Patriarcas e Profetas
Ellen G. White
Capítulo 27 — Israel recebe a lei
Este capítulo é baseado em Êxodo
19-24.
Logo depois de se acamparem no
Sinai, Moisés foi chamado à montanha a encontrar-se com Deus. Sozinho subiu a
íngreme e áspera vereda, e aproximou-se da nuvem que assinalava o lugar da
presença de Jeová. Israel ia ser agora tomado em uma relação íntima e peculiar
para com o Altíssimo — sendo incorporado como uma igreja e nação sob o governo
de Deus. A mensagem dada a Moisés, para o povo, foi:
“Vós tendes visto o que fiz aos
egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos trouxe a Mim; agora pois,
se diligentemente ouvirdes a Minha voz, e guardardes o Meu concerto, então
sereis a Minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a Terra
é Minha. E vós Me sereis um reino sacerdotal e o povo santo”. Êxodo 19:4-6.
Moisés voltou ao acampamento, e,
tendo convocado os anciãos de Israel, repetiu-lhes a mensagem divina. Sua
resposta foi: “Tudo o que o Senhor tem falado, faremos.” Assim entraram em um
concerto solene com Deus, comprometendo-se a aceitá-Lo como seu Governador,
pelo que se tornavam, em sentido especial, súditos sob Sua autoridade.
De novo seu líder subiu a
montanha; e o Senhor lhe disse: “Eis que Eu virei a ti numa nuvem espessa, para
que o povo ouça, falando Eu contigo, e para que também te creiam eternamente.”
Quando deparavam dificuldades no caminho, estavam dispostos a murmurar contra
Moisés e Arão, e acusá-los de tirar as hostes de Israel do Egito para as
destruir. O Senhor queria honrar Moisés perante eles, a fim de que pudessem ser
levados a confiar em suas instruções.
Deus Se propunha fazer da ocasião
em que falaria a Sua lei uma cena de terrível grandeza, à altura do exaltado
caráter da mesma. O povo deveria receber a impressão de que todas as coisas
ligadas ao serviço de Deus, deviam ser consideradas com a maior reverência. O Senhor
disse a Moisés: “Vai ao povo, e santifica-os hoje e amanhã, e lavem eles os
seus vestidos; e estejam prontos para o terceiro dia; porquanto no terceiro dia
o Senhor descerá diante dos olhos de todo o povo sobre o Monte Sinai.” Durante
esses dias intermediários, todos deviam ocupar o tempo em preparação solene
para comparecer perante Deus. Suas pessoas e vestes deviam estar livres de
impureza. E, ao indicar-lhes Moisés os pecados, deviam dedicar-se à humilhação,
jejum e oração, a fim de que o coração deles da fosse limpo da iniquidade.
A preparação fora feita, conforme
o mandado; e, em obediência a outra ordem, determinou Moisés que fosse colocado
um obstáculo em redor do monte, para que nem homem nem animal pudesse
introduzir-se no recinto sagrado. Se algum se arriscasse a tão-somente tocá-lo,
o castigo seria a morte instantânea.
Na manhã do terceiro dia,
volvendo-se os olhares de todo o povo para o monte, o cimo deste estava coberto
de uma nuvem densa, que se tornou mais negra e compacta, descendo até que toda
a montanha foi envolta em trevas e terrível mistério. Então se ouviu um som
como de trombeta, convocando o povo para encontrar-se com Deus; e Moisés
guiou-os ao pé da montanha. Da espessa treva chamejavam vívidos relâmpagos,
enquanto os ribombos do trovão ecoavam e tornavam a ecoar por entre as
montanhas circunvizinhas. “E todo o Monte de Sinai fumegava, porque o Senhor
descera sobre ele em fogo; e o seu fumo subiu como fumo de um forno, e todo o
monte tremia grandemente.” “A glória do Senhor era como fogo devorador no cume
do monte”, à vista da multidão congregada. “E o sonido da buzina ia crescendo
em grande maneira.” Tão terríveis eram os sinais da presença de Jeová que as
hostes de Israel tremeram de medo, e caíram prostrados perante o Senhor. Mesmo
Moisés exclamou: “Estou todo assombrado, e tremendo”. Hebreus 12:21.
E então cessaram os trovões; não
mais se ouviu a trombeta; a terra ficou calada. Houve um tempo de solene
silêncio, e então se ouviu a voz de Deus. Falando da espessa escuridão que O
envolvia, encontrando-Se Ele sobre o monte, rodeado de um acompanhamento de
anjos, o Senhor deu a conhecer a Sua lei. Moisés, descrevendo esta cena, diz:
“O Senhor veio de Sinai, e lhes subiu de Seir; resplandeceu desde o monte Parã,
e veio com dez milhares de santos; à Sua direita havia para eles o fogo da lei.
Na verdade ama os povos; todos os Seus santos estão na Tua mão; postos serão no
meio, entre os Teus pés, cada um receberá das Tuas palavras”. Deuteronômio
33:2, 3.
Jeová revelou-Se não somente na terrível
majestade de juiz e legislador, mas como um compassivo guarda de Seu povo: “Eu
sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”.
Êxodo 20:2. Aquele a quem já haviam conhecido como seu guia e libertador, que
os trouxera do Egito, preparando-lhes caminho através do mar e subvertendo
Faraó e seus exércitos, que assim Se mostrara superior a todos os deuses do
Egito, Esse era o que agora falava a Sua lei.
A lei não fora proferida naquela
ocasião exclusivamente para o benefício dos hebreus. Deus os honrou, fazendo
deles os guardas e conservadores de Sua lei, mas esta deveria ser considerada
como um depósito sagrado para todo o mundo. Os preceitos do Decálogo são
adaptados a toda a humanidade, e foram dados para a instrução e governo de
todos. Dez preceitos breves, compreensivos, e dotados de autoridade, abrangem
os deveres do homem para com Deus e seus semelhantes; e todos baseados no
grande princípio fundamental do amor. “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu
entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo”. Lucas 10:27; Deuteronômio 6:4,
5; Levítico 19:18. Nos Dez Mandamentos estes princípios são apresentados
pormenorizadamente, e aplicáveis às condições e circunstâncias do homem.
“Não terás outros deuses diante
de Mim” (Êxodo 20:3) — Jeová, o Ser eterno, existente por Si mesmo, incriado,
sendo o originador e mantenedor de todas as coisas, é o único que tem direito a
reverência e culto supremos. Proíbe-se ao homem conferir a qualquer outro
objeto o primeiro lugar nas suas afeições ou serviço. O que quer que
acariciemos que tenda a diminuir nosso amor para com Deus, ou se
incompatibilize com o culto a Ele devido, disso fazemos um deus.
“Não farás para ti imagem de
escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem embaixo na
Terra, nem nas águas debaixo da Terra. Não te encurvarás a elas nem as
servirás.” — O segundo mandamento proíbe o culto ao verdadeiro Deus por meio de
imagens ou semelhanças. Muitas nações gentílicas pretendiam que suas imagens
eram meras figuras ou símbolos pelos quais adoravam a Divindade; mas Deus
declarou que tal culto é pecado. A tentativa de representar o Eterno por meio
de objetos materiais, rebaixaria a concepção do homem acerca de Deus. A mente,
desviada da perfeição infinita de Jeová, seria atraída para a criatura em vez
de o ser para o Criador. E, rebaixando-se suas concepções acerca de Deus,
semelhantemente degradar-se-ia o homem.
“Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus
zeloso.” A íntima e sagrada relação de Deus para com Seu povo é representada
sob a figura do casamento. Sendo a idolatria o adultério espiritual, é o
desprazer de Deus contra a mesma apropriadamente chamado ciúme.
“Visito a maldade dos pais nos
filhos, até a terceira e a quarta geração daqueles que Me aborrecem.” É
inevitável que os filhos sofram as consequências das más ações dos pais, mas
não são castigados pela culpa deles, a não ser que participem de seus pecados.
Dá-se, entretanto, em geral o caso de os filhos andarem nas pegadas de seus
pais. Por herança e exemplo os filhos se tornam participantes do pecado do pai.
Más tendências, apetites pervertidos e moral vil, assim como enfermidades
físicas e degeneração, são transmitidos como um legado de pai a filho, até a
terceira e quarta geração. Esta terrível verdade deveria ter uma força solene
para restringir os homens de seguirem uma conduta de pecado.
“Faço misericórdia em milhares
aos que Me amam e guardam os Meus mandamentos.” Proibindo o culto aos falsos
deuses, o segundo mandamento envolve a ordem de adorar o verdadeiro Deus. E aos
que são fiéis em Seu serviço, promete-se a misericórdia, não meramente à
terceira e quarta geração, como é ameaçada a ira contra os que O aborrecem, mas
a milhares de gerações.
“Não tomarás o nome do Senhor teu
Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu nome em
vão” (Êxodo 20:7) — Este mandamento não somente proíbe os falsos juramentos e
juras comuns mas veda-nos o uso do nome de Deus de maneira leviana ou
descuidada, sem atentar para a sua terrível significação. Pela precipitada
menção de Deus na conversação comum, pelos apelos a Ele feitos em assuntos
triviais, e pela frequente e impensada repetição de Seu nome, nós O desonramos.
“Santo e tremendo é o Seu nome”. Salmos 111:9. Todos devem meditar em Sua
majestade, pureza e santidade, para que o coração possa impressionar-se com uma
intuição de Seu exaltado caráter; e Seu santo nome deve ser pronunciado com
reverência e solenidade.
“Lembra-te do dia do sábado, para
o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia
é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho,
nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu
estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor
os céus e a Terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou,
portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou” (Êxodo 20:8-11) — O
sábado não é apresentado como uma nova instituição, mas como havendo sido
estabelecido na criação. Deve ser lembrado e observado como a memória da obra
do Criador. Apontando para Deus como Aquele que fez os céus e a Terra,
distingue o verdadeiro Deus de todos os falsos deuses. Todos os que guardam o
sétimo dia, dão a entender por este ato que são adoradores de Jeová. Assim, é o
sábado o sinal de submissão a Deus por parte do homem, enquanto houver alguém
na Terra para O servir. O quarto mandamento é o único de todos os dez em que se
encontra tanto o nome como o título do Legislador. É o único que mostra pela
autoridade de quem é dada a lei. Assim contém o selo de Deus, afixado à Sua
lei, como prova da autenticidade e vigência da mesma.
Deus deu aos homens seis dias nos
quais trabalhar, e exige que seus trabalhos sejam feitos nos seis dias
destinados a isso. Atos necessários e misericordiosos são permitidos no sábado;
os doentes e sofredores em todo o tempo devem ser tratados; mas o trabalho
desnecessário deve ser estritamente evitado. “Se desviares o teu pé do sábado,
e de fazer a tua vontade no Meu santo dia, e se chamares ao sábado deleitoso, e
santo dia do Senhor, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus
caminhos, nem pretendendo fazer a tua própria vontade...” Isaías 58:13. Tampouco
fica nisto a proibição. “Nem falar as tuas próprias palavras”, diz o profeta.
Aqueles que no sábado discutem assuntos de negócios ou fazem planos, são
considerados por Deus como se estivessem empenhados na própria transação de
negócio. Para santificar o sábado não devemos mesmo permitir que nosso espírito
se ocupe com coisas de caráter mundano. E o mandamento inclui todos dentro de
nossas portas. Os que convivem na casa devem durante as horas sagradas pôr de
parte suas ocupações mundanas. Todos devem unir-se a honrar a Deus por meio de
um culto voluntário em Seu santo dia.
“Honra a teu pai e a tua mãe,
para que se prolonguem os teus dias na Terra que o Senhor teu Deus te dá”
(Êxodo 20:12) — Os pais têm direito ao amor e respeito em certo grau que a
nenhuma outra pessoa é devido. O próprio Deus, que pôs sobre eles a
responsabilidade pelas almas confiadas aos seus cuidados, ordenou que durante
os primeiros anos da vida estejam os pais em lugar de Deus em relação aos seus
filhos. E aquele que rejeita a lícita autoridade de seus pais, rejeita a
autoridade de Deus. O quinto mandamento exige que os filhos não somente
tributem respeito, submissão e obediência a seus pais, mas também lhes
proporcionem amor e ternura, aliviem os seus cuidados, zelem de seu nome, e os
socorram e consolem na velhice. Ordena também o respeito aos ministros e
governantes, e a todos os outros a quem Deus delegou autoridade.
Este, diz o apóstolo, “é o
primeiro mandamento com promessa”. Efésios 6:2. Para Israel, esperando em breve
entrar em Canaã, era um penhor, ao obediente, de uma vida longa naquela boa
terra; mas tem ele uma significação mais ampla, incluindo todo o Israel de Deus
e prometendo vida eterna sobre a Terra, quando esta estiver livre da maldição
do pecado.
“Não matarás” (Êxodo 20:13) —
Todos os atos de injustiça que tendem a abreviar a vida; o espírito de ódio e
vingança, ou a condescendência de qualquer paixão que leve a atos ofensivos a
outrem, ou nos faça mesmo desejar-lhe mal (pois “qualquer que aborrece seu
irmão é homicida”); uma negligência egoísta de cuidar dos necessitados e
sofredores; toda a condescendência própria ou desnecessária privação, ou
trabalho excessivo com a tendência de prejudicar a saúde — todas estas coisas
são, em maior ou menor grau, violação do sexto mandamento.
“Não adulterarás” (Êxodo 20:14) —
Este mandamento proíbe não somente atos de impureza, mas pensamentos e desejos
sensuais, ou qualquer prática com a tendência de os excitar. A pureza é exigida
não somente na vida exterior, mas nos intuitos e emoções secretos do coração.
Cristo, que ensinou os deveres impostos pela lei de Deus, em seu grande
alcance, declarou ser o mau pensamento ou olhar tão verdadeiramente pecado como
o é o ato ilícito.
“Não furtarás” (Êxodo 20:15) —
Tanto pecados públicos como particulares são incluídos nesta proibição. O
oitavo mandamento condena o furto de homens e tráfico de escravos, e proíbe a
guerra de conquista. Condena o furto e o roubo. Exige estrita integridade nos
mínimos detalhes dos negócios da vida. Veda o engano no comércio, e requer o
pagamento de débitos e salários justos. Declara que toda a tentativa de
obter-se vantagem pela ignorância, fraqueza ou infelicidade de outrem, é
registrada como fraude nos livros do Céu.
“Não dirás falso testemunho
contra o teu próximo” (Êxodo 20:16) — Aqui se inclui todo falar que seja falso
a respeito de qualquer assunto, toda tentativa ou intuito de enganar nosso
próximo. A intenção de enganar é o que constitui a falsidade. Por um relance de
olhos, por um movimento da mão, uma expressão do rosto, pode-se dizer falsidade
tão eficazmente como por palavras. Todo exagero intencional, toda sugestão ou
insinuação calculada a transmitir uma impressão errônea ou desproporcionada,
mesmo a declaração de fatos feita de tal maneira que iluda, é falsidade. Este
preceito proíbe todo esforço no sentido de prejudicar a reputação de nosso
próximo, pela difamação ou suspeitas ruins, pela calúnia ou intrigas. Mesmo a
supressão intencional da verdade, pela qual pode resultar o agravo a outrem, é
uma violação do nono mandamento.
“Não cobiçarás a casa do teu
próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua
serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo”
(Êxodo 20:17) — O décimo mandamento fere a própria raiz de todos os pecados,
proibindo o desejo egoísta, do qual nasce o ato pecaminoso. Aquele que em
obediência à lei de Deus se abstém de condescender mesmo com um desejo
pecaminoso daquilo que pertence a outrem, não será culpado de um ato mau para
com seus semelhantes.
Tais foram os sagrados preceitos
do Decálogo, proferidos entre trovões e chamas, e com maravilhosa manifestação
de poder e majestade do grande Legislador. Deus acompanhou a proclamação de Sua
lei com mostras de Seu poder e glória, para que Seu povo nunca se esquecesse
daquela cena, e tivesse a impressão de uma profunda veneração pelo Autor da
lei, o Criador do Céu e da Terra. Desejava mostrar também a todos os homens a
santidade, a importância e a permanência de Sua lei.
O povo de Israel estava dominado
pelo pavor. O terrível poder da fala de Deus parecia tal que o não poderiam
suportar seus trêmulos corações. Pois, ao ser apresentada diante deles a grande
regra de justiça de Deus, compenetraram-se, como nunca antes, do caráter
ofensivo do pecado, e de sua própria culpabilidade à vista de um Deus santo.
Recuaram da montanha com medo e espanto. A multidão clamou a Moisés: “Fala tu
conosco, e ouviremos; e não fale Deus conosco, para que não morramos”. Êxodo
20:19-21. O líder respondeu: “Não temais, que Deus veio para provar-vos, e para
que o Seu temor esteja diante de vós, para que não pequeis.” O povo,
entretanto, permaneceu à distância, olhando com terror a cena, enquanto Moisés
“se chegou à escuridade onde Deus estava”.
A mente do povo, cega e aviltada
pela escravidão ao paganismo, não estava preparada para apreciar completamente
os princípios de grande alcance dos dez preceitos de Deus. Para que pudessem os
deveres expressos no Decálogo ser entendidos e impostos mais plenamente,
deram-se preceitos adicionais, ilustrando os princípios dos Dez Mandamentos e
dando-lhes aplicação. Estas leis foram chamadas juízos, tanto porque eram
organizadas com sabedoria e equidade infinitas, como porque deveriam os
magistrados julgar de acordo com elas. Diferente dos Dez Mandamentos, foram
transmitidas particularmente a Moisés, que as deveria comunicar ao povo.
A primeira destas leis referia-se
aos servos. Nos tempos antigos, os criminosos eram algumas vezes vendidos como
escravos pelos juízes; nalguns casos os devedores eram vendidos pelos seus
credores; e a pobreza levava mesmo pessoas a vender a si ou a seus filhos. Um
hebreu, porém, não podia ser vendido como escravo para toda a vida. Seu prazo
de serviço limitava-se a seis anos; no sétimo deveria ser posto em liberdade. O
furto de homens, o assassínio premeditado, e a rebelião contra a autoridade
paterna, eram punidos com a morte. Era permitida a manutenção de escravos que
não fossem israelitas de nascimento, mas sua vida e pessoa eram estritamente
guardadas. O assassino de um escravo devia ser castigado; um agravo infligido a
um deles pelo seu senhor, ainda que fosse a perda de um dente, dava o direito à
liberdade.
Os próprios israelitas tinham
sido recentemente escravos, e agora que iam ter servos sob suas ordens, deviam
guardar-se de alimentar um espírito de crueldade e extorsão, de que haviam
sofrido sob os maiorais de tarefas no Egito. A lembrança de sua amarga servidão
devia habilitá-los a colocar-se no lugar do servo, levando-os a ser benévolos e
compassivos, a tratar os outros como desejariam fossem eles mesmos tratados.
Os direitos das viúvas e órfãos
eram especialmente resguardados, e ordenava-se uma escrupulosa atenção à sua
desajudada condição. “Se de alguma maneira os afligirdes”, declarou o Senhor,
“e eles clamarem a Mim, Eu certamente ouvirei o seu clamor. E a Minha ira se
acenderá, e vos matará à espada; e vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos
filhos órfãos”. Êxodo 22:23, 24. Os estrangeiros que se uniam a Israel deviam
ser protegidos de mal ou opressão. “Não oprimirás o estrangeiro; pois vós
conheceis o coração do estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do
Egito”. Êxodo 23:9.
Era proibido tomar usura do
pobre. As vestes ou o cobertor de um homem pobre tomados em penhor, deviam
ser-lhes restituídos à tarde. Exigia-se daquele que era culpado de furto
restituir o dobro. Ordenava-se o respeito aos magistrados e príncipes, e
advertia-se aos juízes contra o perverter o juízo, auxiliando uma causa falsa,
ou recebendo suborno. A mentira e a calúnia eram proibidas, e ordenados atos de
bondade, mesmo para com inimigos pessoais.
De novo lembrou-se ao povo a
sagrada obrigação do sábado. Designaram-se festas anuais, nas quais todos os
homens da nação deviam congregar-se perante o Senhor, trazendo-Lhe suas ofertas
de gratidão, e as primícias de Sua generosidade. O objetivo de todo este
regulamento foi declarado: não procediam esses preceitos do exercício de mera
soberania arbitrária; foram todos dados para o bem de Israel. O Senhor disse:
“Ser-Me-eis homens santos” (Êxodo 22:31) — dignos de ser reconhecidos por um
Deus santo.
Estas leis deviam ser registradas
por Moisés, e qual tesouro cuidadosamente guardadas como fundamento da lei
nacional; e, juntamente com os dez preceitos para ilustração dos quais foram
dadas, deviam ser a condição para o cumprimento das promessas de Deus a Israel.
Foi-lhes então dada esta mensagem
da parte de Jeová: “Eis que Eu envio um Anjo diante de ti, para que te guarde
neste caminho, e te leve ao lugar que te tenho aparelhado. Guarda-te diante
dEle, e ouve a Sua voz, e não O provoques à ira, porque não perdoará a vossa
rebelião; porque o Meu nome está nEle. Mas, se diligentemente ouvires a Sua
voz, e fizeres tudo o que Eu disser, então serei inimigo dos teus inimigos, e
adversário dos teus adversários”. Êxodo 23:20-22. Durante todas as vagueações
de Israel, Cristo, na coluna de nuvem e fogo, foi o seu dirigente. Ao mesmo
tempo em que havia tipos que apontavam para um Salvador vindouro, havia também
um Salvador presente, que dava ordens a Moisés para o povo, e que diante deles
fora posto como o único conduto de bênção.
Ao descer do monte, Moisés veio e
contou ao povo todas as palavras e estatutos do Senhor; então o povo respondeu
a uma voz, e disse: “Todas as palavras que o Senhor tem falado, faremos”. Êxodo
24. Este compromisso, juntamente com as palavras do Senhor a que o mesmo os
obrigava a obedecer, foi escrito por Moisés em um livro.
Seguiu-se então a ratificação do
concerto. Foi construído um altar ao pé da montanha, e ao lado dele ergueram-se
doze colunas, “segundo as doze tribos de Israel”, em testemunho de sua
aceitação do concerto. Foram então apresentados sacrifícios pelos moços
escolhidos para tal ato.
Havendo aspergido o altar com o
sangue das ofertas, Moisés “tomou o livro do concerto, e o leu aos ouvidos do
povo”. Assim foram solenemente proferidas as condições do concerto, e todos
ficaram na liberdade de escolherem conformar-se com as mesmas ou não. Tinham a
princípio prometido obedecer à voz de Deus; mas haviam depois disto ouvido
proclamar a Sua lei; e seus princípios tinham sido particularizados, para que
pudessem saber o quanto este concerto abrangia. Outra vez o povo respondeu
unanimemente: “Tudo o que o Senhor tem falado faremos, e obedeceremos.”
“Havendo Moisés anunciado a todo o povo todos os mandamentos segundo a lei,
tomou o sangue [...] e aspergiu não só o próprio livro como também todo o povo,
dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus vos tem mandado”. Hebreus 9:19,
20.
Deviam agora tomar-se disposições
para o amplo estabelecimento da nação escolhida, sob a direção de Jeová como
seu Rei. Moisés havia recebido a ordem: “Sobe ao Senhor, tu e Arão, Nadabe e
Abiú, e setenta dos anciãos de Israel; e inclinai-vos de longe. E só Moisés se chegará
ao Senhor.” Esses homens escolhidos foram chamados ao monte, enquanto o povo
adorava junto ao mesmo. Os setenta anciãos deviam ajudar a Moisés no governo de
Israel, e Deus pôs sobre eles Seu Espírito, e honrou-os dando-lhes uma visão de
Seu poder e grandeza. “E viram o Deus de Israel, e debaixo de Seus pés havia
como uma obra de pedra de safira, e como o parecer do céu na sua claridade.”
Não viram a Divindade, mas viram a glória de Sua presença. Antes disso não
poderiam ter suportado tal cena; mas a exibição do poder de Deus,
infundindo-lhes temor, levou-os ao arrependimento; estiveram a contemplar Sua
glória, pureza e misericórdia, até que puderam aproximar-se mais dAquele que
era o objeto de suas meditações.
Moisés e “Josué seu servidor”
foram agora chamados a encontrar-se com Deus. E, como devessem ficar algum
tempo ausentes, o chefe designou Arão e Hur, auxiliados pelos anciãos, para
agirem em seu lugar. “E, subindo Moisés ao monte, a nuvem cobriu o monte. E
habitava a glória do Senhor sobre o monte de Sinai.” Durante seis dias a nuvem
cobriu o monte, como sinal da presença especial de Deus; contudo, não fez
revelação alguma de Si, nem comunicação de Sua vontade. Durante este tempo
Moisés permaneceu à espera de um chamado à audiência com o Altíssimo. Havia-lhe
sido determinado: “Sobe a Mim ao monte, e fica lá”; e, se bem que sua paciência
e obediência fossem provadas, não se tornou cansado de esperar nem abandonou o
posto. Este período de espera foi-lhe um tempo de preparo, de íntimo exame
próprio. Mesmo este servo favorecido de Deus não poderia de pronto aproximar-se
de Sua presença, e resistir às manifestações de Sua glória. Seis dias deviam
ser empregados em dedicar-se a Deus, mediante o exame próprio, meditação e
oração, antes de poder estar preparado para comungar diretamente com seu
Criador.
No sétimo dia, que era o sábado,
Moisés foi chamado para dentro da nuvem. A espessa nuvem abriu-se à vista de
todo o Israel, e a glória do Senhor irrompeu semelhante a um fogo devorador.
“Moisés entrou no meio da nuvem, depois que subiu ao monte; e Moisés esteve no
monte quarenta dias e quarenta noites.” Os quarenta dias de permanência no
monte não incluíam os seis dias de preparo. Durante os seis dias Josué esteve
com Moisés, e juntos comiam do maná e bebiam do ribeiro que descia do monte.
Mas Josué não entrou com Moisés na nuvem. Ficou fora e continuou a comer e a
beber diariamente enquanto esperava a volta de Moisés; Moisés, porém, jejuou
durante todos os quarenta dias.
Durante sua permanência no monte,
Moisés recebeu instruções para a construção de um santuário, no qual a presença
divina se manifestaria de modo especial. “E Me farão um santuário, e habitarei
no meio deles”, foi a ordem de Deus. Êxodo 25:8. Pela terceira vez foi ordenada
a observância do sábado. “Entre Mim e os filhos de Israel será um sinal para
sempre”, declarou o Senhor, “para que saibais que Eu sou o Senhor que vos
santifica. Portanto guardareis o sábado, porque santo é para vós: [...]
qualquer que nele fizer alguma obra, aquela alma será extirpada do meio de seu
povo”. Êxodo 31:17, 13, 14. Acabavam de ser dadas instruções para o
levantamento imediato do tabernáculo para o serviço de Deus; e agora, sendo que
o objeto em vista era a glória de Deus, e também porque tinham grande
necessidade de um lugar de culto, poderia o povo concluir que estariam
justificados trabalhando naquela construção ao sábado. Para os guardar de tal
erro, foi feita uma advertência. Mesmo a santidade e urgência daquela obra
especial para Deus não os deviam levar a infringir o Seu santo dia de repouso.
Dali em diante o povo seria
honrado com a presença permanente de seu Rei. “Habitarei no meio dos filhos de
Israel, e lhes serei por Deus”,“para que por Minha glória sejam santificados”
(Êxodo 29:45, 43), foi a segurança dada a Moisés. Como símbolo da autoridade de
Deus, e incorporação de Sua vontade, foi entregue a Moisés uma cópia do
Decálogo gravada pelo dedo do próprio Deus em duas tábuas de pedra
(Deuteronômio 9:10; Êxodo 32:15, 16), para que, de maneira sagrada, fosse encerrada
no santuário, o qual, depois de feito, deveria ser o centro visível do culto da
nação.
De uma raça de escravos os
israelitas haviam sido exaltados acima de todos os povos, para serem o tesouro
peculiar do Rei dos reis. Deus os separara do mundo a fim de que lhes pudesse
confiar um sagrado depósito. Deles fizera os guardas de Sua lei, e propunha-Se,
por meio deles, conservar entre os homens o Seu conhecimento. Assim a luz do
Céu resplandeceria a um mundo rodeado de trevas, e ouvir-se-ia uma voz apelando
para todos os povos para voltarem de sua idolatria a fim de servirem ao Deus
vivo. Se os israelitas fossem fiéis ao seu encargo, tornar-se-iam um poder no
mundo. Deus seria a sua defesa, e Ele os elevaria acima de todas as outras
nações. Sua luz e verdade seriam reveladas por meio deles, e achar-se-iam sob o
Seu governo sábio e santo, como um exemplo da superioridade de Seu culto sobre
toda a forma de idolatria.
Comentários
Postar um comentário