link do vídeo ⇒
link do áudio ⇒
leitura
Capítulo 74 —
Getsêmani
Este capítulo é
baseado em Mateus 26:36-56; Marcos 14:32-50; Lucas 22:39-53; João 18:1-12.
Em companhia dos
discípulos, fez o Salvador vagarosamente o caminho para o jardim de Getsêmani.
A Lua pascoal, clara e cheia, brilhava num céu sem nuvens. Silenciara a cidade
de tendas de peregrinos.
Jesus estivera
conversando animadamente com os discípulos, instruindo-os; mas ao aproximar-Se
do Getsêmani, tornou-Se estranhamente mudo. Muitas vezes lá estivera, para
meditar e orar; mas nunca com o coração tão cheio de tristeza como nessa noite
de Sua última agonia. Durante Sua vida na Terra, andara à luz da presença de
Deus. Quando em conflito com homens que eram inspirados pelo próprio espírito
de Satanás, podia dizer: “Aquele que Me enviou está comigo; o Pai não Me tem
deixado só, porque Eu faço sempre o que Lhe agrada”. João 8:29. Agora, porém,
parecia excluído da luz da mantenedora presença de Deus. Era então contado
entre os transgressores. Devia suportar a culpa da humanidade caída. Sobre
Aquele que não conheceu pecado, devia pesar a iniquidade da raça caída. Tão
terrível Lhe parece o pecado, tão grande o peso da culpa que deve levar sobre
Si, que é tentado a temer que ele O separe para sempre do amor do Pai. Sentindo
quão terrível é a ira de Deus contra a transgressão, exclama: “A Minha alma
está profundamente triste até à morte”. Marcos 14:34.
Ao aproximarem-se do
jardim, os discípulos notaram a mudança que se operara em seu Mestre. Nunca
antes O tinham visto tão indizivelmente triste e silencioso. À medida que
avançava, mais se aprofundava essa estranha tristeza; todavia, não ousavam
interrogá-Lo quanto a causa da mesma. Seu corpo cambaleava como se estivesse
prestes a cair. Ao chegar ao jardim, os discípulos, ansiosos, procuraram o
lugar habitual do retiro do Mestre, para que Ele pudesse descansar. Cada passo
que dava agora, fazia-o com extremo esforço.
Gemia alto, como sob
a opressão de terrível fardo. Por duas vezes os companheiros O sustiveram, do
contrário teria tombado por terra.
Próximo à entrada do
horto, Jesus deixou todos os discípulos, com exceção de três, pedindo-lhes que
orassem por si mesmos e por Ele. Em companhia de Pedro, Tiago e João, penetrou
nos mais retirados recessos do mesmo horto. Esses três discípulos eram os mais
íntimos companheiros de Cristo. Contemplaram-Lhe a glória no monte da
transfiguração; viram Moisés e Elias conversando com Ele; ouviram a voz do Céu;
agora, em Sua grande luta, Cristo os desejava ter perto de Si. Muitas vezes
passaram a noite ao Seu lado nesse retiro. Nessas ocasiões, depois de um
período de vigília e oração, costumavam dormir imperturbados a pequena
distância do Mestre, até que os despertava pela manhã, para irem novamente ao
trabalho. Agora, porém, desejava que passassem a noite com Ele em oração. No
entanto, não podia admitir que nem mesmo eles testemunhassem a agonia que devia
suportar. “Ficai aqui”, disse-lhes, “e velai comigo”. Mateus 26:38.
Foi a uma pequena
distância deles — não tão afastado que O não pudessem ver e ouvir — e caiu
prostrado por terra. Sentia que, pelo pecado, estava sendo separado do Pai. O
abismo era tão largo, tão escuro, tão profundo, que Seu espírito tremeu diante
dele. Para escapar a essa agonia, não deve exercer Seu poder divino. Como
homem, cumpre-Lhe sofrer as consequências do pecado do homem. Como homem, deve
suportar a ira divina contra a transgressão.
Cristo Se achava
então em atitude diversa daquela em que sempre estivera. Seus sofrimentos podem
melhor ser descritos nas palavras do profeta: “Ó espada, ergue-te contra o Meu
Pastor e contra o varão que é Meu companheiro, diz o Senhor dos Exércitos”.
Zacarias 13:7. Como substituto e refém do pecador, estava Cristo sofrendo sob a
justiça divina. Viu o que significa justiça. Até então, fora como um
intercessor por outros; agora, ansiava alguém que por Ele intercedesse.
Ao sentir Cristo
interrompida Sua unidade com o Pai, temia que, em Sua natureza humana, não
fosse capaz de resistir ao vindouro conflito com os poderes das trevas. No
deserto da tentação, estivera em jogo o destino da raça humana. Cristo saíra
então vitorioso. Agora viera o tentador para a última e tremenda luta. Para
isso se preparara ele durante os três anos de ministério de Cristo. Tudo estava
em jogo para ele. Falhasse aqui, e estava perdida sua esperança de domínio; os
reinos do mundo tornar-se-iam afinal possessão de Cristo; ele próprio seria
derrotado e expulso. Mas se Cristo pudesse ser vencido, a Terra se tornaria
para sempre o reino de Satanás, e a raça humana estaria perpetuamente em seu
poder. Com os resultados do conflito perante Si, a alma de Cristo Se encheu de
terror da separação de Deus. Satanás dizia-Lhe que, se Se tornasse o penhor de
um mundo pecaminoso, seria eterna a separação. Ele Se identificaria com o reino
de Satanás, e nunca mais seria um com Deus.
E que se lucraria
com esse sacrifício? Quão desesperadas pareciam a culpa e a ingratidão humanas!
Satanás apertava o Redentor, apresentando a situação justamente em seus piores
aspectos: “A nação que pretende achar-se acima de todas as outras quanto às
vantagens temporais e espirituais, rejeitou-Te. Procuram destruir-Te, a Ti,
fundamento, centro e selo das promessas que lhes foram feitas como povo
particular. Um de Teus próprios discípulos, que tem ouvido Tuas instruções e
sido um dos de mais destaque nas atividades da igreja, trair-Te-á. Um de Teus
mais zelosos seguidores Te há de negar. Todos Te abandonarão.” Cristo repeliu
esse pensamento com todo Seu ser. Que aqueles a quem empreendera salvar,
aqueles a quem tanto amava, se unissem aos tramas de Satanás — isto Lhe
traspassava a alma. Terrível era o conflito. Media-se pela culpa da nação, de
Seus acusadores e traidor, pela culpa de um mundo imerso na impiedade. Os
pecados dos homens pesavam duramente sobre Cristo, e esmagava-Lhe a alma o
sentimento da ira divina.
Contemplai-O
considerando o preço a ser pago pela alma humana. Em Sua agonia, apega-Se ao
solo frio, como a impedir de ser levado para longe de Deus. O enregelante
orvalho da noite cai-Lhe sobre o corpo curvado, mas não atenta para isso. De
Seus pálidos lábios irrompe o amargo brado: “Meu Pai, se é possível, passe de
Mim este cálice.” Mas mesmo então acrescenta: “Todavia não como Eu quero, mas
como Tu queres”. Mateus 26:39.
O coração humano
anseia simpatia no sofrimento. Esse anseio, experimentou-o Cristo até ao mais
profundo de Seu ser. Na suprema angústia de Sua alma, foi ter com os
discípulos, com o aflitivo desejo de ouvir algumas palavras reconfortantes
daqueles a quem tantas vezes concedera bênçãos e conforto, e protegera na dor e
na aflição. Aquele que para eles tivera sempre expressões de simpatia, sofria
agora sobre-humana dor, e almejava saber que estavam orando por Ele e por si
mesmos. Quão negra se Lhe afigurava a malignidade do pecado! Terrível foi a
tentação de deixar que a raça humana sofresse as consequências de sua própria
culpa, e ficasse Ele inocente diante de Deus. Se tão-somente soubesse que os
discípulos compreendiam e avaliavam isso, seria fortalecido. Erguendo-Se num
doloroso esforço, dirigiu-Se cambaleante ao lugar onde deixara os companheiros.
Mas “achou-os adormecidos”. Mateus 26:40. Houvesse-os encontrado em oração, e
ter-Se-ia sentido aliviado. Estivessem buscando refúgio em Deus, para que as
forças satânicas não prevalecessem sobre eles, e Jesus Se teria sentido
confortado por sua firme fé. Mas não deram ouvidos à repetida advertência:
“Vigiai e orai”. Mateus 26:41. A princípio ficaram perturbados ao ver o Mestre,
de ordinário tão calmo e de tanta compostura, lutando com uma dor que estava
além da compreensão. Tinham orado enquanto ouviram os grandes clamores do
Sofredor. Não pretendiam abandonar seu Senhor, mas pareciam paralisados por um
torpor que teriam sacudido de si, caso houvessem continuado a rogar a Deus. Não
compreendiam a necessidade de vigilância e fervorosa súplica, a fim de resistir
à tentação.
Mesmo antes de Se
dirigir para o horto, Jesus dissera aos discípulos: “Todos vós esta noite vos
escandalizareis em Mim.” Haviam-Lhe assegurado firmemente que O acompanhariam à
prisão e à morte. E o pobre, presunçoso Pedro acrescentara: “Ainda que todos se
escandalizem em Ti, eu nunca me escandalizarei”. Marcos 14:27, 29. Mas os
discípulos confiavam em si mesmos. Não olharam para o poderoso Ajudador, como
Cristo os aconselhara a fazer. Assim, quando o Salvador Se encontrava em mais
necessidade das simpatias e orações deles, foram achados dormindo. Mesmo Pedro
dormia.
E João, o amorável
discípulo que se reclinara ao peito de Jesus, estava adormecido. Certamente o
amor de João por seu Mestre o deveria ter mantido desperto. Suas fervorosas
orações se deveriam ter misturado às do amado Salvador, no momento de Sua
suprema aflição. O Redentor passara noites inteiras orando pelos discípulos,
para que sua fé não desfalecesse. Fizesse Jesus agora a Tiago e a João a
pergunta que uma vez lhes dirigira: “Podeis vós beber o cálice que Eu hei de beber,
e ser batizados com o batismo com que Eu sou batizado?” e eles não teriam
ousado responder: “Podemos”. Mateus 20:22.
Os discípulos
acordaram à voz de Jesus, porém mal O conheceram, tão mudado estava Seu
semblante pela angústia. Dirigindo-Se a Pedro, disse Jesus: “Simão, dormes? Não
podes vigiar uma hora? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o
espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca”. Marcos 14:37, 38. A
fraqueza dos discípulos despertou a simpatia de Jesus. Temia que não fossem capazes
de resistir à prova que lhes sobreviria em Sua entrega e morte. Não os
reprovou, mas disse: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação.” Mesmo
em Sua grande agonia, buscava desculpar-lhes a fraqueza. “O espírito na verdade
está pronto”, disse, “mas a carne é fraca.” Novamente foi o Filho de Deus
tomado de sobre-humana aflição e, desfalecido e exausto, arrastou-Se outra vez
para o lugar de Sua luta anterior. Seu sofrimento era ainda maior que antes. Ao
sobrevir-Lhe a agonia da alma, “Seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue,
que corriam até ao chão”. Lucas 22:44. Os ciprestes e as palmeiras foram as
silenciosas testemunhas de Sua angústia. Dos folhudos ramos caía denso orvalho
sobre Seu corpo prostrado, como se a natureza chorasse sobre seu Autor sozinho
em luta contra os poderes das trevas.
Pouco tempo antes,
Jesus Se mostrara qual vigoroso cedro, resistindo à tempestade da oposição que
desencadeava contra Ele sua fúria. Vontades obstinadas e corações cheios de
maldade e sutileza, em vão lutaram para O confundir e oprimir. Apresentara-Se
em divina majestade, como o Filho de Deus. Agora era como uma cana açoitada e
pendida por furiosa tempestade. Vencedor, aproximara-Se da consumação de Sua
obra, havendo conquistado a cada passo a vitória sobre os poderes das trevas.
Como já glorificado, afirmara ter unidade com Deus. Com firmes acentos entoara
Seus cânticos de louvor. Dirigira aos discípulos palavras de ânimo e ternura.
Agora chegara a hora do poder das trevas. Agora se Lhe ouvia a voz no silêncio
da noite, não em notas de triunfo, mas plena de humana angústia. As palavras do
Salvador foram levadas aos ouvidos dos entorpecidos discípulos: “Meu Pai, se
este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber, faça-se a Tua vontade”.
Mateus 26:42.
O primeiro impulso
dos discípulos foi ir ter com Ele; mas pedira-lhes que ficassem ali, velando em
oração. Quando Jesus chegou a eles, achou-os ainda adormecidos. De novo sentira
Ele o anseio da companhia, de algumas palavras dos discípulos, que trouxessem
alívio e quebrassem o encanto das trevas que quase O venciam.
Mas seus olhos
estavam carregados; “e não sabiam que responder-Lhe”. Marcos 14:40. Sua
presença os despertou. Viram-Lhe o rosto manchado com o suor sanguinolento da
agonia, e encheram-se de temor. Sua angústia mental, não a podiam compreender.
“O Seu parecer estava tão desfigurado, mais do que o dos outros filhos dos
homens”. Isaías 52:14.
Voltando, Jesus
tornou a procurar o Seu retiro, caindo prostrado, vencido pelo horror de uma
grande treva. A humanidade do Filho de Deus tremia naquela probante hora. Não
orava agora pelos discípulos, para que a fé deles não desfalecesse, mas por Sua
própria alma assediada de tentação e angústia. O tremendo momento chegara —
aquele momento que decidiria o destino do mundo. Na balança oscilava a sorte da
humanidade. Cristo ainda podia, mesmo então, recusar beber o cálice reservado
ao homem culpado. Ainda não era demasiado tarde. Poderia enxugar da fronte o
suor de sangue, e deixar perecer o homem em sua iniquidade. Poderia dizer:
Receba o pecador o castigo de seu pecado, e Eu voltarei a Meu Pai. Beberá o
Filho de Deus o amargo cálice da humilhação e da agonia? Sofrerá o Inocente as
consequências da maldição do pecado, para salvar o criminoso? Trêmulas caem as
palavras dos pálidos lábios de Jesus: “Pai Meu, se este cálice não pode passar
de Mim sem Eu o beber, faça-se a Tua vontade”. Mateus 26:42.
Três vezes proferiu
essa oração. Três vezes recuou Sua humanidade do último, supremo sacrifício.
Surge, porém, então, a história da raça humana diante do Redentor do mundo. Vê
que os transgressores da lei, se deixados, têm de perecer. Vê o desamparo do
homem. Vê o poder do pecado. As misérias e os ais do mundo condenado erguem-se
ante Ele. Contempla-lhe a sorte iminente, e decide-Se. Salvará o homem custe o
que custar de Sua parte. Aceita Seu batismo de sangue, para que, por meio dEle,
milhões de almas a perecer obtenham a vida eterna. Deixou as cortes celestiais,
onde tudo é pureza, felicidade e glória para salvar a única ovelha perdida, o
único mundo caído pela transgressão. E não Se desviará de Sua missão.
Tornar-Se-á a propiciação de uma raça que quis pecar. Sua prece agora respira
apenas submissão: “Se este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber,
faça-se a Tua vontade”. Mateus 26:42.
Havendo tomado a
decisão, cai moribundo no solo do qual Se erguera parcialmente. Onde se achavam
então os discípulos, para pôr ternamente as mãos sob a cabeça do desfalecido
Mestre, e banhar aquela fronte, na verdade mais desfigurada que a dos outros
filhos dos homens? O Salvador pisou sozinho o lagar, e do povo nenhum com Ele
havia.
Mas Deus sofria com
Seu Filho. Anjos contemplavam a agonia do Salvador. Viam seu Senhor circundado
de legiões das forças satânicas, Sua natureza vergada ao peso de misterioso
pavor que todo O fazia tremer. Houve silêncio no Céu. Nenhuma harpa soava.
Pudessem os mortais ter testemunhado o assombro das hostes quando, em
silenciosa dor, observavam o Pai retirando de Seu bem-amado Filho os raios de luz,
amor e glória, e melhor compreenderiam quão ofensivo é aos Seus olhos o pecado.
Os mundos não caídos
e os anjos celestiais vigiavam com intenso interesse o conflito que se
aproximava do desfecho. Satanás e suas hostes do mal, as legiões da apostasia,
seguiam muito atentamente essa grande crise na obra da redenção. Os poderes do
bem e do mal aguardavam para ver qual a resposta que seria dada à oração de
Cristo — três vezes repetida. Os anjos anelavam trazer alívio ao divino
Sofredor, mas isso não podia ser. Nenhum meio de escape havia para o Filho de
Deus. Nessa horrível crise, quando tudo estava em jogo, quando o misterioso
cálice tremia nas mãos do Sofredor, abriu-se o Céu, surgiu uma luz por entre a
tempestuosa treva da hora da crise, e o poderoso anjo que se acha na presença
de Deus, ocupando a posição da qual Satanás caíra, veio para junto de Cristo. O
anjo não veio para tomar-Lhe o cálice das mãos, mas para fortalecê-Lo a fim de
que o bebesse, com a certeza do amor do Pai. Veio para dar força ao divino-humano
Suplicante. Ele Lhe apontou os Céus abertos, falando-Lhe das almas que seriam
salvas em resultado de Seus sofrimentos. Afirmou-Lhe que Seu Pai é maior e mais
poderoso que Satanás, que Sua morte redundaria na sua inteira derrota, e que o
reino deste mundo seria dado aos santos do Altíssimo. Disse-Lhe que Ele veria o
trabalho de Sua alma, e ficaria satisfeito, pois contemplaria uma multidão de
membros da família humana salvos, eternamente salvos.
A agonia de Cristo
não cessou, mas Sua depressão e desânimo O deixaram. A tempestade não amainou
de maneira alguma, mas Aquele que dela era objeto estava fortalecido para lhe
enfrentar a fúria. Saiu calmo e sereno. Uma paz celestial pairava-Lhe no rosto manchado
de sangue. Suportara aquilo que criatura alguma humana jamais poderia sofrer;
pois provara os sofrimentos da morte por todos os homens.
Os adormecidos
discípulos foram subitamente despertados pela luz que circundava o Salvador.
Viram o anjo inclinado sobre o prostrado Mestre. Viram-no erguer a cabeça do
Salvador sobre seu seio, e apontar para o Céu. Ouviram-lhe a voz, qual música
suave, proferindo palavras de conforto e esperança. Os discípulos recordaram a
cena do monte da transfiguração. Lembraram a glória que, no templo, envolvera a
Jesus, e a voz de Deus, que falara da nuvem. Agora se revelava aquela mesma
glória, e não tiveram mais temor pelo Mestre. Ele Se achava sob o cuidado de
Deus; um poderoso anjo fora enviado para O proteger. Novamente os discípulos,
em sua fadiga, cedem àquele estranho torpor que os domina. Novamente Jesus vai
os encontrar adormecidos. Contemplando-os dolorosamente, diz Ele: “Dormi agora,
e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será entregue nas mãos
dos pecadores.”
Mesmo ao proferir
essas palavras, ouviu as pisadas da turba que vinha em Sua procura, e disse:
“Levantai-vos, partamos; eis que é chegado o que Me trai”. Mateus 26:45, 46.
Nenhum vestígio de
Sua recente agonia se podia divisar ao adiantar-Se Jesus para enfrentar o
traidor. Achando-Se à frente dos discípulos, disse: “A quem buscais?”
Responderam: “A Jesus Nazareno.” Jesus disse: “Sou Eu”. João 18:4-6. Ao serem
proferidas essas palavras, o anjo que há pouco estivera confortando a Jesus
interpôs-se entre Ele e a multidão. Uma luz divina iluminou o rosto do
Salvador, e uma como que pomba pairou sobre Ele. Em presença dessa divina
glória, a turba assassina não pôde permanecer um momento. Cambalearam em recuo.
Sacerdotes, anciãos, soldados e o próprio Judas caíram como mortos por terra.
O anjo retirou-se, e
dissipou-se a luz. Jesus tivera oportunidade de escapar, mas permaneceu, calmo
e senhor de Si. Como pessoa glorificada, ficou em meio daquele bando
endurecido, agora prostrado e impotente a Seus pés. Os discípulos contemplavam
tudo silenciosos, com admiração e respeitoso temor.
Rapidamente, porém, mudou
a cena. A turba ergueu-se. Os soldados romanos, os sacerdotes e Judas
reuniram-se em redor de Cristo. Pareciam envergonhados de sua fraqueza, e
receosos de que Ele ainda escapasse. Novamente fez o Redentor a pergunta: “A
quem buscais?” Tinham tido a prova de que Aquele que Se achava diante deles era
o Filho de Deus, mas não se queriam convencer. À pergunta: “A quem buscais?”
tornaram a responder: “A Jesus Nazareno.” O Salvador disse então: “Já vos disse
que sou Eu; se pois Me buscais a Mim, deixai ir estes” (João 18:7, 8) — e
apontou aos discípulos. Sabia quão fraca era a fé deles, e buscou protegê-los
contra a tentação e a prova. Por eles estava pronto a Se sacrificar.
Judas, o traidor,
não esqueceu a parte que devia desempenhar. Quando a turba penetrou no horto,
fora ele que a conduzira, seguido de perto pelo sumo sacerdote. Aos
perseguidores de Jesus dera um sinal, dizendo: “O que eu beijar é esse; prendei-O”.
Mateus 26:48. Pretende então não ter parte nenhuma com eles. Achegando-se a
Jesus, toma-Lhe a mão como um amigo familiar. Com as palavras:
“Eu Te saúdo, Rabi”,
ele O beija repetidamente e parece chorar, como sentindo com Ele o perigo que
corria.
Jesus lhe diz:
“Amigo, a que vieste?” Mateus 26:50. A voz tremia-Lhe de dor, ao acrescentar:
“Judas, com um beijo traís o Filho do homem?” Lucas 22:48. Esse apelo deveria
ter despertado a consciência do traidor, e tocado seu obstinado coração; mas a
honra, a fidelidade e a brandura humana o haviam abandonado. Permaneceu ousado
e em desafio, não mostrando nenhuma disposição de abrandar-se. Entregara-se a
Satanás, e não tinha poder para lhe resistir. Jesus não recusou o beijo do
traidor.
A massa tornou-se
ousada, ao ver Judas tocar a pessoa dAquele que tão pouco antes fora
glorificado diante de seus olhos. Apoderaram-se, pois, de Jesus e começaram a
atar aquelas preciosas mãos que sempre se haviam empregado em fazer bem.
Os discípulos haviam
julgado que o Mestre não sofreria ser aprisionado. Pois o mesmo poder que
fizera com que os da turba caíssem como mortos, mantê-los-ia impotentes até que
Jesus e Seus companheiros escapassem. Ficaram decepcionados e indignados, ao
verem as cordas trazidas para ligar as mãos dAquele a quem amavam. Em sua
indignação, Pedro puxou precipitadamente da espada e procurou defender o
Mestre, mas apenas cortou uma orelha do servo do sumo sacerdote. Quando Jesus
viu o que fora feito, soltou as mãos — ainda que firmemente presas pelos soldados
romanos — e dizendo: “Deixai-os; basta” (Lucas 22:51), tocou a orelha, e esta
sarou instantaneamente. Disse então a Pedro: “Mete no seu lugar a tua espada;
porque todos os que lançarem mão da espada à espada morrerão. Ou pensas tu que
Eu não poderia agora orar a Meu Pai, e que Ele não Me daria mais de doze
legiões de anjos?” (Mateus 26:52, 53) — uma legião em lugar de cada um dos
discípulos. Oh! por que, pensaram os discípulos, não Se salva Ele e a nós?
Respondendo a seu pensamento não expresso, acrescentou: “Como pois se
cumpririam as Escrituras, que dizem que assim convém que aconteça?” Mateus
26:54. “Não beberei Eu o cálice que o Pai Me deu?”
A dignidade oficial
dos guias judaicos não os impediu de se unirem à perseguição de Jesus. Sua
prisão era coisa demasiado importante para ser confiada a subordinados; os
astutos sacerdotes e anciãos se juntaram à polícia do templo e à plebe, para
seguir Judas ao Getsêmani. Que companhia para aqueles dignitários se lhe unirem
— uma turba ávida de excitação e armada com toda espécie de instrumentos, como
para perseguir um animal selvagem!
Voltando-se para os
sacerdotes e anciãos, Cristo neles fixou o penetrante olhar. As palavras que
Ele proferiu, jamais as esqueceriam, enquanto vivessem. Foram como setas agudas
do Todo-poderoso. Com dignidade, disse: Saístes contra Mim como para um ladrão
ou salteador, com espadas e varapaus. Todos os dias Me assentava, ensinando no
templo. Tínheis oportunidade de deitar-Me as mãos, e nada fizestes. A noite é
mais adequada para vossa obra. “Mas esta é a vossa hora e o poder das trevas”.
Lucas 22:53.
Os discípulos
ficaram aterrorizados, ao ver que Jesus permitia que O prendessem e ligassem.
Escandalizaram-se de que Ele suportasse essa humilhação, feita a Si e a eles.
Não Lhe podiam entender a conduta, e censuraram-nO por Se submeter à turba. Em
sua indignação e temor, Pedro propôs que se salvassem. Seguindo essa sugestão,
“todos os discípulos, deixando-O, fugiram”. Mas Cristo predissera essa
deserção. “Eis que chega a hora”, dissera, “e já se aproxima, em que vós sereis
dispersos, cada um para sua parte, e Me deixareis só; mas não estou só, porque
o Pai está comigo”. João 16:32.
Comentários
Postar um comentário