se um humilde e abnegado discípulo.
Maria fora
considerada grande pecadora, mas Cristo sabia as circunstâncias que lhe tinham
moldado a vida. Poderia ter acabado com sua esperança, mas não o fez. Fora Ele
que a erguera do desespero e da ruína. Sete vezes ouvira ela Sua repreensão aos
demônios que lhe dominavam o coração e a mente. Ouvira-Lhe o forte clamor ao
Pai em benefício dela. Sabia quão ofensivo é o pecado à Sua imaculada pureza, e
em Sua força vencera.
Quando, aos olhos
humanos, seu caso parecia desesperado, Cristo viu em Maria aptidões para o bem.
Viu os melhores traços de seu caráter. O plano da redenção dotou a humanidade
de grandes possibilidades, e em Maria se deviam as mesmas realizar. Mediante
Sua graça, tornou-se participante da natureza divina. Aquela que caíra e cuja
mente fora habitação de demônios, chegara bem perto do Salvador em associação e
serviço. Foi Maria que se assentou aos pés de Jesus e dEle aprendeu. Foi ela
que Lhe derramou na cabeça o precioso unguento, e banhou os pés com as próprias
lágrimas. Achou-se ao pé da cruz e O seguiu ao sepulcro. Foi a primeira junto
ao sepulcro, depois da ressurreição. A primeira a proclamar o Salvador
ressuscitado.
Jesus conhece as
circunstâncias de toda alma. Podeis dizer: Sou pecador, muito pecador. Talvez o
sejais; mas quanto pior fordes, tanto mais necessitais de Jesus. Ele não repele
nenhuma criatura que chora, contrita. Não diz a ninguém tudo quanto poderia
revelar, mas manda a toda alma tremente que tenha ânimo. Perdoará
abundantemente todos quantos a Ele forem em busca de perdão e restauração.
Cristo poderia
comissionar os anjos do Céu para derramar as taças de Sua ira sobre nosso
mundo, a fim de destruir a todos quantos estão cheios de ódio contra Deus.
Poderia apagar essa mancha negra do Seu Universo. Mas assim não faz. Acha-Se
hoje ante o altar de incenso, apresentando perante Deus as orações dos que
desejam Seu auxílio.
A pessoa que a Ele
se volve em busca de refúgio, Cristo erguerá acima da acusação e da contenda
das línguas. Nenhum homem ou anjo mau pode incriminar a essas almas. Cristo as
liga a Sua própria natureza humano-divina. Acham-se ao lado dAquele que tomou
sobre Si os pecados, na luz que procede do trono divino. “Quem intentará
acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os
condenará? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os
mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós”. Romanos
8:33, 34.
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