Capítulo 35— A rebelião de Coré
Este capítulo é baseado em
Números 16-17.
Os juízos com que foram atingidos
os israelitas serviram durante algum tempo para restringir-lhes a murmuração e
indisciplina, mas o espírito rebelde ainda estava no coração, e finalmente
produziu os mais amargos frutos. As rebeliões anteriores tinham sido meros tumultos
populares, surgindo dos impulsos momentâneos da multidão exaltada; agora,
porém, formou-se uma conspiração muito bem fundamentada, como resultado de um
propósito decidido de subverter a autoridade dos líderes designados pelo
próprio Deus.
Coré, o espírito dirigente deste
movimento, era levita, da família de Coate, e primo de Moisés; era homem de
habilidade e influência. Embora designado para o serviço do tabernáculo,
descontentara-se com sua posição, e aspirara à dignidade do sacerdócio. A
concessão a Arão e sua casa do ofício sacerdotal, que anteriormente tocava ao filho
primogênito de cada família, dera origem a inveja e dissabor, e por algum tempo
Coré estivera secretamente a opor-se à autoridade de Moisés e Arão, se bem que
não se arriscasse a um ato manifesto de rebelião. Finalmente concebeu o ousado
plano de subverter tanto a autoridade civil como a religiosa. Não deixou de
achar quem o apoiasse. Junto às tendas de Coré e dos coatitas, do lado sul do tabernáculo,
achava-se o acampamento da tribo de Rúben, estando as tendas de Datã e Abirã,
dois príncipes desta tribo, próximas da de Coré. Estes príncipes prontamente
aderiram aos planos ambiciosos daquele. Sendo descendentes do filho mais velho
de Jacó, pretendiam que a autoridade civil lhes pertencesse, e decidiram-se a
dividir com Coré as honras do sacerdócio.
O estado dos sentimentos entre o
povo favorecia os desígnios de Coré. Na amargura de seu desapontamento,
voltaram-lhes as dúvidas, inveja e ódio anteriores, e de novo dirigiram queixas
contra o paciente líder. Os israelitas estavam continuamente a perder de vista
que se encontravam sob guia divina. Esqueciam-se de que o Anjo do concerto era
seu diretor invisível, e que, velada pela coluna de nuvem, a presença de Cristo
ia adiante deles, e dEle Moisés recebia todas as instruções.
Estavam indispostos a sujeitar-se
à terrível sentença pela qual todos deviam morrer no deserto, e daí o
acharem-se prontos a apanhar qualquer pretexto para crer que não era Deus mas
Moisés que os estava guiando, e pronunciara a sua condenação. Os maiores
esforços do homem mais manso da Terra não puderam abafar a insubordinação daquele
povo; e, embora os sinais do desprazer de Deus por ocasião de sua perversidade
anterior ainda estivessem diante deles, incompletos em suas fileiras, não
levavam a sério a lição. Novamente foram vencidos pela tentação.
A vida humilde de Moisés, como
pastor, fora muito mais pacífica e feliz do que sua posição atual como
dirigente daquela vasta assembleia de
espíritos turbulentos. Contudo Moisés não ousava fazer sua escolha. Em lugar do
cajado de pastor fora-lhe dada uma vara de poder, a qual ele não poderia depor
antes que Deus o desobrigasse.
Aquele que lê os segredos de
todos os corações, notara os propósitos de Coré e seus companheiros, e dera a
Seu povo aviso e instrução suficientes para os habilitarem a livrar-se do
engano daqueles homens mal-intencionados. Tinham visto os juízos de Deus recaírem
em Miriã por causa de sua inveja e queixas contra Moisés.
O Senhor declarara que Moisés era
maior do que profeta. “Boca a boca falo com ele.” “Por que, pois”, acrescentou
Ele, “não tivestes temor de falar contra o Meu servo, contra Moisés?” Números
12:8. Estas instruções não se destinavam a Arão e Miriã somente, mas a todo o
Israel.
Coré e seus companheiros de
conspiração eram homens que haviam sido favorecidos com manifestações especiais
do poder e grandeza de Deus. Faziam parte do número dos que subiram
com Moisés ao monte, e viram a
glória divina. Mas desde aquele tempo operara-se uma mudança. Uma tentação,
leve a princípio, fora abrigada, e fortalecera-se ao ser alimentada, até que a
mente foi dirigida por Satanás, e aventuraram-se a entrar em sua obra de desafeto.
Dizendo ter grande interesse na prosperidade do povo, falaram a princípio, uns
com outros, ocultamente, a respeito de seu descontentamento, e a seguir falaram
aos homens dirigentes de Israel.
Suas insinuações foram tão
prontamente recebidas que se arriscaram ainda mais, e afinal acreditaram
realmente estarem agindo pelo zelo de Deus. Foram bem-sucedidos em aliciar
duzentos e cinquenta príncipes, homens de renome na congregação. Com este forte
e influente apoio, sentiram-se confiantes em que fariam uma mudança radical no
governo, e melhorariam grandemente a administração de Moisés e Arão.
O ciúme dera origem à inveja e a
inveja à rebelião. Haviam discutido a questão do direito de Moisés a sua tão
grande autoridade e honra, até que vieram a considerá-lo ocupante de uma
posição muito invejável, que qualquer deles poderia deter tão bem quanto ele. E
enganaram-se a si mesmos e uns aos outros, pensando que Moisés e Arão tinham
por si mesmos assumido as posições que ocupavam. Os descontentes disseram que
esses chefes se haviam exaltado sobre a congregação do Senhor, tomando para si
o sacerdócio e o governo; mas sua casa não tinha direito à distinção de
superioridade às outras de Israel; não eram mais santos do que o povo, e
ser-lhes-ia bastante estar no mesmo nível de seus irmãos, que eram igualmente favorecidos
com a presença e proteção especial de Deus.
A obra imediata dos conspiradores
foi com o povo. Àqueles que estão no erro, e merecem reprovação, nada há mais
agradável do que receber simpatia e louvor. E, assim, Coré e seus companheiros obtiveram
a atenção e conseguiram o apoio do povo. A notícia de que as murmurações do
povo acarretaram sobre eles a ira de Deus, declarou-se ser um engano. Disseram
que a congregação não estava em falta, visto que não desejavam nada mais que
seus direitos; mas que Moisés era um governador déspota; que ele reprovara o
povo como pecadores, sendo eles um povo santo, e estando o Senhor entre eles.
Coré passou em revista a história
de suas viagens através do deserto, onde haviam sido levados a situações
angustiosas, e muitos pereceram por causa de sua murmuração e desobediência.
Seus ouvintes julgaram ver claramente que suas dificuldades poderiam ter sido
evitadas se Moisés tivesse adotado procedimento diverso. Concluíram que todos
os seus fracassos eram atribuíveis a ele, e sua exclusão de Canaã fora em
consequência da má administração de Moisés e Arão; que, se Coré fosse o seu
dirigente, e os animasse ocupando-se com suas boas ações em vez de lhes
reprovar os pecados, teriam uma jornada muito pacífica e próspera; em vez de vaguearem
de um lado para outro no deserto, seguiriam diretamente para a Terra Prometida.
Nesta obra inspiradora de
desafeição, houve maior união e harmonia entre os elementos discordantes da
congregação do que já existira antes. O êxito de Coré junto ao povo
aumentou-lhe a confiança, e confirmou-o em sua crença de que a usurpação da
autoridade por Moisés, a não ser reprimida, seria fatal à liberdade de Israel; pretendia
também que Deus lhe patenteara a questão, e o autorizara a fazer uma mudança no
governo antes que fosse demasiado tarde. Muitos, porém, não estavam prontos a
aceitar as acusações de Coré contra Moisés. A lembrança de seus pacientes e
abnegados labores surgia diante deles, e a consciência se lhes perturbava. Era
portanto necessário indicar algum motivo egoísta pelo seu profundo interesse para
com Israel; e reiterou-se a antiga acusação de que ele os tirara a fim de
perecerem no deserto, para que pudesse apoderar-se de seus bens.
Durante algum tempo esta obra foi
promovida em segredo. Entretanto, logo que o movimento ganhou força suficiente
para garantir uma explosão franca, Coré apareceu à frente do partido, e acusou publicamente
a Moisés e Arão de usurparem a autoridade de que ele, Coré, e seus companheiros
tinham igualmente direito de participar. Houve além disso a acusação de que o
povo fora despojado de sua liberdade e independência. “Demais é já”, disseram
os conspiradores, “pois que toda a congregação é santa, todos eles são santos, e
o Senhor está no meio deles; por que, pois, vos elevais sobre a congregação do
Senhor?” Moisés não suspeitara desta trama tão cuidadosamente urdida, e, quando
sua terrível significação lhe ocorreu, caiu sobre seu rosto em um apelo
silencioso a Deus. Levantou-se triste, em verdade, mas calmo e forte. Fora-lhe
concedida direção divina. “Amanhã pela manhã”, disse ele, “o Senhor fará saber
quem é Seu, e quem o santo que Ele fará chegar a Si; e aquele a quem escolher
fará chegar a Si.” A prova deveria ser transferida até o dia seguinte, a fim de
que todos pudessem ter tempo para refletir. Então aqueles que aspiravam ao
sacerdócio deveriam vir cada um com o incensário, e oferecer incenso no tabernáculo,
na presença da congregação. A lei era muito explícita de que unicamente os que
haviam sido ordenados para o ofício sagrado deviam ministrar no santuário. E
mesmo os sacerdotes Nadabe e Abiú tinham sido destruídos por se arriscarem a
oferecer “fogo estranho”, em desrespeito ao mandado divino. Todavia Moisés desafiou
os seus acusadores a levar a questão perante Deus, caso ousassem recorrer a tão
perigoso apelo.
Separando a Coré, e aos levitas
seus companheiros, disse Moisés: “Porventura pouco para vós é que o Deus de
Israel vos separou da congregação de Israel, para vos fazer chegar a Si, a
administrar o ministério do tabernáculo do Senhor e estar perante a congregação
para ministrar-lhe; e te fez chegar, e todos os teus irmãos, os filhos de Levi,
contigo; ainda também procurais o sacerdócio? Pelo que tu e toda a tua
congregação congregados estais contra o Senhor; e Arão, que é ele, que
murmurais contra ele?” Datã e Abirã não haviam assumido atitude tão ousada como
Coré; e Moisés, esperando que eles pudessem ter sido arrastados para a
conspiração sem se haverem completamente corrompido, chamou-os para que
comparecessem perante ele, a fim de poder ouvir suas acusações contra ele. Mas
não quiseram ir, e insolentemente se recusaram a reconhecer a sua autoridade.
Sua resposta, proferida aos ouvidos da congregação, foi: “Porventura pouco é
que nos fizeste subir de uma terra que mana leite e mel, para nos matares neste
deserto, senão que também totalmente te assenhoreias de nós? Nem tampouco nos
trouxeste a uma terra que mana leite e mel, nem nos deste campos e vinhas em
herança; porventura arrancarás os olhos a estes homens? Não subiremos”. Números
16:5-14.
Assim eles aplicaram ao cenário
de seu cativeiro a mesma expressão com que o Senhor descrevera a herança
prometida. Acusaram Moisés de pretender agir sob guia divina, como meio para
estabelecer sua autoridade; e declararam que não mais se sujeitariam a ser
levados como homens cegos, ora para Canaã, e ora para o deserto, conforme
melhor conviesse a seus ambiciosos intuitos. Assim, aquele que fora como um
terno pai, um pastor paciente, foi representado no mais negro caráter de um
tirano e usurpador. A exclusão de Canaã, como castigo aos seus próprios
pecados, foi a ele atribuída. Era evidente que as simpatias do povo estavam com
o partido desafeto; mas Moisés não fez esforços para a reivindicação própria. Apelou
solenemente a Deus, na presença da congregação, como testemunha da pureza de
seus intuitos e correção de sua conduta, e implorou-Lhe que fosse seu Juiz.
No dia seguinte, os duzentos e
cinquenta príncipes, com Coré à sua frente, apresentaram-se com seus
incensários. Foram levados ao pátio do tabernáculo, enquanto o povo se reuniu
fora, para esperar o resultado. Não foi Moisés que reuniu a congregação para
ver a derrota de Coré e seu grupo, mas sim os rebeldes, em sua cega presunção, congregaram-nos
para testemunharem sua vitória. Grande parte da congregação tomou francamente o
lado de Coré, cujas esperanças de provar suas acusações contra Arão eram
grandes. Enquanto estavam assim congregados diante de Deus, “a glória do Senhor
apareceu a toda a congregação”. Foi comunicada a Moisés e Arão a advertência
divina: “Apartai-vos do meio desta congregação, e os consumirei como num
momento.” Mas eles caíram sobre o seu rosto, com esta oração: “Ó Deus, Deus dos
espíritos de toda a carne, pecará um só homem, e indignar-Te-ás Tu tanto contra
toda esta congregação?”
Coré retirara-se da assembleia a
fim de reunir-se com Datã e Abirã, quando Moisés, acompanhado dos setenta
anciãos, desceu com um último aviso aos homens que se haviam recusado a ir a ele.
As multidões seguiram e, antes de comunicar sua mensagem, Moisés, por direção
divina, ordenou ao povo: “Desviai-vos, peço-vos, das tendas destes ímpios
homens, e não toqueis nada do que é seu, para que porventura não pereçais em
todos os seus pecados”. Números 16:19-26. O aviso foi atendido, pois uma
apreensão de juízo iminente repousava sobre todos. Os chefes dos rebeldes viram-se
abandonados por aqueles a quem haviam enganado, mas sua dureza ficou
inabalável. Permaneceram com suas famílias às portas de suas tendas, como que
em desafio à advertência divina. Em nome do Deus de Israel, Moisés declarou
agora aos ouvidos da congregação: “Nisto conhecereis que o Senhor me enviou a fazer
todos estes feitos, que de meu coração não procedem. Se estes morrerem como
morrem todos os homens, e se forem visitados como se visitam todos os homens,
então o Senhor me não enviou. Mas, se o Senhor criar alguma coisa nova, e a
terra abrir a sua boca e os tragar com tudo que é seu, e vivos descerem ao
sepulcro, então conhecereis que estes homens irritaram ao Senhor”. Números
16:28-30.
Os olhares de todo o Israel
estavam fixos em Moisés, enquanto se achavam aterrorizados e expectantes,
aguardando os acontecimentos. Cessando ele de falar, a terra sólida partiu-se,
e os rebeldes desceram vivos para o abismo, com tudo que lhes pertencia, e “pereceram
no meio da congregação”. Números 16:33. O povo fugiu, condenando-se a si
próprio, como participantes do pecado. Mas os juízos não haviam terminado. Fogo
que flamejou da nuvem consumiu os duzentos e cinquenta príncipes que tinham
oferecido incenso. Estes homens, não sendo os primeiros na rebelião, não foram
destruídos com os principais conspiradores. Foi-lhes permitido ver o fim
daqueles, e ter oportunidade para o arrependimento; mas suas simpatias estavam
com os rebeldes, e partilharam de sua condenação.
Quando Moisés estava rogando a
Israel para que fugisse da destruição vindoura, poder-se-ia mesmo ter detido
então o juízo divino, se Coré e seu grupo se arrependessem e buscassem perdão.
Sua obstinada persistência, porém, selou-lhes a condenação. A congregação inteira
foi participante de seu crime, pois que todos, em maior ou menor grau, haviam
contemporizado com eles. Deus, todavia, em Sua grande misericórdia, fizera
distinção entre os chefes da rebelião e aqueles a quem haviam conduzido. Ao
povo que se deixara enganar concedeu-se ainda tempo para o arrependimento.
Dera-se prova esmagadora de que estavam em erro, e de que Moisés estava com a razão.
A notável manifestação do poder de Deus removera toda a incerteza.
Jesus, o Anjo que ia adiante dos
hebreus, procurou salvá-los da destruição. O perdão continuava ainda ao seu
alcance. Os juízos de Deus tinham vindo muito perto, incitando-os a que se
arrependessem. Uma especial, irresistível intervenção do Céu, fizera deter sua rebelião.
Agora, se correspondessem à interferência da providência de Deus, poderiam
salvar-se. Mas, conquanto fugissem dos juízos pelo temor da destruição, sua
rebelião não estava curada. Voltaram às suas tendas naquela noite,
aterrorizados, mas não arrependidos. Tinham sido lisonjeados por Coré e seu
grupo a ponto de chegarem a crer que eram realmente um povo muito bom, e que
haviam sido lesados e maltratados por Moisés. Caso admitissem que Coré e seu
grupo estavam em erro, e Moisés com a razão, seriam então compelidos a
reconhecer como palavra de Deus a sentença de que deveriam morrer no deserto.
Não estavam dispostos a sujeitar-se a isto, e procuraram crer que Moisés os
enganara. Tinham alimentado carinhosamente a esperança de que uma nova ordem de
coisas estivesse prestes a estabelecer-se, na qual a reprovação seria
substituída pelo louvor, e a ansiedade e conflito, pela comodidade. Os homens que
pereceram haviam proferido palavras lisonjeiras, e dito possuir grande
interesse e amor por eles; e o povo concluiu que Coré e seus companheiros
deviam ter sido bons homens, e que Moisés por algum meio fora a causa de sua
destruição.
Dificilmente poderão os homens
cometer maior insulto a Deus do que desprezar e rejeitar os instrumentos que
deseja usar para a salvação deles. Os israelitas não somente fizeram isto, mas
propuseram-se a matar Moisés e Arão. Não compreendiam, entretanto, a
necessidade de buscar o perdão de Deus, pelo seu enorme pecado. Aquela noite de
prova não foi passada em arrependimento e confissões, mas à procura de algum
meio para resistir às evidências que lhes mostravam serem os maiores pecadores.
Alimentavam ódio contra os homens que haviam sido por Deus designados, e
uniram-se a fim de resistirem à autoridade dos mesmos. Satanás estava a postos para
perverter-lhes o discernimento e levá-los de olhos vendados à destruição.
Todo Israel fugira alarmado ao
grito dos pecadores condenados que desceram ao abismo, pois disseram: “Para que
porventura também nos não trague a terra a nós.” “Mas no dia seguinte toda a congregação
dos filhos de Israel murmurou contra Moisés e contra Arão, dizendo: Vós
matastes o povo do Senhor.” E estavam a ponto de fazer violência aos fiéis e
abnegados chefes. Viu-se na nuvem por cima do tabernáculo uma manifestação da glória
divina, e uma voz da nuvem falou a Moisés e Arão: “Levantai-vos do meio desta
congregação, e a consumirei como num momento”. Números 16:34, 41, 45.
A culpa do pecado não recaía
sobre Moisés, e portanto ele não receou, e não se apressou em retirar-se e
deixar a congregação para que perecesse. Moisés demorou-se, manifestando neste
terrível momento crítico o interesse do verdadeiro pastor pelo rebanho ao seu cuidado.
Advogou para que a ira de Deus não destruísse inteiramente o povo de Sua escolha.
Pela sua intercessão deteve o braço da vingança, para que o rebelde e
desobediente Israel não tivesse um fim total. Mas o ministrador da ira saíra; a
praga estava a fazer a sua obra de morte. Por determinação de seu irmão, Arão
tomou um incensário, e foi apressadamente ao meio da congregação para fazer
“expiação por eles”. “E estava em pé entre os mortos e os vivos”. Números 16:48.
Enquanto subia o fumo do incenso, as orações de Moisés no tabernáculo ascendiam
a Deus; e a praga deteve-se, mas não antes que catorze mil de Israel jazessem
mortos, como prova do crime de murmuração e rebelião.
Deu-se, entretanto, mais prova de
que o sacerdócio fora estabelecido na família de Arão. Por determinação divina
cada tribo preparou uma vara, e escreveu nela o nome da tribo. O nome de Arão
estava na de Levi. As varas foram postas “perante o Senhor na tenda do
testemunho”. A florescência de qualquer vara deveria ser sinal de que o Senhor
escolhera aquela tribo para o sacerdócio. Na manhã seguinte, “eis que a vara de
Arão, pela casa de Levi, florescia; porque produzira flores, e brotara renovos
e dera amêndoas”. Foi mostrada ao povo, e depois posta no tabernáculo como
testemunho às gerações subsequentes. Este prodígio decidiu finalmente a questão
do sacerdócio.
Ficou agora plenamente
estabelecido que Moisés e Arão tinham falado por autoridade divina; e o povo
foi constrangido a crer na desagradável verdade de que morreriam no deserto. “Eis
aqui, nós expiramos”, exclamaram; “perecemos, nós perecemos todos”. Números 17:7,
8, 12. Confessaram haver pecado, rebelando-se contra seus dirigentes, e ter
Coré e seu grupo sofrido o justo juízo de Deus. Na rebelião de Coré, vêem-se,
em um cenário menor, os resultados do mesmo espírito que determinou a rebelião
de Satanás no Céu. Foi o orgulho e a ambição que moveram Lúcifer a queixar-se do
governo de Deus, e procurar subverter a ordem que fora estabelecida no Céu.
Desde sua queda tem sido o seu objetivo infundir nas mentes humanas o mesmo
espírito de inveja e descontentamento, a mesma ambição de posições e honras.
Assim agiu ele na mente de Coré, Datã e Abirã, para suscitar o desejo de
exaltação própria, e provocar inveja, falta de confiança e rebelião. Satanás,
fazendo-os rejeitar os homens que Deus designara, fê-los rejeitar a Deus como seu
líder. Contudo, ao mesmo tempo em que com sua murmuração contra Moisés e Arão
blasfemavam de Deus, estavam tão iludidos que se julgavam justos, e
consideravam como tendo sido dirigidos por Satanás aqueles que fielmente haviam
reprovado seus pecados.
Não existem ainda os mesmos males
que jazem no fundamento da ruína de Coré? O orgulho e a ambição estão
espalhados; e, quando são acalentados, abrem a porta à inveja, e a uma luta
pela supremacia; a alma é alienada de Deus, e inconscientemente arrastada às fileiras
de Satanás. Semelhantes a Coré e seus companheiros, muitos, mesmo dos professos
seguidores de Cristo, estão a pensar, projetar e agir com tanta avidez pela
exaltação própria que, para o fim de alcançar a simpatia e o apoio do povo, estão
prontos a perverter a verdade, atraiçoando e caluniando os servos do Senhor, e
mesmo acusando-os dos motivos vis e egoístas que lhes inspira o próprio coração.
Reiterando persistentemente a falsidade, e isso contra toda a evidência, chegam
finalmente a crer ser ela verdade. Ao mesmo tempo em que se esforçam por
destruir a confiança do povo nos homens que por Deus foram designados,
acreditam realmente que se acham empenhados em uma boa obra, fazendo em verdade
serviço para Deus.
Os hebreus não estavam dispostos
a sujeitar-se às determinações e restrições do Senhor. Inquietavam-se com
sofrerem restrições, e não se dispunham a ser reprovados. Tal era o segredo de
sua murmuração contra Moisés. Ficassem livres para fazerem conforme lhes
aprouvesse, e teria havido menos queixas contra seu chefe. Durante toda a
história da igreja, os servos de Deus têm tido o mesmo espírito a defrontar.
Por uma condescendência
pecaminosa é que os homens dão a Satanás acesso à sua mente, e vão de um grau
de impiedade a outro. A rejeição da luz lhes entenebrece a mente e endurece o
coração, de modo que lhes é mais fácil dar o passo imediato no pecado, e rejeitar
luz ainda mais clara, até que afinal seus hábitos de fazerem mal se tornam
fixos. O pecado deixa de lhes parecer pecaminoso. Aquele que com fidelidade
prega a Palavra de Deus, condenando deste modo seus pecados, mui frequentemente
incorre no seu ódio.
Indispostos a suportar a dor e o
sacrifício necessários à sua correção, voltam-se contra o servo do Senhor e
denunciam-lhe as reprovações como inoportunas e severas. Semelhantes a Coré,
declaram que o povo não está em falta; é aquele que reprova que ocasiona toda a
dificuldade. E, acalmando a consciência com esta falácia, os ciosos e desafetos
combinam semear discórdia na igreja, e enfraquecer as mãos daqueles que a
querem edificar.
Todo o progresso feito por
aqueles a quem Deus chamou para tomar parte na direção de Sua obra, tem
provocado suspeita; cada um de seus atos tem sido desvirtuado pelos que são invejosos
e críticos. Assim foi no tempo de Lutero, dos Wesleys e de outros reformadores.
Assim é hoje. Coré não teria seguido o caminho por onde foi, se tivesse sabido que
todas as instruções e reprovações comunicadas a Israel eram de Deus. Ele podia,
entretanto, ter sabido isto. Deus dera prova esmagadora de que estava guiando
Israel. Mas Coré e seus companheiros rejeitaram a luz até se tornarem tão cegos
que mesmo as mais notáveis manifestações de Seu poder não bastavam para os
convencer; atribuíam-nas todas a operações humanas ou satânicas. A mesma coisa
fora feita pelo povo que, no dia seguinte ao da destruição de Coré e seu grupo,
veio a Moisés e Arão, dizendo: “Vós matastes o povo do Senhor”. Números 16:41.
Apesar de terem tido a prova mais convincente do desagrado de Deus pela sua
conduta, na destruição dos homens que os haviam enganado, ousaram atribuir Seus
juízos a Satanás, declarando que, pelo poder do maligno, Moisés e Arão tinham
ocasionado a morte de homens bons e santos. Foi este ato que selou a condenação
deles. Haviam cometido o pecado contra o Espírito Santo, pecado este em virtude
do qual o coração do homem eficazmente se endurece contra a influência da graça
divina. “Se qualquer disser uma palavra contra o Filho do homem”, disse Cristo,
“ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será
perdoado”. Mateus 12:32. Estas palavras foram proferidas por nosso Salvador
quando as obras cheias de graça que realizara pelo poder de Deus, foram
atribuídas pelos judeus a Belzebu. É mediante a operação do Espírito Santo que
Deus Se comunica com o homem; e aqueles que deliberadamente rejeitam esta
operação como satânica, interceptaram o conduto que estabelece comunicação
entre a pessoa e o Céu.
Deus opera pela manifestação de
Seu Espírito para reprovar e convencer o pecador; e, se a obra do Espírito é
finalmente rejeitada, nada mais há que Deus possa fazer pela alma. O último
recurso da misericórdia divina foi empregado. O transgressor desligou-se de Deus;
e o pecado não tem remédio para curar a si mesmo. Não há uma reserva de poder
pela qual Deus possa operar para convencer e converter o pecador. “Deixa-o”
(Oséias 4:17), é a ordem divina.
Então, “já não resta mais
sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor
de fogo, que há de devorar os adversários”. Hebreus 10:26, 27.
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