O Grande Conflito
Ellen G. White
Capítulo 1 — Predito o destino do
mundo
“Ah! se tu conhecesses também, ao
menos neste teu dia, o que à tua paz pertence! mas agora isto está encoberto
aos teus olhos. Porque dias virão sobre ti, em que os teus inimigos te cercarão
de trincheiras, e te sitiarão, e te estreitarão de todas as bandas; e te
derribarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem; e não deixarão
em ti pedra sobre pedra, pois que não conheceste o tempo da tua visitação.”
Lucas 19:42-44.
Do cimo do Monte das Oliveiras,
Jesus olhava sobre Jerusalém. Lindo e calmo era o cenário que diante dEle se
desdobrava. Era o tempo da Páscoa, e de todas as terras os filhos de Jacó se
haviam ali reunido para celebrar a grande festa nacional. Em meio de hortos e
vinhedos, e declives verdejantes juncados das tendas dos peregrinos, erguiam-se
as colinas terraplenadas, os majestosos palácios e os maciços baluartes da
capital de Israel. A filha de Sião parecia dizer em seu orgulho: “Estou
assentada como rainha, e não ... verei o pranto”, sendo ela tão formosa então e
julgando-se tão segura do favor do Céu como quando, séculos antes, o trovador
real cantara: “Formoso de sítio, e alegria de toda a terra é o monte de Sião
... a cidade do grande Rei.” Salmos 48:2. Bem à vista estavam os magnificentes
edifícios do templo. Os raios do Sol poente iluminavam a brancura de neve de
suas paredes de mármore e punham reflexos no portal de ouro, na torre e
pináculo. Qual “perfeição da formosura”, levantava-se ele como o orgulho da
nação judaica. Que filho de Israel poderia contemplar aquele cenário sem um
estremecimento de alegria e admiração?! Entretanto, pensamentos muito diversos
ocupavam a mente de Jesus. “Quando ia chegando, vendo a cidade, chorou sobre
ela.” Lucas 19:41. Por entre o universal regozijo de Sua entrada triunfal,
enquanto se agitavam ramos de palmeiras, enquanto alegres hosanas despertavam
ecos nas colinas, e milhares de vozes O aclamavam Rei, o Redentor do mundo
achava-Se oprimido por súbita e misteriosa tristeza. Ele, o Filho de Deus, o
Prometido de Israel, cujo poder vencera a morte e do túmulo chamara a seus
cativos, estava em pranto, não em consequência de uma mágoa comum, senão de
agonia intensa, irreprimível.
Suas lágrimas não eram por Si
mesmo, posto que bem soubesse para onde Seus passos O levariam. Diante dEle
jazia o Getsêmani, cenário de Sua próxima agonia. Estava também à vista a porta
das ovelhas, através da qual durante séculos tinham sido conduzidas as vítimas
para o sacrifício, e que se Lhe deveria abrir quando fosse “como um cordeiro”
“levado ao matadouro.” Isaías 53:7. Não muito distante estava o Calvário, o
local da crucifixão. Sobre o caminho que Cristo logo deveria trilhar, cairia o
terror de grandes trevas ao fazer Ele de Sua alma uma oferta pelo pecado. Todavia,
não era a contemplação destas cenas que lançava sobre Ele aquela sombra, em tal
hora de alegria. Nenhum sinal de Sua própria angústia sobre-humana nublava
aquele espírito abnegado. Chorava pela sorte dos milhares de Jerusalém — por
causa da cegueira e impenitência daqueles que Ele viera abençoar e salvar.
A história de mais de mil anos do
favor especial de Deus e de Seu cuidado protetor manifestos ao povo escolhido,
estava patente aos olhos de Jesus. Ali estava o Monte Moriá, onde o filho da
promessa, como vítima submissa, havia sido ligado ao altar — emblema da
oferenda do Filho de Deus. Gênesis 22:9. Ali, o concerto de bênçãos e a
gloriosa promessa messiânica tinham sido confirmados ao pai dos crentes.
Gênesis 22:16-18. Ali as chamas do sacrifício, ascendendo da eira de Ornã para
o céu, haviam desviado a espada do anjo destruidor (1 Crônicas 21) — símbolo
apropriado do sacrifício e mediação do Salvador em prol do homem culpado.
Jerusalém fora honrada por Deus acima de toda a Terra. Sião fora eleita pelo
Senhor, que a desejara “para Sua habitação”. Salmos 132:13. Ali, durante
séculos, santos profetas haviam proferido mensagens de advertência. Sacerdotes
ali haviam agitado os turíbulos, e a nuvem de incenso, com as orações dos
adoradores, subira perante Deus. Ali, diariamente, se oferecera o sangue dos
cordeiros mortos, apontando para o vindouro Cordeiro de Deus. Ali, Jeová
revelara Sua presença na nuvem de glória, sobre o propiciatório. Repousara ali
a base daquela escada mística, ligando a Terra ao Céu (Gênesis 28:1; 2 João
1:51) — escada pela qual os anjos de Deus desciam e subiam, e que abria ao
mundo o caminho para o lugar santíssimo. Houvesse Israel, como nação,
preservado a aliança com o Céu, Jerusalém teria permanecido
para sempre como eleita de Deus.
Jeremias 17:21-25. Mas a história daquele povo favorecido foi um registro de
apostasias e rebelião. Haviam resistido à graça do Céu, abusado de seus
privilégios e menosprezado as oportunidades.
Posto que Israel tivesse zombado
dos mensageiros de Deus, desprezado Suas palavras e perseguido Seus profetas (2
Crônicas 36:16), Ele ainda Se lhes manifestara como “o Senhor, Deus
misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em beneficência e verdade”
(Êxodo 34:6); apesar das repetidas rejeições, Sua misericórdia continuou a
interceder. Com mais enternecido amor que o de pai pelo filho de seus cuidados,
Deus lhes havia enviado “Sua palavra pelos Seus mensageiros, madrugando, e
enviando-lhos; porque Se compadeceu de Seu povo e da Sua habitação.” 2 Crônicas
36:15. Quando admoestações, rogos e censuras haviam falhado, enviou-lhes o
melhor dom do Céu, mais ainda, derramou todo o Céu naquele único dom.
O próprio Filho de Deus foi
enviado para instar com a cidade impenitente. Foi Cristo que trouxe Israel,
como uma boa vinha, do Egito. Salmos 80:8. Sua própria mão havia lançado fora
os gentios de diante deles. Plantou-a “em um outeiro fértil.” Seu protetor
cuidado cercara-a em redor. Enviou Seus servos para cultivá-la. “Que mais se
podia fazer à Minha vinha”, exclama Ele, “que Eu lhe não tenha feito?” Posto
que quando Ele esperou que “desse uvas, veio a produzir uvas bravas” (Isaías
5:1-4), ainda com esperança compassiva de encontrar frutos, veio em pessoa à
Sua vinha, para que porventura pudesse ser salva da destruição. Cavou em redor
dela, podou-a e protegeu-a. Foi incansável em Seus esforços para salvar esta
vinha que Ele próprio plantara.
Durante três anos o Senhor da luz
e glória entrara e saíra por entre o Seu povo. Ele “andou fazendo o bem, e
curando a todos os oprimidos do diabo” (Atos 10:38), aliviando os quebrantados
de coração, pondo em liberdade os que se achavam presos, restaurando a vista
aos cegos, fazendo andar aos coxos e ouvir aos surdos, purificando os leprosos,
ressuscitando os mortos e pregando o evangelho aos pobres. Lucas 4:18; Mateus
11:5. A todas estas classes igualmente foi dirigido o gracioso convite: “Vinde
a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei.” Mateus
11:28.
Conquanto Lhe fosse recompensado
o bem com o mal e o Seu amor com o ódio (Salmos 109:5), Ele prosseguiu
firmemente em Sua missão de misericórdia. Jamais eram repelidos os que buscavam
a Sua graça. Como viajante sem lar, tendo a ignomínia e a penúria como porção
diária, viveu Ele para ministrar às necessidades e abrandar as desgraças
humanas, para insistir com os homens a aceitarem o dom da vida. As ondas de
misericórdia, rebatidas por aqueles corações obstinados, retornavam em uma vaga
mais forte de terno e inexprimível amor. Mas Israel se desviara de seu melhor
Amigo e único Auxiliador. Os rogos de Seu amor haviam sido desprezados, Seus
conselhos repelidos, ridicularizadas Suas advertências.
A hora de esperança e perdão
passava-se rapidamente; a taça da ira de Deus, por tanto tempo adiada, estava
quase cheia. As nuvens que haviam estado a acumular-se durante séculos de
apostasia e rebelião, ora enegrecidas de calamidades, estavam prestes a desabar
sobre um povo criminoso; e Aquele que unicamente os poderia salvar da
condenação iminente, fora menosprezado, injuriado, rejeitado e seria logo
crucificado. Quando Cristo estivesse suspenso da cruz do Calvário, teria
terminado o tempo de Israel como nação favorecida e abençoada por Deus. A perda
de uma alma que seja é calamidade infinitamente maior que os proveitos e
tesouros de todo um mundo; entretanto, quando Cristo olhava sobre Jerusalém,
achava-se perante Ele a condenação de uma cidade inteira, de toda uma nação —
sim, aquela cidade e nação que foram as escolhidas de Deus, Seu tesouro
peculiar.
Profetas haviam chorado a
apostasia de Israel, e as terríveis desolações que seus pecados atraíram.
Jeremias desejava que seus olhos fossem uma fonte de lágrimas, para que pudesse
chorar dia e noite pelos mortos da filha de seu povo, pelo rebanho do Senhor
que fora levado em cativeiro. Jeremias 9:1; 13:17. Qual não era, pois, a dor
dAquele cujo olhar profético abrangia não os anos mas os séculos! Contemplava
Ele o anjo destruidor com a espada levantada contra a cidade que durante tanto
tempo fora a morada de Jeová. Do cume do Monte das Oliveiras, no mesmo ponto
mais tarde ocupado por Tito e seu exército, olhava Ele através do vale para os
pátios e pórticos sagrados, e, com a vista obscurecida pelas lágrimas, via em
terrível perspectiva, os muros rodeados de hostes estrangeiras. Ouvia o tropel
de exércitos dispondo-se para a guerra. Distinguia as vozes de mães e crianças
que, na cidade sitiada, bradavam pedindo pão. Via entregues às chamas o santo e
belo templo, os palácios e torres, e no lugar em que eles se erigiam, apenas um
monte de ruínas fumegantes.
Olhando através dos séculos
futuros, via o povo do concerto espalhado em todos os países, semelhantes aos
destroços de um naufrágio em praia deserta. Nos castigos prestes a cair sobre
Seus filhos, não via Ele senão o primeiro gole daquela taça de ira que no juízo
final deveriam esgotar até às fezes. A piedade divina, o terno amor encontraram
expressão nestas melancólicas palavras: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os
profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis Eu ajuntar os
teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não
quiseste!” Mateus 23:37. Oh! se houveras conhecido, como nação favorecida acima
de todas as outras, o tempo de tua visitação e as coisas que pertencem à tua
paz! Tenho contido o anjo da justiça, tenho-te convidado ao arrependimento, mas
em vão. Não é meramente a servos, enviados e profetas que tens repelido e
rejeitado, mas ao Santo de Israel, teu Redentor. Se és destruída, tu unicamente
és a responsável. “E não quereis vir a Mim para terdes vida.” João 5:40.
Cristo viu em Jerusalém um
símbolo do mundo endurecido na incredulidade e rebelião, e apressando-se ao
encontro dos juízos retribuidores de Deus. As desgraças de uma raça decaída,
oprimindo-Lhe a alma, arrancavam de Seus lábios aquele clamor extremamente
amargurado. Viu a história do pecado traçada pelas misérias, lágrimas e sangue
humanos; o coração moveu-se-Lhe de infinita compaixão pelos aflitos e
sofredores da Terra; angustiava-Se por aliviar a todos. Contudo, mesmo a Sua
mão não poderia demover a onda das desgraças humanas; poucos procurariam a
única fonte de auxílio. Ele estava disposto a derramar a alma na morte, a fim
de colocar a salvação ao seu alcance; poucos, porém, viriam a Ele para que pudessem
ter vida.
A Majestade dos Céus em pranto! O
Filho do infinito Deus perturbado em espírito, curvado em angústia! Esta cena
encheu de espanto o Céu inteiro. Revela-nos a imensa malignidade do pecado;
mostra quão árdua tarefa é, mesmo para o poder infinito, salvar ao culpado das
consequências da transgressão da lei de Deus. Jesus, olhando para a última
geração, viu o mundo envolto em engano semelhante ao que causou a destruição de
Jerusalém. O grande pecado dos judeus foi rejeitarem a Cristo; o grande pecado
do mundo cristão seria rejeitarem a lei de Deus, fundamento de Seu governo no
Céu e na Terra. Os preceitos de Jeová seriam desprezados e anulados. Milhões na
servidão do pecado, escravos de Satanás, condenados a sofrer a segunda morte,
recusar-se-iam a escutar as palavras de verdade no dia de sua visitação.
Terrível cegueira! estranha presunção!
Dois dias antes da Páscoa, quando
Cristo pela última vez Se havia afastado do templo, depois de denunciar a
hipocrisia dos príncipes judeus, novamente sai com os discípulos para o Monte
das Oliveiras, e assenta-Se com eles no declive relvoso, sobranceiro à cidade.
Mais uma vez contempla seus muros, torres e palácios. Mais uma vez se Lhe
depara o templo em seu deslumbrante esplendor, qual diadema de beleza a coroar o
monte sagrado.
Mil anos antes, o salmista
engrandecera o favor de Deus para com Israel fazendo da casa sagrada deste a
Sua morada: “Em Salém está o Seu tabernáculo, e a Sua morada em Sião.” Salmos
76:2. Ele “elegeu a tribo de Judá; o monte de Sião, que Ele amava. E edificou o
Seu santuário como aos lugares elevados.” Salmos 78:68, 69. O primeiro templo
fora erigido durante o período mais próspero da história de Israel. Grandes
armazenamentos de tesouros para este fim haviam sido acumulados pelo rei Davi e
a planta para a sua construção fora feita por inspiração divina. 1 Crônicas
28:12, 19. Salomão, o mais sábio dos monarcas de Israel, completara a obra.
Este templo foi o edifício mais magnificente que o mundo já viu. Contudo o
Senhor declarou pelo profeta Ageu, relativamente ao segundo templo: “A glória
desta última casa será maior do que a da primeira.” “Farei tremer todas as
nações, e virá o Desejado de todas as nações, e encherei esta casa de glória,
diz o Senhor dos exércitos.” Ageu 2:9, 7.
Depois da destruição do templo
por Nabucodonosor, foi reconstruído aproximadamente quinhentos anos antes do
nascimento de Cristo, por um povo que, de um longo cativeiro, voltara a um país
devastado e quase deserto. Havia então entre eles homens idosos que tinham visto
a glória do templo de Salomão e que choraram junto aos alicerces do novo
edifício porque devesse ser tão inferior ao antecedente. O sentimento que
prevalecia é vividamente descrito pelo profeta: “Quem há entre vós que, tendo
ficado, viu esta casa na sua primeira glória? e como a vedes agora? não é esta
como nada em vossos olhos, comparada com aquela?” Ageu 2:3; Esdras 3:12. Então
foi feita a promessa de que a glória desta última casa seria maior do que a da
anterior.
Mas o segundo templo não igualou o
primeiro em esplendor; tampouco foi consagrado pelos visíveis sinais da
presença divina que o primeiro tivera. Não houve manifestação de poder
sobrenatural para assinalar sua dedicação. Nenhuma nuvem de glória foi vista a
encher o santuário recém-erigido. Nenhum fogo do Céu desceu para consumir o
sacrifício sobre o altar. O “shekinah” não mais habitava entre os querubins no
lugar santíssimo; a arca, o propiciatório, as tábuas do testemunho não mais
deviam encontrar-se ali. Nenhuma voz ecoava do Céu para tornar conhecida ao
sacerdote inquiridor a vontade de Jeová.
Durante séculos os judeus em vão
se haviam esforçado por mostrar que a promessa de Deus feita por Ageu se
cumprira; entretanto, o orgulho e a incredulidade lhes cegavam a mente ao
verdadeiro sentido das palavras do profeta. O segundo templo não foi honrado
com a nuvem de glória de Jeová, mas com a presença viva dAquele em quem habita
corporalmente a plenitude da divindade — que foi o próprio Deus manifesto em
carne. O “Desejado de todas as nações” havia em verdade chegado a Seu templo
quando o Homem de Nazaré ensinava e curava nos pátios sagrados. Com a presença
de Cristo, e com ela somente, o segundo templo excedeu o primeiro em glória.
Mas Israel afastara de si o Dom do Céu, que lhe era oferecido. Com o humilde
Mestre que naquele dia saíra de seu portal de ouro, a glória para sempre se
retirara do templo. Já eram cumpridas as palavras do Salvador: “Eis que a vossa
casa vai ficar-vos deserta.” Mateus 23:38.
Os discípulos ficaram cheios de
espanto e admiração ante a profecia de Cristo acerca da subversão do templo, e
desejavam compreender melhor o significado de Suas palavras. Riquezas,
trabalhos e perícia arquitetônica haviam durante mais de quarenta anos sido
liberalmente expedidos para salientar os seus esplendores. Herodes, o Grande,
nele empregara prodigamente tanto riquezas romanas como tesouros judeus, e
mesmo o imperador do mundo o tinha enriquecido com seus dons. Blocos maciços de
mármore branco, de tamanho quase fabuloso, proveniente de Roma para este fim,
formavam parte de sua estrutura; e para eles chamaram os discípulos a atenção
do Mestre, dizendo: “Olha que pedras, e que edifícios!” Marcos 13:1.
A estas palavras deu Jesus a
solene e surpreendente resposta: “Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra
sobre pedra que não seja derribada.” Mateus 24:2.
Com a subversão de Jerusalém os
discípulos associaram os fatos da vinda pessoal de Cristo em glória temporal a
fim de assumir o trono do império do Universo, castigar os judeus impenitentes
e libertar a nação do jugo romano. O Senhor lhes dissera que viria a segunda
vez. Daí, com a menção dos juízos sobre Jerusalém, volveram o pensamento para
aquela vinda; e, como estivessem reunidos em torno do Salvador sobre o Monte
das Oliveiras, perguntaram: “Quando serão essas coisas, e que sinal haverá da
Tua vinda e do fim do mundo?” Mateus 24:3.
O futuro estava
misericordiosamente velado aos discípulos. Houvessem eles naquela ocasião
compreendido perfeitamente os dois terríveis fatos — os sofrimentos e morte do
Redentor, e a destruição de sua cidade e templo — teriam sido dominados pelo
terror. Cristo apresentou diante deles um esboço dos importantes acontecimentos
a ocorrerem antes do final do tempo. Suas palavras não foram então
completamente entendidas; mas a significação ser-lhes-ia revelada quando Seu
povo necessitasse da instrução nelas dada. A profecia que Ele proferiu era
dupla em seu sentido: ao mesmo tempo em que prefigurava a destruição de
Jerusalém, representava igualmente os terrores do último grande dia.
Jesus declarou aos discípulos que
O escutavam, os juízos que deveriam cair sobre o apóstata Israel, e
especialmente o castigo retribuidor que lhe sobreviria por sua rejeição e
crucifixão do Messias.
Sinais inequívocos precederiam a
terrível culminação. A hora temida viria súbita e celeremente. E o Salvador
advertiu a Seus seguidores: “Quando pois virdes que a abominação da desolação,
de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo (quem lê, atenda), então os
que estiverem na Judéia fujam para os montes.” Mateus 24:15, 16; Lucas 21:20.
Quando os símbolos idolátricos dos romanos fossem erguidos em terra santa, a
qual ia um pouco além dos muros da cidade, então os seguidores de Cristo
deveriam achar segurança na fuga. Quando fosse visto o sinal de aviso, os que
desejavam escapar não deveriam demorar-se. Por toda a terra da Judéia, bem como
em Jerusalém mesmo, o sinal para a fuga deveria ser imediatamente obedecido.
Aquele que acaso estivesse no telhado, não deveria descer à casa, mesmo para salvar
os tesouros mais valiosos. Os que estivessem trabalhando nos campos ou nos
vinhedos, não deveriam tomar tempo para voltar a fim de apanhar a roupa
exterior, posta de lado enquanto estavam a labutar no calor do dia. Não
deveriam hesitar um instante, para que não fossem apanhados pela destruição
geral.
No reinado de Herodes, Jerusalém
não só havia sido grandemente embelezada, mas, pela ereção de torres, muralhas
e fortalezas, em acréscimo à força natural de sua posição, tornara-se
aparentemente inexpugnável. Aquele que nesse tempo houvesse publicamente
predito sua destruição, teria sido chamado, como Noé em sua época, doido
alarmista. Mas Cristo dissera: “O céu e a Terra passarão, mas as Minhas
palavras não hão de passar.” Mateus 24:35. Por causa de seus pecados, foi
anunciada a ira contra Jerusalém, e sua pertinaz incredulidade selou-lhe a
sorte.
O Senhor tinha declarado pelo
profeta Miquéias: “Ouvi agora isto, vós, chefes da casa de Jacó, e vós,
maiorais da casa de Israel, que abominais o juízo e perverteis tudo o que é
direito, edificando a Sião com sangue, e a Jerusalém com injustiça. Os seus
chefes dão as sentenças por presentes, e os seus sacerdotes ensinam por
interesse, e os seus profetas adivinham por dinheiro; e ainda se encostam ao
Senhor, dizendo: Não está o Senhor no meio de nós? nenhum mal nos sobrevirá.”
Miquéias 3:9-11.
Estas palavras descreviam
fielmente os habitantes de Jerusalém, corruptos e possuídos de justiça própria.
Pretendendo embora observar rigidamente os preceitos da lei de Deus, estavam
transgredindo todos os seus princípios. Odiavam a Cristo porque a Sua pureza e
santidade lhes revelavam a iniquidade própria; e acusavam-nO de ser a causa de
todas as angústias que lhes tinham sobrevindo em consequência de seus pecados.
Posto que soubessem não ter Ele pecado, declararam que Sua morte era necessária
para a segurança deles como nação. “Se O deixarmos assim”, disseram os chefes
dos judeus, “todos crerão nEle, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso
lugar e a nação.” João 11:48. Se Cristo fosse sacrificado, eles poderiam uma
vez mais se tornar um povo forte, unido. Assim raciocinavam, e concordavam com
a decisão de seu sumo sacerdote de que seria melhor morrer um homem do que
perecer toda a nação.
Assim os dirigentes judeus edificaram
a “Sião com sangue, e a Jerusalém com injustiça.” E além disso, ao mesmo tempo
em que mataram seu Salvador porque lhes reprovava os pecados, tal era a sua
justiça própria que se consideravam como o povo favorecido de Deus, e esperavam
que o Senhor os livrasse dos inimigos. “Portanto”, continuou o profeta, “por
causa de vós, Sião será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará em
montões de pedras, e o monte desta casa em lugares altos dum bosque.” Miquéias
3:12.
Durante quase quarenta anos depois
que a condenação de Jerusalém fora pronunciada por Cristo mesmo, retardou o
Senhor os Seus juízos sobre a cidade e nação. Maravilhosa foi a longanimidade
de Deus para com os que Lhe rejeitaram o evangelho e assassinaram o Filho. A
parábola da árvore infrutífera representava o trato de Deus para com a nação
judaica. Fora dada a ordem: “Corta-a; por que ocupa ainda a terra inutilmente?”
Lucas 13:7. Mas a misericórdia divina poupara-a ainda um pouco de tempo. Muitos
havia ainda entre os judeus que eram ignorantes quanto ao caráter e obra de
Cristo. E os filhos não haviam gozado das oportunidades nem recebido a luz que
seus pais tinham desprezado. Mediante a pregação dos apóstolos e de seus
cooperadores, Deus faria com que a luz resplandecesse sobre eles; ser-lhes-ia
permitido ver como a profecia se cumprira, não somente no nascimento e vida de
Cristo, mas também em Sua morte e ressurreição. Os filhos não foram condenados
pelos pecados dos pais; quando, porém, conhecedores de toda a luz dada a seus
pais, os filhos rejeitaram mesmo a que lhes fora concedida a mais, tornaram-se
participantes dos pecados daqueles e encheram a medida de sua iniquidade.
A longanimidade de Deus para com
Jerusalém apenas confirmou os judeus em sua obstinada impenitência. Em seu ódio
e crueldade para com os discípulos de Jesus, rejeitaram o último oferecimento
de misericórdia. Afastou Deus então deles a proteção, retirando o poder com que
restringia a Satanás e seus anjos, de maneira que a nação ficou sob o controle
do chefe que haviam escolhido. Seus filhos tinham desdenhado a graça de Cristo,
que os teria habilitado a subjugar seus maus impulsos, e agora estes se
tornaram os vencedores. Satanás suscitou as mais violentas e vis paixões da
alma. Os homens não raciocinavam; achavam-se fora da razão, dirigidos pelo
impulso e cega raiva. Tornaram-se satânicos em sua crueldade. Na família e na
sociedade, entre as mais altas como entre as mais baixas classes, havia
suspeita, inveja, ódio, contenda, rebelião, assassínio. Não havia segurança em
parte alguma. Amigos e parentes traíam-se mutuamente. Pais matavam aos filhos,
e filhos aos pais. Os príncipes do povo não tinham poder para governar-se.
Desenfreadas paixões faziam-nos tiranos. Os judeus haviam aceitado falso
testemunho para condenar o inocente Filho de Deus. Agora as falsas acusações
tornavam insegura sua própria vida. Pelas suas ações durante muito tempo tinham
estado a dizer: “Fazei que deixe de estar o Santo de Israel perante nós.”
Isaías 30:11. Agora seu desejo foi satisfeito. O temor de Deus não mais os
perturbaria. Satanás estava à frente da nação e as mais altas autoridades civis
e religiosas estavam sob o seu domínio.
Os chefes das facções oponentes
por vezes se uniam para saquear e torturar suas desgraçadas vítimas, e
novamente caíam sobre as forças uns dos outros, fazendo impiedosa matança.
Mesmo a santidade do templo não lhes refreava a horrível ferocidade. Os
adoradores eram assassinados diante do altar, e o santuário contaminava-se com
corpos de mortos. No entanto, em sua cega e blasfema presunção, os instigadores
desta obra infernal publicamente declaravam que não tinham receio de que
Jerusalém fosse destruída, pois era a própria cidade de Deus. A fim de
estabelecer mais firmemente seu poder, subornaram profetas falsos para proclamar,
mesmo enquanto as legiões romanas estavam sitiando o templo, que o povo devia
aguardar o livramento de Deus. Afinal, as multidões apegaram-se firmemente à
crença de que o Altíssimo interviria para a derrota de seus adversários.
Israel, porém, havia desdenhado a proteção divina, e agora não tinha defesa.
Infeliz Jerusalém! despedaçada por dissensões internas, com o sangue de seus
filhos, mortos pelas mãos uns dos outros, a tingir de carmesim suas ruas,
enquanto hostis exércitos estrangeiros derribavam suas fortificações e lhes
matavam os homens de guerra!
Todas as predições feitas por
Cristo relativas à destruição de Jerusalém cumpriram-se à letra. Os judeus
experimentaram a verdade de Suas palavras de advertência: “Com a medida com que
tiverdes medido, vos hão de medir a vós.” Mateus 7:2.
Apareceram sinais e prodígios,
prenunciando desastre e condenação. Ao meio da noite, uma luz sobrenatural
resplandeceu sobre o templo e o altar. Sobre as nuvens, ao pôr-do-sol,
desenhavam-se carros e homens de guerra reunindo-se para a batalha. Os
sacerdotes que ministravam à noite no santuário, aterrorizavam-se com sons
misteriosos; a terra tremia e ouvia-se multidão de vozes a clamar: “Partamos
daqui!” A grande porta oriental, tão pesada que dificilmente podia ser fechada
por uns vinte homens, e que se achava segura por imensas barras de ferro fixas
profundamente no pavimento de pedra sólida, abriu-se à meia-noite, independente
de qualquer agente visível. — História dos Judeus, de Milman, livro 13.
Durante sete anos um homem esteve
a subir e descer as ruas de Jerusalém, declarando as desgraças que deveriam
sobrevir à cidade. De dia e de noite cantava ele funebremente: “Uma voz do
Oriente, uma voz do Ocidente, uma voz dos quatro ventos! uma voz contra
Jerusalém e contra o templo! uma voz contra os noivos e as noivas! uma voz
contra o povo!” — Ibidem. Este ser estranho foi preso e açoitado, mas nenhuma
queixa lhe escapou dos lábios. Aos insultos e maus-tratos respondia somente:
“Ai! ai de Jerusalém!” “Ai! ai dos habitantes dela!” Seu clamor de aviso não
cessou senão quando foi morto no cerco que havia predito.
Nenhum cristão pereceu na
destruição de Jerusalém. Cristo fizera a Seus discípulos o aviso, e todos os
que creram em Suas palavras aguardaram o sinal prometido. “Quando virdes
Jerusalém cercada de exércitos”, disse Jesus, “sabei que é chegada a sua
desolação. Então, os que estiverem na Judéia, fujam para os montes; os que
estiverem no meio da cidade, saiam.” Lucas 21:20, 21. Depois que os romanos,
sob Céstio, cercaram a cidade, inesperadamente abandonaram o cerco quando tudo
parecia favorável a um ataque imediato. Os sitiados, perdendo a esperança de
poder resistir, estavam a ponto de se entregar, quando o general romano retirou
suas forças sem a mínima razão aparente. Entretanto, a misericordiosa
providência de Deus estava dirigindo os acontecimentos para o bem de Seu
próprio povo. O sinal prometido fora dado aos cristãos expectantes, e agora se
proporcionou a todos oportunidade para obedecer ao aviso do Salvador. Os acontecimentos
foram encaminhados de tal maneira que nem judeus nem romanos impediriam a fuga
dos cristãos. Com a retirada de Céstio, os judeus, fazendo uma surtida de
Jerusalém, foram ao encalço de seu exército que se afastava; e, enquanto ambas
as forças estavam assim completamente empenhadas em luta, os cristãos tiveram
ensejo de deixar a cidade. Nesta ocasião o território também se havia
desembaraçado de inimigos que poderiam ter-se esforçado para lhes interceptar a
passagem. Na ocasião do cerco os judeus estavam reunidos em Jerusalém para
celebrar a festa dos Tabernáculos, e assim os cristãos em todo o país puderam
escapar sem ser molestados. Imediatamente fugiram para um lugar de segurança —
a cidade de Pela, na terra de Peréia, além do Jordão.
As forças judaicas, perseguindo a
Céstio e seu exército, caíram sobre sua retaguarda com tal ferocidade que o
ameaçaram de destruição total. Foi com grande dificuldade que os romanos
conseguiram efetuar a retirada. Os judeus escaparam quase sem perdas, e com seus
despojos voltaram em triunfo para Jerusalém. No entanto este êxito aparente
apenas lhes acarretou males. Inspirou-lhes aquele espírito de pertinaz
resistência aos romanos, que celeremente trouxe indescritível desgraça sobre a
cidade sentenciada.
Terríveis foram as calamidades
que caíram sobre Jerusalém quando o cerco foi reassumido por Tito. A cidade foi
assaltada na ocasião da Páscoa, quando milhões de judeus estavam reunidos
dentro de seus muros. Suas provisões de víveres, que a serem cuidadosamente preservadas
teriam suprido os habitantes durante anos, tinham sido previamente destruídas
pela rivalidade e vingança das facções contendoras, e agora experimentaram
todos os horrores da morte à fome. Uma medida de trigo era vendida por um
talento. Tão atrozes eram os transes da fome que homens roíam o couro de seus
cinturões e sandálias, e a cobertura de seus escudos. Numerosas pessoas saíam
da cidade à noite, furtivamente, para apanhar plantas silvestres que cresciam
fora dos muros da cidade, se bem que muitos fossem agarrados e mortos com
severas torturas; e muitas vezes os que voltavam em segurança eram roubados
naquilo que haviam rebuscado com tão grande perigo. As mais desumanas torturas
eram infligidas pelos que se achavam no poder, a fim de extorquir do povo
atingido pela necessidade os últimos e escassos suprimentos que poderiam ter
escondido. E tais crueldades eram frequentemente praticadas por homens que se
achavam, aliás, bem alimentados, e que simplesmente estavam desejosos de
acumular um depósito de provisões para o futuro.
Milhares pereceram pela fome e
pela peste. A afeição natural parecia ter desaparecido. Maridos roubavam de sua
esposa, e esposas de seu marido. Viam-se filhos arrebatar o alimento da boca de
seus pais idosos. A pergunta do profeta: “Pode uma mulher esquecer-se tanto de
seu filho que cria?” (Isaías 49:15) recebeu dentro dos muros da cidade
condenada, a resposta: “As mãos das mulheres piedosas cozeram os próprios
filhos; serviram-lhes de alimento na destruição da filha de Meu povo.”
Lamentações 4:10. Novamente se cumpriu a profecia de aviso, dada catorze
séculos antes: “E quanto à mulher mais mimosa e delicada entre ti, que de mimo
e delicadeza nunca tentou pôr a planta de seu pé sobre a terra, será maligno o
seu olho contra o homem de seu regaço, e contra seu filho, e contra sua filha;
... e por causa de seus filhos que tiver; porque os comerá às escondidas pela
falta de tudo, no cerco e no aperto com que o teu inimigo te apertará nas tuas
portas.” Deuteronômio 28:56, 57.
Os chefes romanos esforçaram-se
por infundir terror aos judeus, e assim fazê-los render-se. Os prisioneiros que
resistiam ao cair presos, eram açoitados, torturados e crucificados diante do
muro da cidade. Centenas eram diariamente mortos desta maneira, e essa horrível
obra prolongou-se até que ao longo do vale de Josafá e no Calvário se erigiram
cruzes em tão grande número que mal havia espaço para mover-se entre elas. De
tão terrível maneira foi castigada aquela espantosa maldição proferida perante
o tribunal de Pilatos: “O Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.”
Mateus 27:25.
Tito, de boa vontade, teria posto
termo à terrível cena, poupando assim a Jerusalém da medida completa de sua
condenação. Ele se enchia de terror ao ver os corpos jazendo aos montes nos
vales. Como alguém que estivesse em êxtase, olhava ele do cimo do Monte das
Oliveiras ao templo magnificente, e deu ordem para que nenhuma de suas pedras
fosse tocada. Antes de tentar ganhar posse desta fortaleza, fez ardente apelo
aos chefes judeus para não o forçarem a profanar com sangue o lugar sagrado. Se
saíssem e combatessem em outro local, nenhum romano violaria a santidade do
templo. O próprio Josefo, com apelo eloquentíssimo, suplicou que se rendessem,
para se salvarem a si, a sua cidade e seu lugar de culto. Suas palavras, porém,
foram respondidas com pragas amargas. Lançaram-se dardos contra ele, que era
seu último mediador humano, enquanto persistia em instar com eles. Os judeus
haviam rejeitado os rogos do Filho de Deus e agora as advertências e rogos
apenas os tornavam mais decididos a resistir até o último ponto. Nulos foram os
esforços de Tito para salvar o templo; Alguém, maior do que ele, declarara que
não ficaria pedra sobre pedra.
A cega obstinação dos chefes dos
judeus e os abomináveis crimes perpetrados dentro da cidade sitiada, excitaram
o horror e a indignação dos romanos, e Tito finalmente se decidiu a tomar o
templo de assalto. Resolveu, contudo, que, sendo possível, deveria o mesmo ser
salvo da destruição. Mas suas ordens foram desatendidas. Depois que ele se
retirara para a sua tenda à noite, os judeus, saindo repentinamente do templo,
atacaram fora os soldados. Na luta, um soldado arremessou um facho através de
uma abertura no pórtico, e imediatamente as salas revestidas de cedro, em redor
da casa sagrada, se acharam em chamas.
Tito precipitou-se para o local,
seguido de seus generais e legionários, e ordenou aos soldados que apagassem as
labaredas. Suas palavras não foram atendidas. Em sua fúria, os soldados
lançaram tochas ardentes nas salas contíguas ao templo, e com a espada
assassinavam em grande número os que ali tinham procurado refúgio. O sangue
corria como água pelas escadas do templo abaixo. Milhares e milhares de judeus
pereceram. Acima do ruído da batalha, ouviam-se vozes bradando: “Icabode!” —
foi-se a glória.
Tito achou impossível sustar a
fúria da soldadesca; entrou com seus oficiais e examinou o interior do edifício
sagrado. O esplendor encheu-os de admiração; e, como as chamas não houvessem
ainda penetrado no lugar santo, fez um último esforço para salvá-lo; e,
apresentando-se-lhes repentinamente, de novo exortou os soldados a deterem a
marcha da conflagração. O centurião Liberalis esforçou-se por impor obediência
a seu estado maior; mas o próprio respeito para com o imperador cedeu lugar à
furiosa animosidade contra os judeus, ao excitamento feroz da batalha, e à
esperança insaciável do saque. Os soldados viam tudo em redor deles
resplandecendo de ouro, que fulgurava deslumbrantemente à luz sinistra das
chamas; supunham que incalculáveis tesouros estivessem acumulados no santuário.
Um soldado, sem ser percebido, arrojou uma tocha acesa por entre os gonzos da
porta: o edifício todo em um momento ficou em chamas. O denso fumo e o fogo
obrigaram os oficiais a retirar-se, e o nobre edifício foi abandonado à sua
sorte.
“Era um espetáculo pavoroso aos
romanos; e que seria ele para os judeus? Todo o cimo da colina que dominava a
cidade, chamejava como um vulcão. Um após outro caíram os edifícios, com
tremendo fragor, e foram absorvidos pelo ígneo abismo. Os tetos de cedro
assemelhavam-se a lençóis de fogo; os pináculos dourados resplandeciam como
pontas de luz vermelha; as torres dos portais enviavam para cima altas colunas
de chama e fumo. As colinas vizinhas se iluminavam; e grupos obscuros de
pessoas foram vistas a observar com horrível ansiedade a marcha da destruição;
os muros e pontos elevados da cidade alta ficaram repletos de rostos, alguns
pálidos, com a agonia do desespero, outros com expressão irada, a ameaçar uma
vingança inútil. As aclamações da soldadesca romana, enquanto corriam de uma
para outra parte, e o gemido dos rebeldes que estavam perecendo nas chamas,
misturavam-se com o rugido da conflagração e o rumor trovejante do madeiramento
que caía. Os ecos das montanhas respondiam ou traziam de volta os gritos do
povo nos pontos elevados; ao longo de todo o muro ressoavam alaridos e prantos;
homens que estavam a expirar pela fome reuniam sua força restante para proferir
um grito de angústia e desolação.
“O morticínio, do lado de dentro,
era até mais terrível do que o espetáculo visto fora. Homens e mulheres, velhos
e moços, rebeldes e sacerdotes, os que combatiam e os que imploravam
misericórdia, eram retalhados em indiscriminada carnificina. O número de mortos
excedeu ao dos matadores. Os legionários tiveram de trepar sobre os montes de
cadáveres para prosseguir na obra de extermínio.” — História dos Judeus, de
Milman, livro 16.
Depois da destruição do templo, a
cidade inteira logo caiu nas mãos dos romanos. Os chefes dos judeus abandonaram
as torres inexpugnáveis, e Tito as achou desertas. Contemplou-as com espanto e
declarou que Deus lhas havia entregue em suas mãos; pois engenho algum, ainda
que poderoso, poderia ter prevalecido contra aquelas estupendas ameias. Tanto a
cidade como o templo foram arrasados até aos fundamentos, e o terreno em que se
erguia a casa sagrada foi lavrado como um campo. Jeremias 26:18. No cerco e
morticínio que se seguiram, pereceram mais de um milhão de pessoas; os
sobreviventes foram levados como escravos, como tais vendidos, arrastados a
Roma para abrilhantar a vitória do vencedor, lançados às feras nos anfiteatros,
ou dispersos por toda a Terra como vagabundos sem lar.
Os judeus haviam forjado seus
próprios grilhões; eles mesmos encheram a taça da vingança. Na destruição
completa que lhes sobreveio como nação, e em todas as desgraças que os
acompanharam depois de dispersos, não estavam senão recolhendo a colheita que
suas próprias mãos semearam. Diz o profeta: “Para tua perda, ó Israel, te
rebelaste contra Mim”, “pelos teus pecados tens caído.” Oséias 13:9; 14:1. Seus
sofrimentos são muitas vezes representados como sendo castigo a eles infligido
por decreto direto da parte de Deus. É assim que o grande enganador procura
esconder sua própria obra. Pela obstinada rejeição do amor e misericórdia
divina, os judeus fizeram com que a proteção de Deus fosse deles retirada, e
permitiu-se a Satanás dirigi-los segundo a sua vontade. As horríveis crueldades
executadas na destruição de Jerusalém são uma demonstração do poder vingador de
Satanás sobre os que se rendem ao seu controle.
Não podemos saber quanto devemos
a Cristo pela paz e proteção de que gozamos. É o poder de Deus que impede que a
humanidade passe completamente para o domínio de Satanás. Os desobedientes e
ingratos têm grande motivo de gratidão pela misericórdia e longanimidade de
Deus, que contém o cruel e pernicioso poder do maligno. Quando, porém, os
homens passam os limites da clemência divina, a restrição é removida. Deus não
fica em relação ao pecador como executor da sentença contra a transgressão; mas
deixa entregues a si mesmos os que rejeitam Sua misericórdia, para colherem
aquilo que semearam. Cada raio de luz rejeitado, cada advertência desprezada ou
desatendida, cada paixão contemporizada, cada transgressão da lei de Deus, é
uma semente lançada, a qual produz infalível colheita. O Espírito de Deus,
persistentemente resistido, é afinal retirado do pecador, e então poder algum
permanece para dominar as más paixões da alma, e nenhuma proteção contra a
maldade e inimizade de Satanás. A destruição de Jerusalém constitui tremenda e
solene advertência a todos os que estão tratando levianamente com os
oferecimentos da graça divina e resistindo aos rogos da misericórdia de Deus.
Jamais foi dado um testemunho mais decisivo do ódio ao pecado por parte de
Deus, e do castigo certo que recairá sobre o culpado.
A profecia do Salvador relativa
aos juízos que deveriam cair sobre Jerusalém há de ter outro cumprimento, do
qual aquela terrível desolação não foi senão tênue sombra. Na sorte da cidade
escolhida podemos contemplar a condenação de um mundo que rejeitou a
misericórdia de Deus e calcou a pés a Sua lei. Tenebrosos são os registros da
miséria humana que a Terra tem testemunhado durante seus longos séculos de
crime. Ao contemplá-los confrange-se o coração e o espírito desfalece.
Terríveis têm sido os resultados da rejeição da autoridade do Céu. Entretanto,
cena ainda mais tenebrosa se apresenta nas revelações do futuro. Os registros do
passado — o longo cortejo de tumultos, conflitos e revoluções, a “armadura
daqueles que pelejavam com ruído, e os vestidos que rolavam no sangue” (Isaías
9:5) — que são, em contraste com os terrores daquele dia em que o Espírito de
Deus será totalmente retirado dos ímpios, não mais contendo a explosão das
paixões humanas e ira satânica! O mundo contemplará então, como nunca dantes,
os resultados do governo de Satanás.
Mas naquele dia, bem como na
ocasião da destruição de Jerusalém, livrar-se-á o povo de Deus, “todo aquele
que estiver inscrito entre os vivos.” Isaías 4:3. Cristo declarou que virá a
segunda vez para reunir a Si os Seus fiéis: “E todas as tribos da Terra se
lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e
grande glória. E Ele enviará os Seus anjos com rijo clamor de trombeta, os
quais ajuntarão os Seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma a outra
extremidade dos céus.” Mateus 24:30, 31. Então os que não obedecem ao evangelho
serão consumidos pelo espírito de Sua boca, e serão destruídos com o resplendor
de Sua vinda. 2 Tessalonicenses 2:8. Como o antigo Israel, os ímpios
destroem-se a si mesmos; caem pela sua iniquidade. Em consequência de uma vida
de pecados, colocaram-se tão fora de harmonia com Deus, sua natureza se tornou
tão aviltada com o mal, que a manifestação da glória divina é para eles um fogo
consumidor.
Acautelem-se os homens para que
não aconteça negligenciarem a lição que lhes é comunicada pelas palavras de
Cristo. Assim como Ele preveniu Seus discípulos quanto à destruição de
Jerusalém, dando-lhes um sinal da ruína que se aproximava para que pudessem
escapar, também advertiu o mundo quanto ao dia da destruição final, e lhes deu
sinais de sua aproximação para que todos os que queiram, possam fugir da ira
vindoura. Declara Jesus: “E haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas; e na
Terra angústia das nações.” Lucas 21:25; Mateus 24:29; Marcos 13:24-26;
Apocalipse 6:12-17. Os que contemplam estes prenúncios de Sua vinda, devem
saber que “está próximo, às portas.”
Mateus 24:33. Vigiai, pois (Marcos 13:35), são Suas palavras de advertência. Os
que atendem ao aviso não serão deixados em trevas, para que aquele dia os
apanhe desprevenidos. Mas aos que não vigiarem, “o dia do Senhor virá como o
ladrão de noite.” 1 Tessalonicenses 5:2.
O mundo não está mais preparado
para dar crédito à mensagem para este tempo do que estiveram os judeus para
receber o aviso do Salvador, relativo a Jerusalém. Venha quando vier, o dia do
Senhor virá de improviso aos ímpios. Correndo a vida sua rotina invariável;
encontrando-se os homens absortos nos prazeres, negócios, comércio e ambição de
ganho; estando os dirigentes do mundo religioso a engrandecer o progresso e
ilustração do mundo, e achando-se o povo embalado em uma falsa segurança,
então, como o ladrão à meia-noite rouba na casa que não é guardada, sobrevirá
repentina destruição aos descuidados e ímpios, e “de nenhum modo escaparão”. 1 Tessalonicenses 5:3-5.
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