Patriarcas e Profetas
Ellen G. White
Capítulo 28 — Idolatria no Sinai
Este capítulo é baseado em Êxodo
32-34.
A ausência de Moisés foi um tempo
de espera e apreensão para Israel. O povo sabia que ele subira ao monte com
Josué, e havia entrado na nuvem de densas trevas que podia ser vista da
planície abaixo, repousando sobre o pico da montanha, iluminado de quando em
quando pelos relâmpagos da presença divina. Esperavam ansiosamente a sua volta.
Acostumados como tinham estado no Egito com as representações materiais da
divindade, fora-lhes difícil confiar em um ser invisível, e tinham vindo a
depender de Moisés para lhes sustentar a fé. Agora ele lhes fora tirado. Dia
após dia, semana após semana passavam-se, e ainda ele não voltava. Embora a
nuvem ainda estivesse à vista, parecia a muitos no acampamento que seu chefe
deles desertara, ou que fora consumido pelo fogo devorador.
Durante este período de espera,
houve tempo para meditarem na lei de Deus que tinham ouvido, e prepararem o
coração para receber novas revelações que Ele lhes poderia fazer. Não tinham
tempo demasiado para este trabalho; e se houvessem estado assim a procurar uma
compreensão mais clara dos mandamentos de Deus, e a humilhar seus corações
diante dEle, teriam sido protegidos contra a tentação. Mas não fizeram isto; e logo
se tornaram descuidados, desatentos e desordenados. Era este o caso
especialmente com a “mistura de gente”. Êxodo 12:38. Estavam impacientes por se
verem em caminho para a Terra da Promessa, aquela terra que manava leite e mel.
Era unicamente sob a condição de obediência que a bela terra lhes fora
prometida; mas haviam perdido de vista esse fato. Alguns havia que sugeriam a
volta para o Egito; mas a maior parte do povo estava decidida a não mais
esperar por Moisés, quer fosse para seguir para Canaã quer fosse para voltar
para o Egito.
Sentindo o seu desamparo na
ausência do dirigente, voltaram às suas velhas superstições. Aquela “mistura de
gente” foram os primeiros a se entregarem à murmuração e impaciência, e foram
os chefes da apostasia que se seguiu. Entre as coisas consideradas pelos
egípcios como símbolos da divindade, estava o boi ou o bezerro; e foi pela
sugestão dos que haviam praticado esta forma de idolatria no Egito, que então
foi feito e adorado um bezerro. O povo desejava alguma imagem para representar
a Deus, e ir diante deles em lugar de Moisés. Deus não dera espécie alguma de
semelhança de Si, e proibia qualquer representação material para tal fim. Os
grandes prodígios feitos no Egito e no Mar Vermelho destinavam-se a estabelecer
nEle fé, como o Ajudador de Israel, invisível e todo-poderoso, o único
verdadeiro Deus. E o desejo de alguma manifestação visível de Sua presença fora
satisfeito com a coluna de nuvem e de fogo que guiava os seus exércitos, e pela
revelação de Sua glória sobre o Monte Sinai. Mas, com a nuvem de Sua presença
ainda diante deles, volveram em seus corações à idolatria do Egito, e
representaram a glória do Deus invisível pela semelhança de um bezerro!
Na ausência de Moisés a
autoridade judiciária fora delegada a Arão, e uma vasta multidão reuniu-se em
redor de sua tenda, com o pedido: “Faze-nos deuses, que vão adiante de nós;
porque quanto a este Moisés, a este homem que nos tirou da terra do Egito, não
sabemos o que lhe sucedeu”. Êxodo 32:1. A nuvem, disseram eles, que até ali os
havia guiado, repousava agora permanentemente sobre o monte; não mais dirigiria
as suas viagens. Queriam ter uma imagem em seu lugar; e se, como havia sido
sugerido, resolvessem voltar ao Egito, teriam o favor dos egípcios, levando
essa imagem diante de si, e reconhecendo-a como seu deus.
O culto de Ápis era acompanhado
da mais grosseira licenciosidade, e o relato das Escrituras denota que a
adoração ao bezerro levada a efeito pelos israelitas foi acompanhada por toda a
devassidão usual no culto pagão. Lemos: “No dia seguinte madrugaram, e
ofereceram holocaustos, e trouxeram ofertas pacíficas; e o povo assentou-se
para comer e beber, e levantou-se para divertir-se”. Êxodo 32:6. A palavra
hebraica traduzida “divertir-se”, significa divertir-se com saltos, cânticos e
danças. Estas danças, especialmente entre os egípcios, eram sensuais e
indecentes. A palavra traduzida “corrompeu” no versículo seguinte, onde se lê:
“O teu povo, que fizeste sair do Egito, se corrompeu”, é a mesma palavra usada em
Gênesis 6:11, 12, onde lemos que a Terra estava corrompida, “porque todo ser
vivente havia corrompido o seu caminho na Terra”. Isto explica a terrível ira
do Senhor, e por que Ele desejava consumir o povo de uma vez. Tal ocasião
crítica exigia um homem de firmeza, decisão e coragem inflexível; um homem que
tivesse a honra de Deus em maior conta do que o favor popular, a segurança
pessoal, ou a própria vida. Mas o atual líder de Israel não era deste caráter.
Arão, com fraqueza, apresentou objeções ao povo, mas sua vacilação e timidez no
momento crítico apenas os tornou mais decididos. O tumulto aumentou. Um
frenesi, cego e desarrazoado, pareceu apoderar-se da multidão. Alguns houve que
permaneceram fiéis ao seu concerto com Deus; mas a maior parte do povo aderiu à
apostasia. Uns poucos que se arriscaram a denunciar a proposta execução da
imagem como sendo idolatria, foram atacados e rudemente tratados, e na confusão
e agitação perderam finalmente a vida.
Arão temia pela sua própria
segurança; e, em vez de manter-se nobremente pela honra de Deus, rendeu-se às
exigências da multidão. Seu primeiro ato foi ordenar que os brincos de ouro
fossem reunidos dentre todo o povo e trazidos a ele, esperando que o orgulho os
levasse a recusar tal sacrifício. Voluntariamente, porém, cederam os seus
ornamentos; e destes fez um bezerro fundido, à imitação dos deuses do Egito. O
povo proclamou: “Estes são os teus deuses, ó Israel, que te tiraram da terra do
Egito.” E Arão vilmente permitiu se fizesse este insulto a Jeová. Fez mais.
Vendo com que satisfação o deus de ouro era recebido, construiu um altar diante
dele, e fez esta proclamação: “Amanhã será festa ao Senhor”. Êxodo 32:4, 5. O
anúncio foi apregoado por trombeteiros, de grupo em grupo pelo acampamento
todo. “E no dia seguinte madrugaram, e ofereceram holocaustos, e trouxeram
ofertas pacíficas; e o povo assentou-se a comer e a beber; depois levantaram-se
a folgar”. Êxodo 32:6. Sob o pretexto de realizarem uma “festa ao Senhor”,
entregaram-se à glutonaria, à folgança licenciosa.
Quantas vezes em nossos próprios
dias é o amor aos prazeres disfarçado por uma “aparência de piedade”! 2 Timóteo
3:5. Uma religião que permite aos homens, enquanto observam os ritos do culto,
entregarem-se à satisfação egoísta ou sensual, é tão agradável às multidões
hoje como o foi nos dias de Israel. E ainda há Arãos flexíveis, que ao mesmo
tempo em que mantêm posições de autoridade na igreja, cederão aos desejos dos
que não são consagrados, e assim os induzirão ao pecado.
Poucos dias apenas se haviam
passado desde que os hebreus fizeram um concerto solene com Deus, para
obedecerem à Sua voz. Tinham estado a tremer de terror diante do monte, ouvindo
as palavras do Senhor: “Não terás outros deuses diante de Mim”. Êxodo 20:3. A
glória de Deus ainda pairava sobre o Sinai à vista da congregação; mas
desviaram-se e pediram outros deuses. “Fizeram um bezerro em Horebe, e adoraram
a imagem fundida. E converteram a Sua glória na figura de um boi”. Salmos
106:19, 20. Como se poderia ter mostrado maior ingratidão ou feito insulto mais
ousado Àquele que Se lhes revelara como um pai terno e rei todo-poderoso!
Moisés no monte foi avisado da
apostasia no acampamento, e ordenou-se-lhe voltar sem demora. “Vai, desce”,
foram as palavras de Deus; “porque o teu povo, que fizeste subir do Egito, se
tem corrompido. E depressa se tem desviado do caminho que Eu lhes tinha
ordenado; fizeram para si um bezerro de fundição, e perante ele se inclinaram.”
Deus poderia ter sustado aquele movimento ao início; mas permitiu que chegasse
a este ponto, para que pudesse ensinar a todos uma lição em Seu castigo à
traição e apostasia.
O concerto de Deus com Seu povo
havia sido anulado e Ele declarou a Moisés: “Deixa-Me, que o Meu furor se
acenda contra eles, e os consuma; e Eu farei de ti uma grande nação”. Êxodo
32:7, 8, 10. O povo de Israel, especialmente aquela multidão mista, estaria
constantemente disposto a rebelar-se contra Deus. Murmurariam também contra seu
chefe, e o magoariam pela sua incredulidade e obstinação; e tarefa laboriosa e
mui probante seria guiá-los até a Terra Prometida. Seus pecados já os haviam
privado do favor de Deus, e a justiça exigia sua destruição. O Senhor, então,
propôs-Se a destruí-los e fazer de Moisés uma poderosa nação.
“Deixa-Me, que os consuma”, foram
as palavras de Deus. Se Deus Se propusera a destruir Israel, quem poderia
pleitear em seu favor? Quantos não teriam deixado os pecadores entregues à sua
sorte! Quantos não teriam alegremente trocado um quinhão de labutas, encargos e
sacrifício, pagos com ingratidão e maledicência, por uma posição de comodidade
e honra, quando era o próprio Deus que oferecia o livramento!
Moisés, porém, entrevia bases
para esperança onde apenas apareciam desânimo e ira. As palavras de Deus:
“Deixa-Me”, compreendeu ele não proibirem, mas sim, alentarem a intercessão,
implicando que coisa alguma a não ser as orações de Moisés poderia salvar
Israel; mas que, sendo assim rogado, Deus pouparia a Seu povo. Ele “suplicou ao
Senhor seu Deus, e disse: Ó Senhor, por que se acende o Teu furor contra o Teu
povo, que Tu tiraste da terra do Egito, com grande força e com forte mão?”
Êxodo 32:11.
Deus dera a entender que
renunciara a Seu povo. Falara deles a Moisés como “o teu povo, que fizeste subir
do Egito”. Mas Moisés, humildemente, não arrogou a si a chefia de Israel. Não
eram dele, mas de Deus: “Teu povo,
que Tu tiraste [...] com grande força
e com forte mão. Por que”, insistiu ele, “hão de falar os egípcios, dizendo:
Para mal os tirou, para matá-los nos montes, e para destruí-los da face da
Terra”. Êxodo 32:7, 11, 12.
Durante os poucos meses depois
que Israel partira do Egito, a notícia de seu maravilhoso livramento se
espalhara por todas as nações circunvizinhas. O medo, bem como terríveis
sinais, repousava sobre os gentios. Todos estavam em observação para verem o
que o Deus de Israel faria por Seu povo. Se fossem agora destruídos, seus
inimigos triunfariam, e Deus seria desonrado. Os egípcios alegariam que suas
acusações eram verdadeiras; em vez de levar Seu povo ao deserto para sacrificar,
fizera com que fossem sacrificados. Não tomariam em consideração os pecados de
Israel; a destruição do povo ao qual de uma maneira tão assinalada honrara,
lançaria a injúria sobre o Seu nome. Quão grande era a responsabilidade que
repousava sobre aqueles a quem Deus tão altamente honrara, de fazerem de Seu
nome um louvor na Terra! Com que cuidado deviam guardar-se de cometer pecado,
atrair os Seus juízos, e fazer com que Seu nome fosse acusado pelos ímpios!
Intercedendo Moisés por Israel,
desapareceu-lhe a timidez ante seu profundo interesse e amor por aqueles, em
favor dos quais havia sido nas mãos de Deus, o meio para se fazerem tão grandes
coisas. O Senhor ouviu-lhe os rogos, e atendeu a sua abnegada oração. Deus
havia provado o Seu servo; provara-lhe a fidelidade, e o amor por aquele povo
ingrato e propenso ao erro, e, nobremente, resistira Moisés à prova. Seu
interesse por Israel não se originara em qualquer intuito egoísta. A
prosperidade do povo escolhido de Deus era-lhe mais valiosa do que a honra
pessoal, mais apreciada do que o privilégio de tornar-se o pai de uma poderosa
nação. Deus Se agradava de sua fidelidade, simplicidade de coração e
integridade, e confiou-lhe como a um fiel pastor, o grande encargo de guiar
Israel à Terra Prometida.
Descendo do monte, Moisés e
Josué, trazendo o primeiro “as tábuas do testemunho”, ouviram as aclamações e
algazarra da multidão exaltada, evidentemente em estado de selvagem alvoroço.
Para Josué, soldado, o primeiro pensamento foi um ataque de seus inimigos. “Alarido
de guerra há no arraial”, disse ele. Mas Moisés julgou com mais exatidão a
natureza daquela comoção. O ruído não era de combate, mas de orgia. “Não é
alarido dos vitoriosos, nem alarido dos vencidos, mas o alarido dos que cantam
eu ouço”. Êxodo 32:15, 17, 18.
Aproximando-se do acampamento,
viram o povo a aclamar e dançar, em redor de seu ídolo. Era uma cena de
alvoroço gentílico, imitação das festas idólatras do Egito; mas quão diverso do
solene e reverente culto de Deus! Moisés ficou consternado. Acabava de vir da
presença da glória de Deus, e, embora tivesse sido avisado do que estava
acontecendo, não estava preparado para aquela hedionda mostra de degradação em
Israel. Acendeu-se-lhe a ira. Para mostrar aversão pelo crime do povo, arrojou
as tábuas de pedra, e elas se quebraram à vista de todos, significando com isto
que, assim como haviam quebrantado seu concerto com Deus, assim Deus quebrava
Seu concerto com eles.
Entrando no acampamento, Moisés
passou através das multidões entregues à dissolução, e, lançando mão do ídolo,
atirou-o ao fogo. Em seguida reduziu-o a pó, e, havendo-o derramado sobre a
torrente que descia do monte, fez com que o povo dela bebesse. Assim se mostrou
a completa inutilidade do deus que estiveram a adorar.
O grande líder chamou a seu irmão
culposo, e perguntou-lhe severamente: “Que te tem feito este povo, que sobre
ele trouxeste tamanho pecado?” Arão esforçou-se por defender-se, alegando o
clamor do povo; declarando que, se não se tivesse conformado com seus desejos,
teria sido morto. “Não se acenda a ira do meu senhor”, disse ele; “tu sabes que
este povo é inclinado ao mal; e eles me disseram: faze-nos deuses que vão
adiante de nós; porque não sabemos o que sucedeu a este Moisés, a este homem
que nos tirou da terra do Egito. Então eu lhes disse: Quem tem ouro,
arranque-o; e deram-mo, e lancei-o no forno, e saiu este bezerro”. Êxodo
32:21-24. Ele queria levar Moisés a crer que se operara um prodígio: que o ouro
fora lançado no forno, e por um poder sobrenatural se transformara em um
bezerro. Suas desculpas e prevaricações, porém, de nada valeram. Foi com
justiça tratado como o principal culpado.
O fato de que Arão fora muito
mais abençoado e honrado do que o povo, foi o que tornou o seu pecado tão
hediondo. Foi Arão, “o santo do Senhor” (Salmos 106:16), que fizera o ídolo e
anunciara a festa. Foi aquele que fora designado como o porta-voz de Moisés, e
a respeito de quem o próprio Deus testificou: “Eu sei que ele falará muito bem”
(Êxodo 4:14), foi ele que não pôde sustar os idólatras no seu intento de
afronta ao Céu. Aquele por intermédio de quem Deus agira ao trazer juízo tanto
sobre os egípcios como seus deuses, ouvira inabalável a proclamação ante a
imagem fundida: “Estes são teus deuses, ó Israel, que te tiraram da terra do Egito”.
Êxodo 32:8. Fora aquele que estivera com Moisés no monte, e ali vira a glória
do Senhor, que vira que na manifestação daquela glória nada havia de que se
pudesse fazer uma imagem, sim, foi ele que mudou aquela glória na semelhança de
um boi. Aquele a quem Deus confiara o governo do povo na ausência de Moisés,
foi encontrado a sancionar a sua rebelião. “O Senhor Se irou muito contra Arão
para o destruir”. Deuteronômio 9:20. Mas em resposta à fervorosa intercessão de
Moisés, sua vida foi poupada; e, com arrependimento e humilhação pelo seu
grande pecado, foi restabelecido no favor de Deus.
Se Arão tivesse tido coragem para
se pôr do lado do direito, sem se incomodar com as consequências, poderia ter
impedido aquela apostasia. Se houvesse inabalavelmente mantido sua fidelidade
para com Deus, se houvesse mencionado ao povo os perigos do Sinai, e os tivesse
feito lembrar de seu concerto solene com Deus, para obedecerem a Sua lei,
ter-se-ia sustado o mal. Mas sua conformação com os desejos do povo, e a calma segurança
com que se pôs a executar os seus planos, fizeram com que se atrevessem a ir
mais longe, no pecado, do que antes lhes viera à mente fazer.
Quando Moisés, voltando ao
acampamento, se defrontou com os rebeldes, a severa repreensão e a indignação
que ostentou, ao quebrar as tábuas sagradas da lei, foram pelo povo
contrastadas com os discursos aprazíveis e o porte fidalgo de seu irmão, e suas
simpatias estavam com Arão. Para justificar-se, Arão esforçou-se por tornar o
povo responsável pela sua fraqueza de ceder ao seu pedido; mas, apesar disto,
estavam cheios de admiração por sua gentileza e paciência. Mas Deus não vê como
o homem. O espírito condescendente de Arão e seu desejo de agradar, haviam-lhe
cegado os olhos à enormidade do crime que estava a sancionar. Seu procedimento
ao emprestar sua influência para o pecado em Israel, custou a vida de milhares.
Que contraste entre isto e a conduta de Moisés, o qual, ao mesmo tempo que
executava fielmente os juízos de Deus, mostrava que o bem-estar de Israel lhe
era mais caro do que a prosperidade, a honra ou a vida.
De todos os pecados que Deus
punirá, nenhum é mais ofensivo à Sua vista do que aquele que incentiva o outro
a fazer o mal. Deus quer que Seus servos demonstrem sua lealdade, repreendendo
fielmente a transgressão, por penoso que seja este ato. Aqueles que são
honrados com uma missão divina, não devem ser fracos e flexíveis servidores de
ocasião. Não devem ter como seu objetivo a exaltação própria, nem afastar de si
os deveres desagradáveis, mas sim efetuar a obra de Deus com inabalável
fidelidade.
Posto que Deus houvesse atendido
à oração de Moisés poupando a Israel da destruição, a apostasia deste havia de
ser castigada de maneira assinalada. A iniquidade e insubordinação em que Arão
permitira caíssem, se não fossem prontamente aniquiladas, passariam de motim à
perversidade, e envolveriam a nação em ruína irreparável. Com terrível
severidade devia o mal ser excluído. De pé à porta do acampamento, Moisés
chamou ao povo: “Quem é do Senhor, venha a mim”. Êxodo 32:26. Aqueles que se
não haviam unido à apostasia, deviam tomar posição à destra de Moisés; os que
eram culpados, mas que se arrependeram, ficariam à esquerda. A ordem foi
obedecida. Verificou-se que a tribo de Levi não tomara parte no culto idólatra.
Dentre outras tribos grande número havia dos que, embora houvessem pecado,
exprimiam agora o seu arrependimento. Mas uma grande multidão, maior parte
daquela mistura de gente que instigara a execução do bezerro, obstinadamente
persistiu em sua rebelião. Em nome do “Senhor Deus de Israel”, Moisés agora
ordenou àqueles à sua direita, que se haviam conservado inculpados de
idolatria, que cingissem suas espadas e matassem a todos os que persistiam na
rebelião. “E caíram do povo aquele dia uns três mil homens”. Êxodo 32:28. Sem
consideração para com posição, parentesco ou amizade, os cabeças daquele ímpio
motim foram eliminados; mas todos os que se arrependeram e se humilharam foram
poupados.
Aqueles que efetuaram esta
terrível obra de juízo, estiveram a agir com autoridade divina, executando a
sentença do Rei do Céu. Os homens, em sua cegueira humana, devem acautelar-se
de como julgam e condenam seus semelhantes; mas, quando Deus lhes ordena
executar Sua sentença sobre a iniquidade, Ele deve ser obedecido. Aqueles que
realizaram este doloroso ato, manifestaram desta maneira sua aversão à rebelião
e idolatria, e mais completamente se consagraram ao serviço do verdadeiro Deus.
O Senhor honrou-lhes a fidelidade, conferindo distinção especial à tribo de
Levi.
Os israelitas haviam sido
culpados de traição, e esta contra o Rei que os cumulara de benefícios, e cuja
autoridade voluntariamente se comprometeram a obedecer. A fim de que se pudesse
manter o governo divino, devia executar-se justiça sobre os traidores. Todavia,
mesmo nisto, ostentou-se a misericórdia de Deus. Ao mesmo tempo em que Ele
mantinha a Sua lei, concedia liberdade de escolha, e oportunidade para o
arrependimento a todos. Apenas foram eliminados aqueles que persistiram na
rebelião.
Era necessário que este pecado
fosse punido, como testemunho às nações circunvizinhas do desagrado de Deus
pela idolatria. Executando justiça sobre os criminosos, Moisés, como
instrumento de Deus, devia deixar registrado um protesto solene e público contra
o seu delito. Quando os israelitas devessem dali em diante condenar a idolatria
das tribos vizinhas, seus inimigos lhes lançariam a acusação de que o povo que
pretendia ter a Jeová como seu Deus, fizera um bezerro e o adorara em Horebe.
Então, compelidos embora a reconhecer a infeliz verdade, Israel poderia indicar
a sorte terrível dos transgressores, como prova de que seu pecado não fora
sancionado ou desculpado.
O amor, não menos que a justiça,
exigia que, para este pecado, fosse infligido o juízo. Deus é o guarda, bem
como o soberano de Seu povo. Ele exclui aqueles que se acham decididos à
rebelião, para que não levem outros à ruína. Poupando a vida a Caim, Deus
demonstrou ao Universo qual seria o resultado de permitir que o pecado ficasse
sem punição. A influência exercida sobre seus descendentes por sua vida e
ensino, determinou o estado de corrupção que exigiu a destruição do mundo
inteiro pelo dilúvio. A história dos antediluvianos atesta que a vida longa não
é uma bênção para o pecador; a grande paciência de Deus não reprimiu sua
impiedade. Quanto mais viveram os homens, tanto mais corruptos se tornaram.
Assim seria com a apostasia no
Sinai. A menos que o castigo de pronto tivesse sido executado sobre os
transgressores, ter-se-iam visto de novo os mesmos resultados. A Terra
ter-se-ia tornado tão corrompida como nos dias de Noé. Houvessem sido poupados
esses transgressores, e ter-se-iam seguido males maiores do que os que
resultaram de poupar a vida de Caim. Foi pela misericórdia de Deus que milhares
devessem sofrer, para evitar a necessidade de executar juízos sobre milhões. A
fim de salvar a muitos, Ele tinha de castigar a poucos. Ademais, como o povo
rejeitara sua submissão a Deus, privara-se da proteção divina, e, despojados de
sua defesa, a nação toda estava exposta ao poder dos inimigos. Se o mal não
tivesse sido prontamente eliminado, logo teriam eles caído presa de seus
numerosos e poderosos adversários. Era necessário para o bem de Israel, e
também como lição a todas as gerações subsequentes, que o crime fosse
imediatamente castigado. E não menos misericórdia era para os próprios
pecadores que fossem suprimidos em seu mau caminho. Se sua vida houvesse sido
poupada, o mesmo espírito que os levara a rebelar-se contra Deus ter-se-ia
manifestado em ódio e contenda entre eles mesmos, e ter-se-iam finalmente
destruído uns aos outros. Foi por amor ao mundo, por amor a Israel e mesmo
pelos transgressores, que o crime foi punido com uma severidade breve e
terrível.
Apercebendo-se o povo da
enormidade de sua falta, o terror invadiu todo o arraial. Receava-se que todos
os culpados devessem ser extirpados. Compadecido da angústia deles, Moisés
prometeu mais uma vez pleitear com Deus em seu favor.
“Vós pecastes grande pecado”,
disse ele, “agora, porém, subirei ao Senhor; porventura farei propiciação por
vosso pecado.” Ele foi, e em sua confissão diante de Deus disse: “Ora, este
povo pecou pecado grande, fazendo para si deuses de ouro. Agora, pois, perdoa o
seu pecado, senão risca-me, peço-Te, do Teu livro, que tens escrito.” A
resposta foi: “Aquele que pecar contra Mim, a este riscarei Eu do Meu livro.
Vai pois agora, conduze este povo para onde te tenho dito; eis que o Meu Anjo
irá adiante de ti; porém, no dia da Minha visitação visitarei neles o seu
pecado”. Êxodo 32:30-34.
Na oração de Moisés, nosso
espírito é dirigido para os registros celestiais, nos quais estão inscritos os
nomes de todos os homens, e fielmente registradas as suas ações, quer sejam
boas quer más. O livro da vida contém os nomes de todos os que já entraram ao
serviço de Deus. Se quaisquer destes se afastam dEle, e por uma obstinada
persistência no pecado se tornam finalmente endurecidos à influência do
Espírito Santo, seus nomes serão no juízo apagados do livro da vida, e eles
serão votados à destruição. Moisés se compenetrava de quão terrível seria a
sorte do pecador; todavia, se o povo de Israel devesse ser rejeitado pelo
Senhor, desejava ele que seu nome fosse apagado com o deles; não poderia
resistir ao ver caírem os juízos de Deus sobre aqueles que haviam sido tão
graciosamente libertos. A intercessão de Moisés em prol de Israel ilustra a
mediação de Cristo pelo homem pecador. Mas o Senhor não permitiu que Moisés
carregasse, como fez Cristo, a culpa do transgressor. “Aquele que pecar contra Mim”,
disse Ele, “a este riscarei do Meu livro”. Êxodo 32:33.
Com profunda tristeza o povo
sepultou os seus mortos. Três mil haviam sucumbido pela espada; logo uma praga
irrompeu no acampamento; e então lhes veio a mensagem de que a presença divina
não mais os acompanharia em suas jornadas. Declara Jeová: “Eu não subirei no
meio de ti, porquanto és povo obstinado, para que te não consuma Eu no
caminho.” E foi dada a ordem: “Tira de ti os teus atavios, para que Eu saiba o
que te hei de fazer.” Houve então lamentação por todo o acampamento. Com
penitência e humilhação, “os filhos de Israel se despojaram de seus atavios, ao
pé do monte de Horebe”. Êxodo 33:3, 6.
Por instrução divina, a tenda que
servira como lugar temporário de culto, foi removida “longe do arraial”. Isto
consistia ainda mais prova de que Deus retirara deles a Sua presença. Ele Se
revelaria a Moisés, mas não a um povo tal. Esta repreensão foi sentida
fundamente; e, para as multidões, feridas na consciência, parecia um prenúncio
de grande calamidade. Não tinha o Senhor separado a Moisés do acampamento para
que pudesse destruí-los completamente? Não foram, porém, deixados sem
esperança. A tenda foi armada fora do arraial, mas Moisés chamou-a “a tenda da
congregação”. Êxodo 33:7. Todos os que estavam verdadeiramente arrependidos, e
desejavam voltar ao Senhor, eram instruídos a dirigirem-se para ali a fim de
confessarem seus pecados e buscarem Sua misericórdia. Quando regressavam a suas
tendas, Moisés entrava na tenda da congregação. Com aflitivo interesse o povo
aguardava algum sinal de que suas intercessões em prol deles foram aceitas. Se
Deus condescendesse em encontrar-Se com eles, podiam esperar que não seriam
inteiramente consumidos. Quando a coluna de nuvem desceu, e ficou à entrada, o
povo chorou de alegria, e “se levantou, e inclinaram-se cada um à porta da sua
tenda”. Êxodo 33:8.
Moisés bem conhecia a
perversidade e cegueira daqueles que foram postos sob os seus cuidados; sabia
das dificuldades com que devia lutar. Mas tinha aprendido que, a fim de
prevalecer com o povo, deveria ter auxílio da parte de Deus. Pleiteou uma
revelação mais clara da vontade de Deus, e uma segurança de Sua presença: “Eis
que Tu me dizes: Faze subir a este povo; porém, não me fazes saber a quem hás
de enviar comigo; e Tu disseste: Conheço-te por teu nome, também achaste graça
aos Meus olhos. Agora pois, se tenho achado graça a Teus olhos, rogo-Te que
agora me faças saber o Teu caminho, e conhecer-Te-ei, para que ache graça aos
Teus olhos; e atenta que esta nação é o Teu povo.”
A resposta foi: “Irá para a Minha
presença contigo para te fazer descansar.” Moisés, porém, ainda não estava
satisfeito. Oprimia-lhe a alma a intuição dos terríveis resultados no caso em
que Deus deixasse Israel entregue à dureza e impenitência. Ele não podia
admitir que seus interesses estivessem separados dos de seus irmãos, e orava
para que se restabelecesse o favor de Deus a Seu povo, e para que o sinal de
Sua presença continuasse a guiar as suas jornadas: “Se a Tua presença não for
conosco, não nos faças subir daqui. Como pois se saberá agora que tenho achado
graça aos Teus olhos, eu e o Teu povo? acaso não é por andares Tu conosco e
separados seremos, eu e o Teu povo, de todo o povo que há sobre a face da
Terra?”
E o Senhor disse: “Farei também
isto, que tens dito; porquanto achaste graça aos Meus olhos, e te conheço por
nome.” Não deixou ainda o profeta de pleitear. Cada uma das orações havia sido
atendida, mas ele estava sedento por maiores indícios do favor de Deus. Fez
então um pedido que ser humano algum jamais fizera antes:
“Rogo-Te que me mostres a Tua
glória.”
Deus não censurou o seu pedido
como sendo presunçoso; mas foram proferidas as palavras cheias de graça: “Eu
farei passar toda a Minha bondade por diante de ti”. Êxodo 33:12-19. A glória
de Deus, desvendada, homem algum neste estado mortal poderá ver, e viver; mas a
Moisés assegurou-se que ele veria, tanto quanto poderia suportar, da glória
divina. De novo foi chamado ao cimo da montanha; então a mão que fizera o
mundo, aquela mão que “transporta as montanhas, sem que o sintam” (Jó 9:5),
tomou esta criatura de pó, este poderoso homem de fé, e o colocou na fenda da
rocha, enquanto a glória de Deus e toda a Sua bondade passaram diante dele.
Esta experiência — e acima de
tudo mais, a promessa de que a presença divina o acompanharia — foi para Moisés
uma certeza de êxito na obra que tinha diante de si; e ele considerava isto de
valor infinitamente maior do que todo o saber do Egito ou todas as suas
realizações como estadista ou chefe militar. Nenhum poder, habilidade ou
sabedoria terrestre pode suprir o lugar da presença duradoura de Deus.
Para o transgressor é coisa
terrível cair às mãos do Deus vivo; mas Moisés esteve sozinho na presença do
Eterno, e não ficou amedrontado; pois tinha a alma em harmonia com a vontade de
seu Criador. Diz o salmista: “Se eu atender à iniquidade no meu coração, o
Senhor não me ouvirá”. Salmos 66:18. Mas “o segredo do Senhor é para os que O
temem; e Ele lhes fará saber o Seu concerto”. Salmos 25:14.
A Divindade proclamou a respeito
de Si: “Jeová, o Senhor, Deus misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande
em beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a
iniquidade, e a transgressão, e o pecado; que ao culpado não tem por inocente”.
Moisés “apressou-se, e inclinou a cabeça à terra, encurvou-se”. Novamente rogou
que Deus perdoasse a iniquidade de Seu povo e os tomasse como Sua herança. Sua
oração foi atendida. O Senhor graciosamente prometeu renovar Seu favor para com
Israel, e em prol deles operar maravilhas quais não tinham sido feitas
“em toda a Terra, nem entre gente
alguma”. Êxodo 34:6, 8, 10. Quarenta dias e noites Moisés permaneceu no monte;
e, durante este tempo, como a princípio, foi miraculosamente alimentado. A
homem algum foi permitido subir com ele; nem durante o tempo de sua ausência
ninguém deveria aproximar-se do monte. Por ordem de Deus, preparara duas tábuas
de pedra, e levara-as consigo ao cume; e outra vez o Senhor “escreveu nas
tábuas as palavras do concerto, os Dez Mandamentos”.
Durante aquele prolongado tempo
despendido em comunhão com Deus, a face de Moisés refletira a glória da
presença divina; sem o saber, seu rosto resplandecia com uma luz deslumbrante
quando ele desceu do monte. Tal luz iluminou o rosto de Estêvão quando fora
levado perante seus juízes; “então todos os que estavam assentados no conselho,
fixando os olhos nele, viram o seu rosto como o rosto de um anjo”. Atos dos
Apóstolos 6:15. Arão, assim como o povo, recuava de Moisés, e “temeram de chegar-se
a ele”. Êxodo 34:30. Vendo sua confusão e terror, mas sem saber a causa,
insistiu com eles para que se aproximassem. Apresentou-lhes a garantia da
reconciliação com Deus, e lhes assegurou o restabelecimento de Seu favor. Nada
perceberam em sua voz a não ser amor e solicitude, e finalmente aventurou-se um
a aproximar-se dele. Muito atônito para que pudesse falar, silenciosamente
apontou para o rosto de Moisés e então para o céu. O grande chefe compreendeu o
que queria dizer. Em sua consciente culpabilidade, sentindo-se ainda sob o
desagrado divino, não podiam suportar a luz celestial, a qual, se houvessem
eles sido obedientes a Deus, tê-los-ia enchido de alegria. O medo acompanha a
culpa. A alma que está livre de pecado não deseja esconder-se da luz do Céu.
Moisés tinha muito a
comunicar-lhes; e, compadecendo-se de seus temores, pôs um véu sobre o rosto, e
continuou a fazer assim dali em diante sempre que voltava ao acampamento depois
de ter comunhão com Deus.
Por essa luz era o intuito de
Deus impressionar Israel com o caráter sagrado e exaltado de Sua lei, e a
glória do evangelho revelado por meio de Cristo. [...] Enquanto Moisés estava
no monte,
Deus apresentou-lhe não somente
as tábuas da lei, mas também o plano da salvação. Ele viu que o sacrifício de
Cristo era prefigurado por todos os tipos e símbolos da era judaica; e era a
luz celestial que fluía do Calvário, não menos que a glória da lei de Deus, que
derramava tal brilho no rosto de Moisés. Aquela iluminação divina simbolizava a
glória da dispensação de que Moisés era o mediador visível, representante do
único verdadeiro Intercessor.
A glória refletida no semblante
de Moisés ilustra as bênçãos a serem recebidas, pela mediação de Cristo, pelo
povo que guarda os mandamentos de Deus. Testifica de que, quanto mais íntima
for nossa união com Deus, e mais claro o nosso conhecimento de Suas ordens,
tanto mais plenamente nos adaptaremos à divina imagem, e mais facilmente nos
tornaremos participantes da natureza divina.
Moisés era um tipo de Cristo.
Como intercessor de Israel, velou o rosto, porque o povo não podia resistir ao
ver a glória do mesmo; assim Cristo, o Mediador divino, velou Sua divindade na
humanidade quando veio à Terra. Se tivesse vindo revestido do resplendor do
Céu, não poderia ter obtido acesso aos homens em seu estado pecaminoso. Estes
não poderiam suportar a glória de Sua presença. Portanto Ele humilhou-Se, e foi
feito “em semelhança da carne do pecado” (Romanos 8:3), para que pudesse chegar
até a raça decaída e levantá-la.
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