Capítulo 45 — A queda de Jericó
Este capítulo é baseado em Josué
5:13-15; 6; 7.
Os hebreus tinham entrado em
Canaã, mas não a haviam sujeitado; e quanto às aparências humanas, a luta para
obterem posse da terra deveria ser longa e difícil. Era habitada por uma raça
poderosa, que se encontrava pronta para opor-se à invasão de seu território. As
várias tribos se achavam coligadas pelo receio de um perigo comum. Seus cavalos
e férreos carros de batalha, seu conhecimento do território, e seu adestramento
na guerra dar-lhes-iam grande vantagem. Além disso, o território era guardado
por fortalezas — “cidades grandes, e muradas até aos céus”. Deuteronômio 9:1.
Unicamente na certeza de uma força que não lhes era própria, poderiam os
israelitas esperar êxito no conflito que estava iminente.
Uma das mais poderosas fortalezas
da Terra — a grande e rica cidade de Jericó — encontrava-se precisamente diante
deles, a pouca distância apenas de seu acampamento em Gilgal. Nas bordas de uma
planície fértil, abundante de ricas e variadas produções tropicais, com seus
palácios e templos como habitação de luxo e do vício, apresentava esta
orgulhosa cidade, por trás de suas sólidas muralhas, desafio ao Deus de Israel.
Jericó era uma das principais sedes do culto idólatra, sendo dedicada
especialmente a Astarote, a deusa da Lua. Ali se centralizava tudo que era mais
vil e degradante na religião dos cananeus. O povo de Israel, em cuja mente se
achavam frescas as lembranças dos resultados terríveis de seu pecado em Bete-Peor,
apenas poderia olhar para esta cidade gentílica com repugnância e horror.
Submeter Jericó era considerado
por Josué o primeiro passo na conquista de Canaã. Mas antes de tudo procurou
certeza de guia divina; e esta lhe foi concedida. Retirando-se do acampamento a
fim de meditar e orar para que o Deus de Israel fosse adiante de Seu povo, viu
um guerreiro armado, de grande estatura e presença imponente, “que tinha na mão
uma espada nua.” À intimação de Josué: “És tu dos nossos, ou dos nossos
inimigos?” deu-se esta resposta: “Venho agora como Príncipe do Senhor.” A mesma
ordem dada a Moisés em Horebe: “Descalça os sapatos de teus pés, porque o lugar
em que estás é santo” (Josué 5:13-15), revelou o verdadeiro caráter do estranho
misterioso. Era Cristo, o exaltado Ser, que estava em pé diante do chefe de
Israel. Tomado de assombro, Josué caiu sobre seu rosto e adorou; e ouviu esta
segurança: “Tenho dado na tua mão a Jericó e ao seu rei, os seus valentes e valorosos”
(Josué 6:2); e recebeu instruções para a tomada da cidade.
Em obediência à ordem divina
Josué arregimentou os exércitos de Israel. Nenhum assalto se deveria fazer.
Apenas deviam fazer o circuito da cidade, levando a arca de Deus, e tocando trombetas.
Em primeiro lugar iam os guerreiros, uma corporação de homens escolhidos, não
para fazer agora a conquista pela sua própria habilidade e proeza, mas pela
obediência às orientações a eles dadas por Deus. Seguiam-se sete sacerdotes com
trombetas. Então a arca de Deus, rodeada de uma auréola de glória divina, era
levada pelos sacerdotes vestidos nos trajes que denotavam seu sagrado ofício.
Seguia-se o exército de Israel, estando cada tribo sob a sua bandeira. Tal foi
o cortejo que circundou a cidade condenada. Nenhum som se ouvia a não ser o
tropel daquela grande hoste e o estrondo solene das trombetas, ecoando pelas
colinas, e ressoando através das ruas de Jericó. Concluído o circuito, o
exército voltou em silêncio às suas tendas, e a arca foi de novo posta em seu
lugar no tabernáculo.
Admiradas e alarmadas, as
sentinelas da cidade notavam cada movimento, e o referiam às autoridades. Não
sabiam a significação de toda esta manifestação; mas, quando viram aquela
potente hoste a marchar em redor de sua cidade uma vez em cada dia, juntamente
com a arca sagrada e os sacerdotes assistentes, o mistério da cena aterrorizou
o coração de sacerdotes e povo. De novo inspecionaram suas fortes defesas,
sentindo-se certos de que poderiam com êxito resistir ao mais poderoso ataque.
Muitos punham a ridículo a ideia de que qualquer mal lhes pudesse advir por
meio daquelas singulares demonstrações. Outros estavam aterrados contemplando o
séquito que cada dia volteava a cidade. Lembravam-se de que o Mar Vermelho uma
vez se abrira perante este povo, e que acabava de se lhes abrir uma passagem
pelo rio Jordão. Não sabiam que mais prodígios Deus poderia operar por eles.
Durante seis dias, a hoste de
Israel fez o circuito da cidade. Veio o sétimo dia, e com o primeiro alvor da manhã,
Josué arregimentou os exércitos do Senhor. Determinou-se-lhes agora marchar
sete vezes em redor de Jericó, e a um forte estrondo das trombetas dar uma
aclamação em alta voz, pois Deus lhes havia entregue a cidade.
O vasto exército marchou
solenemente em redor das condenadas muralhas. Tudo estava em silêncio — apenas
o passo cadenciado de muitos pés, e o som ocasional da trombeta, rompiam a
quietude das primeiras horas da manhã. Os sólidos muros de pedra maciça
pareciam desafiar o cerco dos homens. Os vigias sobre os muros olhavam com
temor crescente, quando, ao terminar o primeiro circuito, seguiu-se um segundo,
então um terceiro, quarto, quinto, sexto. Qual poderia ser o objetivo desses
movimentos misteriosos? Que grande acontecimento se achava iminente? Não
tiveram muito tempo a esperar. Completando-se a sétima volta, deteve-se a longa
procissão. As trombetas, que durante um intervalo estiveram silenciosas,
prorrompem agora em um som que sacode a própria terra. As muralhas de pedra
sólida, com suas torres e seteiras maciças, cambaleiam e levantam-se de seus
fundamentos, e com fragor caem em ruínas por terra. Os habitantes de Jericó
ficam paralisados de terror, e as hostes de Israel entram e tomam posse da
cidade.
Os israelitas não haviam ganho a
vitória pela sua própria força; a conquista fora inteiramente do Senhor; e,
como as primícias da terra, a cidade, com tudo que continha, deveria ser votada
como sacrifício a Deus. Israel devia impressionar-se com o fato de que na
conquista de Canaã não deveriam combater por si mesmos, mas simplesmente como
instrumentos para executarem a vontade de Deus; não para buscarem riquezas ou
exaltação própria, mas a glória de Jeová, o seu Rei. Antes da tomada havia sido
dada esta ordem: “A cidade será anátema ao Senhor, ela e tudo quanto houver
nela”. “Guardai-vos do anátema, para que vos não metais em anátema [...] e
assim façais maldito o arraial de Israel, e o turbeis”. Josué 6:17, 18.
Todos os habitantes da cidade,
com todo o ser vivo que nela se continha, “desde o homem até à mulher, desde o
menino até ao velho, e até ao boi e gado miúdo, e ao jumento”, passaram ao fio
da espada. Apenas a fiel Raabe, com sua casa, foi poupada, em cumprimento da
promessa dos espias. A cidade foi queimada; seus palácios e templos, suas magnificentes
moradas com todos os seus luxuosos pertences, ricas cortinas e custosos
vestuários, foram entregues às chamas. Aquilo que não pôde ser destruído pelo
fogo, “a prata, e o ouro, e os vasos de metal, e de ferro”, foi dedicado ao
serviço do tabernáculo. O próprio local da cidade foi maldito; Jericó nunca
deveria ser reconstruída como fortaleza; ameaçaram-se juízos sobre qualquer que
pretendesse restabelecer os muros que o poder divino havia derribado. Esta
solene declaração foi feita na presença de todo o Israel: “Maldito diante do
Senhor seja o homem que se levantar e reedificar esta cidade de Jericó;
perdendo o seu primogênito a fundará, e sobre seu filho mais novo lhe porá as
portas”. Josué 6:21, 24, 26.
A destruição total do povo de
Jericó não era senão um cumprimento das ordens previamente dadas por intermédio
de Moisés, concernentes aos habitantes de Canaã: “Quando [...] o Senhor Deus as
tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás.” “Das cidades
destas nações [...] nenhuma coisa que tem fôlego deixarás com vida”.
Deuteronômio 7:2; 20:16. Para muitos estas ordens parecem ser contrárias ao
espírito de amor e misericórdia estipulado em outras partes da Bíblia; mas eram
na verdade os ditames da sabedoria e bondade infinitas. Deus estava para
estabelecer Israel em Canaã, desenvolver entre eles uma nação e governo que
fossem uma manifestação de Seu reino na Terra. Não somente deveriam ser os
herdeiros da verdadeira religião, mas deveriam disseminar seus princípios por
todo o mundo. Os cananeus haviam-se entregado ao mais detestável e aviltante
paganismo; e era necessário que a terra fosse limpa daquilo que de maneira tão
certa impediria o cumprimento dos graciosos propósitos de Deus.
Aos habitantes de Canaã havia
sido concedida ampla oportunidade para o arrependimento. Quarenta anos antes, a
abertura do Mar Vermelho e os juízos sobre o Egito haviam testificado do poder
supremo do Deus de Israel. E agora a destruição dos reis de Midiã, de Gileade e
Basã, tinha ainda mostrado que Jeová era superior a todos os deuses. A
santidade de Seu caráter e Sua aversão à impureza haviam sido demonstradas nos
juízos que recaíram sobre Israel pela sua participação nos ritos abomináveis de
Baal-Peor. Todos estes fatos eram conhecidos dos habitantes de Jericó, e muitos
havia que participavam da convicção de Raabe, embora se recusassem a obedecer à
mesma, convicção esta de que o Deus de Israel “é Deus em cima nos Céus e
embaixo na Terra”. Semelhantes aos homens antediluvianos, os cananeus apenas
viviam para blasfemar do Céu e contaminar a Terra. E tanto o amor como a
justiça exigiam a imediata execução destes rebeldes a Deus, e adversários do
homem.
Quão facilmente os exércitos do
Céu derribaram os muros de Jericó, daquela cidade orgulhosa, cujos baluartes,
quarenta anos antes, tinham lançado pânico aos espias incrédulos! O Poderoso de
Israel havia dito: “Tenho dado na tua mão a Jericó.” Contra aquela palavra, a
força humana era impotente.
“Pela fé caíram os muros de
Jericó”. Hebreus 11:30. O Capitão do exército do Senhor comunicou-Se apenas com
Josué; Ele não Se revelou a toda a congregação, e tocava a esta crer nas
palavras de Josué ou duvidar das mesmas, obedecer às ordens por ele dadas em
nome do Senhor, ou negar-lhe a autoridade. Não podiam ver a hoste de anjos que os acompanhava sob a chefia do
Filho de Deus. Poderiam ter raciocinado: “Que movimentos sem significação são
esses, e quão ridícula é a realização de uma marcha diária em torno dos muros
da cidade, tocando trombetas de chifres de carneiro! Isto não pode ter efeito
algum sobre aquelas proeminentes fortificações.” Mas o próprio plano de
continuar esta cerimônia durante tanto tempo antes da subversão final dos
muros, proporcionou oportunidade para o desenvolvimento da fé entre os
israelitas. Deveriam impressionar-se com o fato de que sua força não estava na
sabedoria do homem, nem em seu poder, mas unicamente no Deus de sua salvação.
Deviam assim acostumar-se a depositar inteira confiança em seu divino Líder.
Deus fará grandes coisas por
aqueles que nEle confiam. A razão pela qual Seu povo professo não tem maior
força, é que confiam tanto em sua própria sabedoria, e não dão ao Senhor
oportunidade para revelar Seu poder em favor deles. Ele auxiliará os Seus
filhos crentes em toda a emergência, se nEle puserem toda a confiança, e
fielmente Lhe obedecerem.
Logo depois da queda de Jericó,
Josué decidiu atacar Ai, pequena cidade entre barrancos a poucos quilômetros ao
oeste do vale do Jordão. Espias enviados àquele lugar trouxeram a notícia de
que poucos eram os habitantes, e que unicamente uma pequena força seria
necessária para vencê-la.
A grande vitória que Deus lhes
havia ganho, tornara os israelitas confiantes em si mesmos. Porque Ele lhes
tivesse prometido a terra de Canaã, achavam-se livres de perigo, e deixaram de
compenetrar-se de que só o auxílio divino lhes poderia dar êxito. Mesmo Josué
fez seus planos para a conquista de Ai, sem procurar conselho da parte de Deus.
Os israelitas tinham começado a
exaltar sua própria força, e a olhar com desdém para os seus adversários.
Esperava-se uma vitória fácil, e acharam-se suficientes três mil homens para
tomarem o lugar. Arremessaram-se ao ataque sem a segurança de que Deus estaria
com eles. Avançaram quase até às portas da cidade, apenas para encontrarem a
mais decidida resistência. Tomados de pânico ante o número e completo preparo
de seus inimigos, fugiram em confusão pela escarpada descida abaixo. Os
cananeus puseram-se em feroz perseguição; “seguiram-nos desde a porta. [...] e
feriram-nos na descida”. Posto que a perda fosse pequena quanto ao número,
tendo sido mortos apenas trinta e seis homens, foi a derrota desanimadora para
toda a congregação. “O coração do povo se derreteu e se tornou como água.” Esta
foi a primeira vez que se defrontaram com os cananeus em combate efetivo; e, se
foram postos em fuga diante dos defensores desta pequena cidade, qual seria o
resultado nos maiores conflitos que se achavam perante eles? Josué encarou o
mau êxito como expressão do desagrado de Deus, e, angustiosamente,
apreensivamente, “rasgou os seus vestidos, e se prostrou em terra sobre o seu
rosto perante a arca do Senhor até a tarde, ele e os anciãos de Israel, e
deitaram pó sobre as suas cabeças”.
“Ah Senhor Jeová!” exclamou ele,
“por que, com efeito, fizeste passar a este povo o Jordão, para nos dares nas
mãos dos amorreus, para nos fazerem perecer? [...] Ah Senhor! que direi? pois
Israel virou as costas diante dos seus inimigos! Ouvindo isto, os cananeus e
todos os moradores da terra nos cercarão e desarraigarão o nosso nome da terra;
e então que farás ao Teu grande nome?”
A resposta de Jeová foi:
“Levanta-te; por que estás prostrado assim sobre o teu rosto? Israel [...]
transgrediu o Meu concerto que lhes tinha ordenado.” Era este um momento para
ação pronta e decidida, e não para desespero e lamentação. Havia pecado secreto
no acampamento, e este devia ser descoberto e removido, antes que a presença e
a bênção do Senhor pudessem estar com o Seu povo. “Não serei mais convosco, se
não desarraigardes o anátema do meio de vós.”
A ordem de Deus tinha sido
desatendida por um dos encarregados de executar Seus juízos. E a nação foi
considerada responsável pelo crime do transgressor: “Tomaram do anátema, e
também furtaram, e também mentiram.” Deram-se instruções a Josué para a
descoberta e castigo do criminoso. Dever-se-ia empregar a sorte para
descobri-lo. O pecador não foi diretamente indicado, ficando a questão em
dúvida por algum tempo, a fim de que o povo pudesse sentir sua responsabilidade
pelos pecados existentes entre eles, e assim fosse levado ao exame de coração,
e humilhação perante Deus.
De manhã bem cedo, Josué reuniu o
povo, “segundo as suas tribos”, e iniciou-se a cerimônia solene e
impressionante. Passo a passo prosseguiu a investigação. Mais e mais minuciosa
se tornava a terrível prova. Primeiro a tribo, depois a família, depois a casa,
a seguir o homem, foram passados pela prova, e Acã, filho de Carmi, da tribo de
Judá, foi indicado pelo dedo de Deus como o perturbador de Israel.
Para confirmar seu crime, fora de
toda a dúvida, não deixando base para a acusação de que fora condenado
injustamente, Josué, de modo solene, conjurou a Acã a reconhecer a verdade. O
miserável homem fez ampla confissão de seu crime: “Verdadeiramente pequei
contra o Senhor Deus de Israel. [...] Quando vi entre os despojos uma boa capa
babilônica, e duzentos siclos de prata, e uma cunha de ouro do peso de
cinquenta siclos, cobicei-os e tomei-os; e eis que estão escondidos na terra,
no meio da minha tenda.” Expediram-se imediatamente mensageiros para a tenda,
onde removeram a terra no lugar indicado, e “eis que tudo estava escondido na
sua tenda, e a prata debaixo dela. Tomaram pois aquelas coisas do meio da
tenda, e as trouxeram a Josué [...] e as deitaram perante o Senhor”.
Pronunciou-se a sentença, e
imediatamente foi executada. “Por que nos turbaste?” disse Josué; “o Senhor te
turbará a ti este dia.” Como o povo houvesse sido responsabilizado pelo pecado
de Acã, e tivesse sofrido pelas suas consequências, deveria, mediante seus
representantes, tomar parte no castigo àquele pecado. “Todo o Israel o
apedrejou com pedras.”
Então ergueu-se sobre ele um
grande montão de pedras — testemunho ao pecado e seu castigo. “Pelo que se
chamou o nome daquele lugar o vale de Acor”, isto é, “perturbação.” No livro
das Crônicas está escrita a sua memória: “Acar, o perturbador de Israel”. 1
Crônicas 2:7.
O pecado de Acã foi cometido em
desafio às advertências mais diretas e solenes e às mais grandiosas
manifestações do poder de Deus. “Guardai-vos do anátema, para que vos não
metais em anátema”, tinha sido a proclamação a todo o Israel. A ordem fora dada
imediatamente depois da passagem miraculosa do Jordão, e do reconhecimento do
concerto de Deus pela circuncisão do povo — após a observância da Páscoa, e o aparecimento
do Anjo do concerto, o Capitão da hoste do Senhor. A ela se seguira a subversão
de Jericó, dando provas da destruição que certo surpreenderá todos os
transgressores da lei de Deus. O fato de que somente o poder divino dera a
vitória a Israel, de que não entraram na posse de Jericó pela sua própria
força, dava um peso solene à ordem que lhes proibia participar dos despojos.
Deus, pelo poder de Sua palavra, vencera aquela fortaleza; a conquista era Sua,
e a Ele, unicamente, a cidade com todas as coisas que nela se continham devia
ser devotada.
Dentre os milhões de Israel
apenas um homem houve que, naquela hora solene de triunfo e juízo, ousara
transgredir a ordem de Deus. A cobiça de Acã foi despertada à vista daquela
custosa capa de Sinear; mesmo quando ela o levou em face da morte, ele a chamou
“uma boa capa babilônica”. Um pecado
arrastara outro, e ele se apropriou do ouro e da prata dedicados ao tesouro do
Senhor — roubou a Deus as primícias da terra de Canaã.
O mortal pecado que determinara a
ruína de Acã teve suas raízes na cobiça, um dos mais comuns e mais levianamente
considerados dentre todos os pecados. Enquanto outras faltas são descobertas e
castigadas, quão raramente apenas desperta censura a violação do décimo
mandamento. A enormidade deste pecado, e seus terríveis resultados, são a lição
da história de Acã.
A cobiça é um mal de
desenvolvimento gradual. Acã havia acariciado a avidez ao ganho até que isto se
tornou um hábito, atando-o em grilhões quase impossíveis de quebrar. Enquanto
alimentava este mal, ter-se-ia enchido de horror ao pensamento de acarretar
desgraça sobre Israel; mas suas percepções se amorteceram pelo pecado, e,
quando sobreveio a tentação, caiu como fácil presa.
Não são ainda cometidos pecados
semelhantes em face de advertências tão solenes e explícitas? Proíbe-se-nos tão
diretamente condescender com a cobiça como a Acã foi proibido apropriar-se dos
despojos de Jericó. Deus declarou ser isto idolatria. Somos advertidos: “Não
podeis servir a Deus e a Mamom”. Mateus 6:24. “Acautelai-vos e guardai-vos da
avareza”. Lucas 12:15. “Nem ainda se nomeie entre vós”. Efésios 5:3; Colossenses
3:5. Temos diante de nós a sorte terrível de Acã, de Judas, de Ananias e
Safira. Antes de todos estes, temos a de Lúcifer, aquele “filho da alva”, que,
cobiçando mais elevada condição, perdeu para sempre o brilho e ventura do Céu.
E, contudo, apesar de todas essas advertências, impera, de forma generalizada,
a cobiça.
Por toda parte se vê o seu rastro
viscoso. Cria o descontentamento e a dissensão nas famílias; provoca a inveja e
ódio dos pobres contra os ricos; inspira a opressão cruel do rico ao pobre. E
este mal não existe somente no mundo, mas na igreja também. Quão comum é achar
mesmo ali o egoísmo, a avareza, a ganância, a negligência da caridade, e o
roubo a Deus “nos dízimos e ofertas”! Entre membros da igreja, considerados
idôneos e cumpridores do dever existem, triste é dizer, muitos Acãs! Muito
homem vem majestosamente à igreja, e senta-se à mesa do Senhor, enquanto entre
as suas posses se acham ocultos lucros ilícitos, coisas que Deus amaldiçoou.
Por uma boa capa babilônica multidões sacrificam a aprovação da consciência e
sua esperança do Céu. Multidões permutam sua integridade e capacidade para o que
é útil por um saco de siclos de prata. Os clamores dos pobres que sofrem são
desatendidos; a luz do evangelho é estorvada em seu caminho; instiga-se o
escárnio dos mundanos pelas práticas que desmentem a profissão cristã; e no
entanto o cobiçoso que professa a religião continua a amontoar tesouros.
“Roubará o homem a Deus? todavia vós Me roubais”, diz o Senhor. Malaquias 3:8.
O pecado de Acã trouxe revés a
toda a nação. Pelo pecado de um homem, o desprazer de Deus repousará sobre Sua
igreja até que a transgressão seja descoberta e removida. A influência que mais
temida deve ser pela igreja não é a dos francos oponentes, incrédulos e
blasfemos, mas dos que incoerentemente professam a Cristo. Estes são os que
impedem as bênçãos de Deus de virem a Israel, e acarretam fraqueza ao Seu povo.
Quando a igreja se acha em
dificuldade, quando existem a frieza e o declínio espiritual, dando ocasião a
que os inimigos de Deus triunfem, então, em vez de cruzar os braços e lamentar
sua infeliz condição, investiguem os membros se não há um Acã no acampamento.
Com humilhação e exame de coração, procure cada qual descobrir os pecados
ocultos que excluem a presença de Deus.
Acã reconheceu sua culpa, quando
era demasiado tarde para que a confissão o beneficiasse. Vira os exércitos de
Israel voltarem de Ai derrotados e desanimados; contudo não se apresentou para
confessar seu pecado. Vira Josué e os anciãos de Israel curvados em terra, com
uma dor demasiado grande para exprimir-se com palavras. Houvesse feito então
confissão, e teria dado alguma prova de verdadeiro arrependimento; mas guardou
ainda silêncio. Ouvira a proclamação de que um grande crime fora cometido, e
ouvira mesmo especificar-se o caráter daquele crime. Seus lábios, porém,
estavam fechados. Veio então a investigação solene. Como lhe fremiu a alma de
terror, ao ver indicada sua tribo, a seguir sua família e depois sua casa! Mas
ainda não proferiu confissão alguma, até que o dedo de Deus se pôs sobre ele.
Então, quando o seu pecado não mais poderia ser escondido, admitiu a verdade.
Quão frequentemente se fazem confissões semelhantes! Há uma grande diferença
entre admitir fatos depois que os mesmos foram provados, e confessar pecados
apenas conhecidos por nós mesmos e Deus. Acã não teria confessado seu crime se
não tivesse esperado com isso evitar as consequências do mesmo. Mas sua
confissão apenas serviu para mostrar que seu castigo era justo. Não havia
genuíno arrependimento do pecado, nem contrição, nem mudança de propósito, nem
aversão ao mal.
Assim pelos culpados serão feitas
confissões quando se encontrarem eles perante o tribunal de Deus, depois de
haver sido decidido todo o caso, ou para a vida ou para a morte. As
consequências que lhes resultarão, arrancarão de cada um o reconhecimento de
seu pecado. Será extorquido da alma por um senso terrível de condenação e
medonha expectativa de juízo. Mas tais confissões não poderão salvar o pecador.
Enquanto podem esconder suas
transgressões, de seus semelhantes, muitos, como Acã, sentem-se livres de
perigo, e lisonjeiam-se de que Deus não será severo ao notar a iniquidade.
Demasiado tarde seus pecados pô-los-ão a descoberto naquele dia em que para
sempre não serão purificados com sacrifício nem com ofertas. Quando se abrirem
os registros do Céu, o Juiz não declarará com palavras ao homem a sua culpa,
mas lançará um olhar penetrante, convincente, e toda ação, todo cometimento da
vida, gravar-se-á vividamente na memória do malfeitor. Não será necessário como
nos dias de Josué que a pessoa seja pesquisada da tribo à família, mas seus
próprios lábios confessarão sua vergonha. Os pecados ocultos ao conhecimento dos
homens serão então proclamados ao mundo todo.
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