Patriarcas e Profetas
Ellen G. White
Capítulo 39
— A conquista de Basã
Este
capítulo é baseado em Deuteronômio 2; 3:1-11.
Depois de
passarem para o sul de Edom, os israelitas voltaram-se para o norte, e
novamente volveram o rosto em direção à Terra Prometida. Seu caminho agora se
estendia por uma planície vasta, elevada, batida pelas aragens frescas e
agradáveis das colinas. Foi isto uma mudança oportuna do vale ressequido
através do qual tinham estado a viajar; e avançaram eufóricos e esperançosos.
Tendo atravessado o ribeiro Zerede, passaram para o oriente da terra de Moabe;
pois tinha sido dada esta ordem: “Não molestes a Moabe, e não contendas com
eles em peleja, porque te não darei herança da sua terra; porquanto tenho dado
Ar aos filhos de Ló”. Deuteronômio 2:9. E a mesma determinação foi repetida com
relação aos amonitas, que também eram descendentes de Ló.
Ainda
avançando para o norte, as hostes de Israel logo chegaram ao país dos amorreus.
Este povo forte e belicoso ocupava originariamente a parte sul da terra de
Canaã; mas, aumentando em número, atravessaram o Jordão, fizeram guerra aos
moabitas, e obtiveram posse de parte de seu território. Ali se fixaram,
mantendo domínio indiscutível por toda a terra, desde o Arnom para o norte até
o Jaboque. O caminho para o Jordão, pelo qual os israelitas desejavam
prosseguir, estendia-se diretamente através deste território, e Moisés enviou
uma mensagem amigável a Seom, o rei amorreu, em sua capital: “Deixa-me passar
pela tua terra; somente pela estrada irei; não me desviarei para a direita nem
para a esquerda. A comida que eu coma, vender-ma-ás por dinheiro, e dar-me-ás
por dinheiro a água que beba; tão-somente deixa-me passar a pé”. Deuteronômio
2:27, 28. A resposta foi uma decidida recusa; e todos os exércitos dos amorreus
foram convocados para se oporem à marcha dos invasores. Esse formidável
exército aterrorizou os israelitas, que estavam mal preparados para um encontro
com forças bem armadas e disciplinadas. Tanto quanto dizia respeito à arte da
guerra, os seus inimigos tinham a vantagem. Segundo toda a aparência humana,
Israel teria um fim imediato.
Mas Moisés
conservava seu olhar fixo na coluna de nuvem, e incentivava o povo com o
pensamento de que o sinal da presença de Deus ainda estava com eles. Ao mesmo
tempo determinou-lhes fazerem tudo que a força humana podia fazer no preparo
para a guerra. Seus inimigos estavam ávidos de batalhar, e confiantes em que exterminariam
da terra os israelitas, que não estavam preparados. Mas, do Possuidor de toda a
Terra, havia saído a ordem para o líder de Israel: “Levantai-vos, parti e
passai o ribeiro de Arnom; eis aqui na tua mão tenho dado Seom, amorreu, rei de
Hesbom, e a sua terra; começa a possuí-la, e contende com eles em peleja. Este
dia começarei a pôr um terror e um temor de ti diante dos povos que estão
debaixo de todo o céu; os que ouvirem a tua fama tremerão diante de ti e se
angustiarão”. Deuteronômio 2:24, 25.
Essas nações
nas fronteiras de Canaã teriam sido poupadas, caso não se houvessem levantado
em desafio à palavra de Deus para se oporem à marcha de Israel. O Senhor Se
mostrara longânimo, de grande bondade e terna piedade, mesmo para com esses
povos gentílicos. Quando a Abraão foi mostrado em visão que sua semente, os
filhos de Israel, seriam estrangeiros em terra estranha, durante quatrocentos
anos, o Senhor lhe fez uma promessa: “A quarta geração tornará para cá; porque
a medida da injustiça dos amorreus não está ainda cheia”. Gênesis 15:16. Embora
os amorreus fossem idólatras e houvessem com justiça perdido o direito à vida
por causa de sua grande impiedade, Deus os poupou durante quatrocentos anos
para dar-lhes prova inequívoca de que Ele era o único verdadeiro Deus, o
Criador do céu e da Terra. Todos os Seus prodígios ao tirar Israel do Egito
eram deles conhecidos. Prova suficiente fora dada; eles poderiam ter conhecido
a verdade, caso tivessem estado dispostos a volver de sua idolatria e
licenciosidade. Mas rejeitaram a luz e apegaram-se a seus ídolos.
Quando o
Senhor pela segunda vez trouxe o Seu povo às fronteiras de Canaã, outra prova
de Seu poder foi concedida àquelas nações gentílicas. Viram que Deus estava com
Israel na vitória ganha sobre o rei Harade e os cananeus, e no milagre operado
para salvar os que estavam a perecer da picada das serpentes. Posto que aos
israelitas houvesse sido recusada passagem pela terra de Edom, sendo obrigados
a fazer assim longo e difícil itinerário ao lado do Mar Vermelho, não haviam
eles, contudo, em todas as suas jornadas e acampamentos junto a terra de Edom,
Moabe e Amom, mostrado hostilidade, e nenhum mal fizeram ao povo ou às suas
posses. Atingindo as fronteiras dos amorreus, Israel pedira permissão apenas
para passar diretamente pelo país, prometendo observar as mesmas regras que
tinham presidido a suas relações com outras nações. Quando o rei amorreu
recusou satisfazer este atencioso pedido, e arrogantemente reuniu seus
exércitos para a batalha, sua taça de iniquidade estava cheia, e Deus agora
exerceria Seu poder para os subverter. Os israelitas atravessaram o rio Arnom e
avançaram contra o adversário. Travou-se um combate, no qual os exércitos de
Israel foram vitoriosos; e prosseguindo com a vantagem adquirida, logo ficaram
de posse do país dos amorreus. Foi o Capitão do exército do Senhor que venceu
os inimigos de Seu povo; e teria feito o mesmo trinta e oito anos antes, se
Israel houvesse nEle confiado.
Cheio de
esperança e ânimo, o exército de Israel avançava ardorosamente e, jornadeando
ainda em direção ao norte, chegaram logo a um país que bem poderia pôr à prova
seu ânimo e fé em Deus. Diante deles se achava o poderoso e populoso reino de
Basã, cheio de grandes cidades de pedra que até hoje provocam a admiração do
mundo: “sessenta cidades, [...] com altos muros, portas e ferrolhos; além de
outras muitas cidades sem muros”. Deuteronômio 3:1-11. As casas eram
construídas de enormes pedras negras, de tamanho tão formidável que tornava os
edifícios absolutamente inexpugnáveis a qualquer força que naqueles tempos
pudesse ser levada contra eles. Era um território repleto de cavernas desertas,
fundos precipícios, abismos hiantes e fortalezas rochosas. Os habitantes desta
terra, descendentes de uma raça de gigantes, eram de estatura e força
maravilhosas, e tão notados pela violência e crueldade que eram o terror de
todas as nações circunvizinhas; e isto ao mesmo tempo em que Ogue, rei do país,
era notável pela estatura e proezas, mesmo em uma nação de gigantes.
Mas a coluna
de nuvem moveu-se para a frente, e guiando-se por elas as hostes hebreias
avançavam para Edrei, onde o rei gigante, com suas forças, esperava a sua
aproximação. Ogue havia habilmente escolhido o local para a batalha. A cidade
de Edrei estava situada à margem de um tabuleiro que se erguia abruptamente da
planície, e coberto de rochas vulcânicas pontiagudas. A ela só se podia chegar
por veredas estreitas, íngremes e difíceis de subir. Em caso de derrota, suas
forças poderiam encontrar refúgio naquele deserto de rochas, onde seria
impossível aos estrangeiros seguirem-nas.
Confiante no
êxito, o rei saiu com um imenso exército para a planície aberta; ao mesmo tempo
aclamações de desafio eram ouvidas do tabuleiro acima, onde se podiam ver as
lanças de milhares ávidos pela batalha. Quando os hebreus olharam para a figura
excelsa daquele gigante de gigantes, sobressaindo por sobre os soldados de seu
exército; ao verem as hostes que o rodeavam, e a fortaleza aparentemente
inexpugnável, atrás da qual milhares invisíveis estavam entrincheirados, o
coração de muitos em Israel estremeceu de temor. Moisés, porém, estava calmo e
firme; o Senhor dissera com relação ao rei de Basã: “Não o temas, porque a ele
e a todo o seu povo, e a sua terra, tenho dado na tua mão; e far-lhe-ás como
fizeste a Seom, rei dos amorreus, que habitava em Hesbom”. Deuteronômio 3:2.
A fé calma
de seu líder inspirava ao povo confiança em Deus. Em tudo contavam com Seu
onipotente braço, e Ele os não desamparou. Nem poderosos gigantes, nem cidades
muradas, exércitos armados, nem pétreas fortalezas, poderiam subsistir perante
o Capitão das hostes do Senhor. O Senhor guiou o exército; o Senhor desbaratou
o inimigo; o Senhor venceu em prol de Israel. O rei gigante e seu exército
foram destruídos; e os israelitas logo tomaram posse de todo o país. Assim foi
tirado da terra aquele povo estranho, que se dera à iniquidade e à idolatria
abominável.
Na conquista
de Gileade e Basã havia muitos que se recordavam dos acontecimentos que, quase
quarenta anos antes, haviam em Cades condenado Israel à longa peregrinação no
deserto. Viam que o relato dos espias a respeito da Terra Prometida era correto
em muitos aspectos. As cidades eram muradas e muito grandes, e eram habitadas
por gigantes, em comparação com estes os hebreus eram simples pigmeus. Mas
podiam agora ver que o erro fatal de seus pais fora não confiar no poder de
Deus. Isso, apenas, os impedira de entrar logo na boa terra.
Quando a
princípio se estiveram preparando para entrar em Canaã, este empreendimento era
acompanhado de muito menos dificuldade do que agora. Deus prometera a Seu povo
que, se obedecessem à Sua voz, Ele iria adiante deles e por eles combateria; e
enviaria também vespões para expelir os habitantes da terra. O temor das nações
não tinha sido geralmente suscitado, e pouco preparo fora feito para resistir à
sua marcha. Mas, mandando o Senhor agora Israel ir avante, deviam avançar
contra adversários vigilantes e poderosos, e contender com exércitos grandes e
bem treinados, que tinham estado a preparar-se para resistir a sua aproximação.
Em suas
competições com Ogue e Seom, o povo fora trazido sob a mesma prova debaixo da
qual seus pais fracassaram tão assinaladamente. Entretanto, a prova era agora
muito mais severa do que quando Deus ordenara a Israel que avançasse. As
dificuldades em seu caminho tinham aumentado grandemente desde que se recusaram
a avançar, ao ser-lhes mandado assim fazer em nome do Senhor. É assim que Deus
ainda prova Seu povo. E, se deixam de resistir à prova, Ele os traz de novo ao
mesmo ponto; e a segunda vez a prova será mais rigorosa, e mais severa do que a
precedente. Isto continua até que resistam à prova; ou, se ainda são rebeldes,
Deus retira deles Sua luz, e os deixa em trevas.
Os hebreus
lembraram-se agora de como uma vez, anteriormente, ao saírem suas forças para a
batalha, foram derrotados, e milhares morreram. Mas tinham ido, então, em
oposição direta à ordem de Deus. Haviam saído sem Moisés, o líder designado por
Deus, sem a coluna de nuvem, símbolo da presença divina, e sem a arca. Agora,
porém, Moisés estava com eles, fortalecendo-lhes o coração com palavras de
esperança e fé; o Filho de Deus, encerrado na coluna de nuvem, abria o caminho;
e a arca sagrada acompanhava o exército. Esta experiência tem uma lição para nós.
O poderoso Deus de Israel é o nosso Deus. NEle podemos confiar; e se Lhe
obedecermos as ordens Ele operará em nosso favor de maneira tão assinalada como
fez para com Seu antigo povo. Todo aquele que procura seguir o caminho do
dever, será às vezes assaltado por dúvidas e incredulidade. O caminho algumas
vezes estará tão cheio de obstáculos, aparentemente insuperáveis, que abaterão
os que cedem ao desânimo; mas Deus está a dizer a tais: Ide avante! Cumpri
vosso dever custe o que custar. As dificuldades que parecem tão enormes, que
vos enchem de terror a alma, se desvanecerão ao avançardes no caminho da
obediência, confiando humildemente em Deus.
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