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Capítulo 19 — Junto
ao poço de Jacó
Este capítulo é
baseado em João 4:1-42.
De caminho para a Galileia,
passou Jesus por Samaria. Era meio dia quando chegou ao belo vale de Siquém. À
entrada desse vale, achava-se o poço de Jacó. Fatigado da jornada, sentou-Se
ali para descansar enquanto os discípulos iam à cidade comprar alimento.
Judeus e samaritanos
eram obstinados inimigos, evitando tanto quanto possível todo trato uns com os
outros. Negociar com os samaritanos, em caso de necessidade, era na verdade
reputado lícito pelos rabis; qualquer contato social com eles, porém, era
condenado. Um judeu não tomava emprestado nem recebia obséquios de um
samaritano, nem mesmo um pedaço de pão ou um copo de água. Comprando comida, os
discípulos estavam agindo em harmonia com o costume da nação. Além disso não
iam, entretanto. Pedir um favor de um samaritano, ou buscar por qualquer
maneira beneficiá-lo, não entrava nas cogitações nem mesmo dos discípulos de
Cristo.
Ao sentar-Se à beira
do poço, Jesus desfalecia de fome e de sede. Longa fora a jornada desde a
manhã, e agora dardejavam sobre Ele os raios do Sol de meio-dia. A sede era-Lhe
acrescida ao pensamento da fresca e refrigerante água ali tão perto, e todavia
inacessível, para Ele; pois não tinha corda nem cântaro, e fundo era o poço.
Cabia-Lhe a sorte da humanidade, e esperou que viesse alguém para tirá-la.
Aproximou-se uma
mulher de Samaria e, como inconsciente da presença dEle, encheu de água o
cântaro. Ao voltar-se para ir embora, Jesus lhe pediu de beber. Um favor como
esse nenhum oriental recusaria. No Oriente, a água era chamada “o dom de Deus”.
Dar de beber a um sedento viajante era considerado tão sagrado dever, que os
árabes do deserto se desviariam do caminho a fim de o cumprir. O ódio existente
entre judeus e samaritanos impedia a mulher de oferecer um obséquio a Jesus; o
Salvador, porém, buscava a chave para esse coração, e com o tato nascido do
divino amor, pediu, não ofereceu um favor. O oferecimento de uma gentileza
poderia haver sido rejeitado; a confiança, no entanto, desperta confiança. O
Rei do Céu chegou a essa desprezada pessoa, pedindo um serviço de suas mãos.
Aquele que fizera o oceano, que rege as águas do grande abismo, e abre as
fontes e rios da terra, repousou de Sua fadiga junto ao poço de Jacó, e esteve
na dependência da bondade de uma estranha até quanto à dádiva de um pouco de
água.
A mulher viu que
Jesus era judeu. Em sua surpresa, esqueceu-se de satisfazer-Lhe o pedido, mas
procurou indagar a razão do mesmo. “Como é”, disse ela, “que sendo Tu judeu, me
pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?”
Jesus respondeu: “Se
tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz — Dá-Me de beber, tu Lhe
pedirias, e Ele te daria água viva”. João 4:9, 10. Tu te admiras de que te
pedisse mesmo um tão pequenino favor, como um pouco de água do poço aos nossos
pés. Houvesse tu Me pedido a Mim, e Eu te haveria dado de beber da água da vida
eterna.
A mulher não
compreendera as palavras de Cristo, mas sentiu-lhes a solene importância. Sua
atitude leve, gracejadora, começou a mudar. Supondo que Jesus falasse do poço
que lhes estava em frente, disse: “Senhor, Tu não tens com que a tirar, e o
poço é fundo; onde pois tens a água viva? És Tu maior que o nosso pai Jacó, que
nos deu o poço, bebendo ele próprio dele?” João 4:11, 12. Ela via diante de si
apenas um sedento viajante, exausto e poento. Comparou-O, em seu espírito, com
o honrado patriarca Jacó. Alimentava o sentimento, tão natural, de que nenhum
outro poço poderia ser igual àquele que fora legado pelos pais. Olhava atrás,
aos pais, e ao futuro, à vinda do Messias, ao passo que a Esperança desses
antepassados, o próprio Messias, estava ao seu lado, e ela O não conhecia.
Quantas pessoas sedentas se acham hoje junto à fonte viva, e olham todavia a
distância, em busca das fontes da vida! “Não digas em teu coração: Quem subirá
ao Céu? (isto é, a trazer do alto a Cristo). Ou: Quem descerá ao abismo? (isto
é, tornar a trazer dentre os mortos a Cristo). [...] A Palavra está junto de
ti, na tua boca e no teu coração. [...] Se com a tua boca confessares ao Senhor
Jesus, e em teu coração creres que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo”.
Romanos 10:6-9.
Jesus não respondeu
imediatamente à pergunta a Seu respeito, mas com solene seriedade disse:
“Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água
que Eu lhe der nunca terá sede, porque a água que Eu lhe der se fará nele uma
fonte de água que salte para a vida eterna”. João 4:13, 14.
Aquele que busca
matar a sede nas fontes deste mundo, beberá apenas para tornar a ter sede. Por
toda parte estão os homens descontentes. Anseiam qualquer coisa que lhes supra
a necessidade espiritual. Unicamente Um lhes pode satisfazer essa necessidade.
O que o mundo necessita é Cristo, “o Desejado de todas as nações”. A divina
graça que só Ele pode comunicar, é uma água viva, purificadora, refrigerante e
revigoradora.
Jesus não queria dar
a ideia de que um único gole da água da vida bastasse ao que a recebe. O que
experimenta o amor de Cristo, anelará continuamente mais; mas não busca nenhuma
outra coisa. As riquezas, honras e prazeres do mundo, não o atraem. O contínuo
grito de sua alma, é: “Mais de Ti”. E Aquele que revela à alma suas
necessidades, está à espera, para lhe saciar a fome e a sede. Falharão todo
recurso e dependência humanos. As cisternas esvaziar-se-ão, os poços se hão de
secar; nosso Redentor, porém, é uma fonte inesgotável. Podemos beber, e beber
mais, e sempre encontraremos novo abastecimento. Aquele em quem Cristo habita,
tem em si mesmo a fonte da bênção — “uma fonte de água que salte para a vida
eterna”. João 4:14. Dessa fonte poderá tirar forças e graça suficientes para
todas as suas necessidades.
Ao falar Jesus da
água viva, a mulher O olhou com atenta curiosidade. Ele lhe despertara o
interesse, e incitara o desejo de receber o dom de que falava. Percebia não ser
à água do poço de Jacó que Se referia; pois dessa usava ela continuamente,
bebendo, e tendo novamente sede. “Senhor”, disse ela, “dá-me dessa água, para
que não mais tenha sede, e não venha aqui tirá-la”. João 4:15.
Jesus mudou então
abruptamente a conversa. Antes que essa pessoa pudesse receber o dom que Ele
ansiava conceder-lhe, seria preciso que fosse levada a reconhecer seu pecado e
seu Salvador. Disse-lhe Ele: “Vai, chama o teu marido, e vem cá”. Ela
respondeu: “Não tenho marido”. Assim esperava evitar qualquer interrogação
nesse sentido. Mas o Salvador continuou: “Disseste bem: Não tenho marido;
porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido; isto
disseste com verdade”. João 4:16-18.
A ouvinte tremeu.
Misteriosa mão estava voltando as páginas de sua vida, apresentando aquilo que
esperava manter sempre oculto.
Quem era Esse que
podia ler-lhe os segredos da vida? Acudiram-lhe pensamentos da eternidade, do
juízo futuro, quando tudo que é agora oculto será revelado. A esse clarão,
despertou a consciência.
Não podia negar
nada; mas buscou escapar a qualquer menção de um assunto tão indesejado. Com
profunda reverência, disse: “Senhor, vejo que és profeta”. João 4:19. Então,
esperando abafar a convicção, voltou-se para pontos de controvérsia religiosa.
Se Este fosse profeta, certamente lhe poderia dar instruções a respeito desses
assuntos tão longamente discutidos.
Pacientemente Jesus
permitiu que ela dirigisse a conversa à sua vontade. Espreitava, entretanto, o
ensejo de fazer penetrar-lhe a verdade no coração. “Nossos pais adoraram neste
monte”, disse ela, “e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve
adorar”. João 4:20. Achava-se mesmo à vista o monte Gerizim. Seu templo estava
demolido, e só o altar restava. O lugar de culto havia sido motivo de
rivalidade entre judeus e samaritanos. Alguns dos ancestrais dos últimos
pertenceram outrora a Israel; devido a seus pecados, porém, o Senhor permitira
que fossem subjugados por uma nação idólatra. Durante muitas gerações haviam
estado misturados com adoradores de ídolos, cuja religião lhes contaminara
gradualmente a sua. Verdade é que afirmavam que seus ídolos se destinavam
apenas a lembrar-lhes o Deus vivo, o Soberano do Universo; não obstante, o povo
era levado a reverenciar as imagens de escultura.
Quando o templo de
Jerusalém fora reconstruído, nos dias de Esdras, os samaritanos desejaram
unir-se aos judeus nessa ereção. Este privilégio lhes foi negado, e amarga
animosidade suscitou-se entre os dois povos. Os samaritanos construíram um
templo rival no monte Gerizim. Ali adoravam segundo o ritual mosaico, conquanto
não renunciassem inteiramente à idolatria. Mas sobrevieram-lhes desastres, seu
templo foi destruído pelos inimigos, e pareciam achar-se sob maldição;
apegavam-se, todavia, a suas tradições e formas de culto. Não queriam
reconhecer o templo de Jerusalém como a casa de Deus, nem admitir que a
religião dos judeus era superior à sua.
Respondendo à
mulher, Jesus disse: “Crê-Me que a hora vem, em que nem neste monte nem em
Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que
sabemos, porque a salvação vem dos judeus”. João 4:21, 22. Jesus mostrara ser
isento do preconceito judaico contra os samaritanos. Agora procurava derribar o
mesmo preconceito da parte desta samaritana contra os judeus. Ao mesmo tempo
que aludia à corrupção da fé dos samaritanos pela idolatria, declarou que as
grandes verdades da redenção haviam sido confiadas aos judeus, e que dentre
eles devia aparecer o Messias. Nos Sagrados Escritos tinham clara apresentação
do caráter de Deus e dos princípios de Seu governo. Jesus Se colocou juntamente
com os judeus, como sendo aqueles a quem o Senhor outorgara conhecimento a Seu
respeito.
Era Seu desejo
erguer os pensamentos de Sua ouvinte acima de questões de formas, cerimônias e
controvérsias. “A hora vem”, disse, “e agora é em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim
O adorem. Deus é Espírito, e importa que os que O adoram O adorem em espírito e
em verdade”. João 4:23, 24.
Aí se declara a
mesma verdade que Jesus expusera a Nicodemos, quando disse: “Aquele que não
nascer de novo [de cima, diz outra versão], não pode ver o reino de Deus”. João
3:3. Não por procurar um monte santo ou um templo sagrado, são os homens postos
em comunhão com o Céu. Religião não é limitar-se a formas e cerimônias
exteriores. A religião que vem de Deus é a única que leva a Ele. Para O
servirmos devidamente, é necessário nascermos do divino Espírito. Isso
purificará o coração e renovará a mente, dando-nos nova capacidade para
conhecer e amar a Deus. Comunicar-nos-á voluntária obediência a todos os Seus
reclamos. Esse é o verdadeiro culto. É o fruto da operação do Espírito Santo. É
pelo Espírito que toda prece sincera é ditada, e tal prece é aceitável a Deus.
Onde quer que a alma se dilate em busca de Deus, aí é manifesta a obra do
Espírito, e Deus Se revelará a essa pessoa. A tais adoradores ele busca. Espera
recebê-los, e torná-los Seus filhos e filhas.
Enquanto a mulher
falava com Jesus, foi impressionada por Suas palavras. Nunca ouvira esses
sentimentos expressos por parte dos sacerdotes de seu povo ou dos judeus. Ao
ser-lhe exposta sua vida passada, tornara-se cônscia de sua grande necessidade.
Percebera a sede de sua alma que as águas do poço de Sicar jamais poderiam
saciar. Coisa alguma de tudo com que estivera em contato até então, a
despertara para mais elevada necessidade. Jesus a convencera de que lia os
segredos de sua vida; sentiu, entretanto, que Ele era seu amigo,
compadecendo-Se dela e amando-a. Se bem que a própria pureza que dEle emanava
lhe condenasse o pecado, não proferia palavra alguma de acusação, mas falara de
Sua graça, que lhe podia renovar a mente. Nela se começou a formar a convicção
acerca de Seu caráter. Surgiu-lhe no espírito a indagação: “Não poderia Este
ser o tão longamente esperado Messias?” Disse-Lhe: “Eu sei que o Messias (que
Se chama o Cristo) vem; quando Ele vier, nos anunciará tudo”. Jesus respondeu:
“Eu o sou, Eu que falo contigo”. João 4:25, 26.
Ao ouvir a mulher
estas palavras, a fé brotou-lhe no coração. Aceitou a maravilhosa comunicação
dos lábios do divino Mestre.
Essa mulher
encontrava-se em disposição de espírito capaz de apreciar. Estava pronta para
receber a mais excelente revelação, pois interessava-se nas Escrituras, e o
Espírito Santo lhe estivera preparando a mente para a recepção de maior luz.
Estudara a promessa do Antigo Testamento: “O Senhor teu Deus te despertará um
profeta do meio de ti, e de teus irmãos, como eu; a Ele ouvireis”. Deuteronômio
18:15. Anelava compreender esta profecia. A luz já lhe estava brilhando no
espírito. A água da vida, a vida espiritual que Cristo dá a toda alma sedenta,
começara a brotar-lhe no coração. O Espírito do Senhor trabalhava nela.
A positiva
declaração de Cristo a essa mulher, não podia ter sido feita aos fariseus,
cheios de justiça própria. Era muito mais reservado quando falava com eles.
Aquilo que fora retido aos judeus, e que os discípulos haviam recebido
recomendação de guardar em segredo, foi a ela revelado. Jesus viu que ela
empregaria seu conhecimento em levar outros a partilhar de Sua graça.
Ao voltarem os
discípulos de seu mandado, ficaram surpreendidos de encontrar o Mestre falando
com a mulher. Não tomara o refrigerante gole que desejara, nem Se deteve para
comer o alimento trazido pelos discípulos. Havendo-se retirado a mulher,
insistiram em que comesse. Viram-nO silencioso, absorto, como em meditação. O
semblante irradiava-Lhe, e temeram interromper Sua comunhão com o Céu. Sabiam,
no entanto, que estava desfalecido e fatigado, e julgaram seu dever lembrar-Lhe
Sua necessidade física. Jesus lhes reconheceu o amorável interesse, e disse:
“Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis”. João 4:32.
Os discípulos
cogitaram quem Lhe poderia ter trazido alimento; Ele porém, explicou: “A Minha
comida é fazer a vontade dAquele que Me enviou, e realizar a Sua obra”. João
4:34. Como Suas palavras à mulher lhe houvessem despertado a consciência, Jesus
regozijou-Se. Viu-a bebendo a água da vida, e Sua própria fome e sede foram
mitigadas. O cumprimento da missão para cujo desempenho deixara o Céu,
fortalecia o Salvador para Seus labores, sobrepondo-O às necessidades humanas.
Ministrar a uma alma faminta e sedenta da verdade era-Lhe mais grato que comer
ou beber. Constituía um conforto, um refrigério para Ele. A beneficência era a
vida de Sua alma.
Nosso Redentor tem
sede de reconhecimento. Tem fome da simpatia e do amor daqueles que comprou com
Seu próprio sangue. Anela com inexprimível desejo que venham a Ele e tenham
vida. Como a mãe espreita o sorriso de reconhecimento de seu filhinho, o qual
lhe revela o alvorecer da inteligência, assim está Cristo atento à expressão de
grato amor que revela haver começado a vida espiritual naquele ser.
A mulher enchera-se
de alegria ao escutar as palavras de Cristo.
A maravilhosa
revelação fora quase demasiado forte para ela. Deixando o cântaro, voltou à
cidade, para levar a outros a mensagem. Jesus sabia porque ela se fora. O cântaro
esquecido revelava eloquentemente o efeito de Suas palavras. O veemente desejo
de seu coração era obter a água da vida; e olvidou seu objetivo em ir ao poço,
esquecendo a sede do Salvador, que se propusera satisfazer. Coração
transbordante de alegria, apressou-se em ir comunicar a outros a preciosa luz
que recebera.
“Vinde e vede um
Homem que me disse tudo quanto tenho feito”, disse ela aos homens da cidade.
“Porventura, não é este o Cristo?” João 4:29. Suas palavras tocaram o coração
deles. Havia em sua fisionomia expressão nova, uma transformação em todo o seu
aspecto. Despertou-se-lhes o interesse em ver a Jesus. “Saíram pois da cidade,
e foram ter com Ele”. João 4:29, 30.
Jesus, ainda sentado
à borda do poço, pôs-Se a olhar para os campos de trigo que se estendiam diante
dEle, seu delicado verdor banhado pelos dourados raios do Sol. Chamando a
atenção dos discípulos para a cena, serviu-Se dela como de um símbolo: “Não
dizeis vós que ainda há quatro meses até que venha a ceifa? Eis que Eu vos
digo: Levantai os vossos olhos, e vede as terras, que já estão brancas para a
ceifa.” E olhava, enquanto assim dizia, aos grupos que se vinham dirigindo ao
poço. Faltavam quatro meses para a ceifa do cereal; havia, entretanto, uma
colheita pronta para o ceifeiro.
“O que ceifa”,
disse, “recebe galardão, e ajunta fruto para a vida eterna; para que, assim o
que semeia como o que ceifa, ambos se regozijem. Porque nisto é verdadeiro o
ditado, que um é o que semeia, e outro o que ceifa”. João 4:35-37. Aí indica
Jesus o sagrado serviço que devem a Deus os que recebem o evangelho.
Cumpre-lhes ser instrumentos vivos em Suas mãos. Ele lhes exige o serviço
individual. E quer semeemos ou ceifemos, trabalhamos para Deus. Um espalha a
semente; outro ajunta na ceifa; e tanto o semeador como o ceifeiro recebem
galardão. Regozijam-se ambos na recompensa do seu labor.
Jesus disse aos
discípulos: “Eu vos enviei a ceifar onde vós não trabalhastes; outros
trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho”. João 4:38. O Salvador antecipa
aqui a grande colheita do dia de Pentecostes. Os discípulos não deviam
considerá-la como resultado dos próprios esforços. Entravam no trabalho de
outros homens. Desde a queda de Adão, Cristo estivera sempre a confiar a
semente da Palavra a Seus escolhidos servos, para ser semeada nos corações
humanos. E uma invisível influência, sim, uma força onipotente, operava
silenciosa, mas eficazmente para produzir a colheita. O orvalho, a chuva e o
Sol da graça de Deus haviam sido dados para refrescar e nutrir a semente da
verdade. Cristo estava prestes a regar a semente com Seu próprio sangue. Seus
discípulos tinham o privilégio de ser coobreiros dEle e dos santos homens da
antiguidade. Pelo derramamento do Espírito Santo, no Pentecostes, milhares se
haviam de converter em um dia. Isso era o resultado da semente lançada por
Cristo, a colheita de Seu labor.
Nas palavras
dirigidas à mulher à borda do poço, fora lançada boa semente, e quão
rapidamente se obteve a colheita! Os samaritanos vieram a ouvir Jesus, e nEle
creram. Aglomerando-se ali em torno dEle, assediaram-nO com perguntas,
recebendo ansiosamente Suas explicações de muitas coisas que para eles haviam
sido obscuras. Escutando-O, suas perplexidades se começaram a desvanecer. Eram
como um povo em meio de grande treva, seguindo um súbito raio de luz, até
chegarem à claridade do dia. Mas não se satisfizeram com essa breve entrevista.
Ansiavam ouvir mais, e dar a seus amigos também oportunidade de ouvir esse
maravilhoso Mestre.
Convidaram-nO a ir a
sua cidade, pedindo-Lhe que ficasse com eles.
Durante dois dias
deteve-Se em Samaria, e muitos mais creram nEle.
Os fariseus
desprezavam a simplicidade de Jesus. Passavam-Lhe por alto os milagres, e
pediam-Lhe um sinal de que era o Filho de Deus. Os samaritanos, porém, não
pediram sinal, e Jesus não operou nenhum milagre entre eles, a não ser a
revelação dos segredos da vida da mulher, junto ao poço. Entretanto, muitos O
receberam. Em sua nova alegria, disseram à mulher: “Já não é pelo teu dito que
nós cremos, porque nós mesmos O temos ouvido, e sabemos que este é
verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo”. João 4:42.
Os samaritanos criam
que o Messias havia de vir como o Redentor não só dos judeus, mas do mundo. O
Espírito Santo dEle predissera, por meio de Moisés, como um profeta enviado por
Deus. Por intermédio de Jacó fora declarado que a Ele se congregariam os povos;
e de Abraão, que nEle seriam benditas todas as nações da Terra. Nessas
escrituras baseavam os samaritanos sua fé no Messias. O fato de haverem os
judeus interpretado mal os últimos profetas, atribuindo ao primeiro advento a
glória da segunda vinda de Cristo, levara os samaritanos a desprezar todos os
sagrados escritos, com exceção dos que foram dados por meio de Moisés. Ao
demolir, porém, o Salvador, essas falsas interpretações, muitos aceitaram as
últimas profecias e as palavras do próprio Cristo com relação ao reino de Deus.
Jesus começara a
derrubar a parede de separação entre os judeus e os gentios, e a pregar
salvação a todo o mundo. Conquanto judeu, misturava-Se sem restrições com os
samaritanos, anulando os costumes farisaicos de Sua nação. Apesar de seus
preconceitos, aceitou a hospitalidade desse povo desprezado. Dormiu sob seu
teto, comeu com eles à mesa — partilhando do alimento preparado e servido por
suas mãos — ensinou em suas ruas, e tratou-os com a máxima bondade e cortesia.
No templo de
Jerusalém havia apenas uma baixa parede divisória entre o pátio exterior e as
outras dependências do sagrado edifício. Viam-se nessa parede inscrições em
diferentes línguas, declarando que ninguém, a não ser os judeus, podia
ultrapassar esses limites. Houvesse um gentio ousado penetrar no interior,
teria profanado o templo, e o pagaria com a vida. Mas Jesus, o originador do
templo e de seu serviço, atraía a Si os gentios pelo laço da simpatia humana,
ao passo que Sua divina graça lhes trazia a salvação que os judeus rejeitavam.
A permanência de
Jesus em Samaria destinava-se a ser uma bênção para os discípulos, ainda sob a
influência do fanatismo judaico. Julgavam que, para serem leais a sua nação,
era preciso que nutrissem inimizade contra os samaritanos. Admiravam-se da
conduta de Jesus. Não se podiam recusar a seguir-Lhe o exemplo, e durante os
dois dias passados em Samaria, a fidelidade para com Ele lhes manteve em
sujeição os preconceitos; todavia, no coração, continuavam irreconciliados.
Foram tardios em aprender que seu desprezo e ódio devia dar lugar à piedade e à
simpatia. Após a ascensão do Senhor, porém, Suas lições foram recordadas por
eles, assumindo novo significado. Depois do derramamento do Espírito Santo,
relembraram o olhar do Salvador, Suas palavras, o respeito e a ternura de Seu
trato para com esses desprezados estrangeiros. Quando Pedro foi pregar em
Samaria, pôs em seu trabalho o mesmo espírito. Quando João foi chamado a Éfeso
e a Esmirna, lembrou-se do incidente de Siquém, e encheu-se de gratidão para
com o divino Mestre, que prevendo as dificuldades que haviam de enfrentar, lhes
proporcionara auxílio com Seu próprio exemplo.
O Salvador continua
ainda a fazer a mesma obra que realizou quando ofereceu água da vida à mulher
de Samaria. Os que se chamam Seus seguidores, podem desprezar e evitar os
excluídos da sociedade; circunstância alguma de nascimento ou nacionalidade, porém,
nenhuma condição de vida, pode desviar Seu amor dos filhos dos homens. A toda
pessoa, embora pecadora, Jesus diz: Se Me pedisses, Eu te daria água viva.
O convite evangélico
não deve ser amesquinhado, e apresentado apenas a uns poucos escolhidos, que,
supomos, nos farão honra caso o aceitem. A mensagem deve ser dada a todos. Onde
quer que haja corações abertos para receber a verdade, Cristo está pronto a
instruí-los. Revela-lhes o Pai, e o culto aceitável Àquele que lê os corações.
Para esses não emprega nenhuma parábola. Como à mulher junto ao poço, Ele lhe
diz: “Eu sou, Eu que falo contigo”. João 4:26.
Quando Jesus Se
sentou para descansar à beira do poço de Jacó, havia chegado da Judéia, onde
Seu ministério pouco fruto produzira. Fora rejeitado pelos sacerdotes e rabis, e
os próprios que professavam ser Seus discípulos, deixaram de perceber-Lhe o
divino caráter.
Achava-Se
desfalecido e fatigado; não negligenciou, no entanto, a oportunidade de falar a
uma única mulher, conquanto fosse uma estranha, inimiga de Israel, e vivendo
abertamente em pecado.
O Salvador não
esperava que se reunissem congregações. Começava muitas vezes Suas lições tendo
apenas poucas pessoas em volta de Si; mas, um a um, os transeuntes paravam para
escutar, até que uma multidão, maravilhada, e respeitosa ficava a ouvir as
palavras de Deus através do Mestre, enviado do Céu. O obreiro de Cristo não
deve julgar que não pode falar a poucos ouvintes com o mesmo fervor com que o
faz a um maior auditório. Poderá haver uma única pessoa a escutar a mensagem;
quem poderá, entretanto, dizer até onde se estenderá sua influência? Pouca
importância, mesmo para os discípulos, parecia ter essa mulher de Samaria, para
o Salvador gastar com ela Seu tempo. Ele, porém, raciocinou mais fervorosa e
eloquentemente com ela, do que com reis, conselheiros ou sumos sacerdotes. As
lições por Ele dadas àquela mulher têm sido repetidas até aos mais afastados
recantos do mundo.
Assim que encontrou
o Salvador, a samaritana levou outros a Ele. Demonstrou-se mais eficiente
missionária, que os próprios discípulos. Estes nada viram em Samaria indicativo
de um campo promissor. Tinham os olhos fixos numa grande obra a ser feita
futuramente. Não viram que exatamente em torno deles havia uma colheita a
fazer. Por meio da mulher que haviam desprezado, porém, toda uma cidade foi
levada a ouvir o Salvador. Ela transmitiu imediatamente a luz a seus
concidadãos.
Essa mulher
representa a operação de uma fé prática em Cristo. Todo verdadeiro discípulo
nasce no reino de Deus como missionário. Aquele que bebe da água viva, faz-se
fonte de vida. O depositário torna-se doador. A graça de Cristo no coração é
uma vertente no deserto, fluindo para refrigério de todos, e tornando os que
estão quase a perecer, ansiosos de beber da água da vida.
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