Capítulo 3 — Como começaram as
trevas morais
O apóstolo Paulo, em sua segunda
carta aos tessalonicenses, predisse a grande apostasia que teria como resultado
o estabelecimento do poder papal. Declarou que o dia de Cristo não viria “sem
que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da
perdição; o qual se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se
adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo
parecer Deus.” 2 Tessalonicenses 2:3, 4. E, ainda mais, o apóstolo adverte os
irmãos de que “já o mistério da injustiça opera.” 2 Tessalonicenses 2:7. Mesmo
naqueles primeiros tempos viu ele, insinuando-se na igreja, erros que
preparariam o caminho para o desenvolvimento do papado.
Pouco a pouco, a princípio
furtiva e silenciosamente, e depois mais às claras, à medida em que crescia em
força e conquistava o domínio da mente das pessoas, o mistério da iniquidade
levou avante sua obra de engano e blasfêmia. Quase imperceptivelmente os costumes
do paganismo tiveram ingresso na igreja cristã. O espírito de transigência e
conformidade fora restringido durante algum tempo pelas terríveis perseguições
que a igreja suportou sob o paganismo. Mas, em cessando a perseguição e
entrando o cristianismo nas cortes e palácios dos reis, pôs ela de lado a
humilde simplicidade de Cristo e Seus apóstolos, em troca da pompa e orgulho
dos sacerdotes e governadores pagãos; e em lugar das ordenanças de Deus colocou
teorias e tradições humanas. A conversão nominal de Constantino, na primeira
parte do século IV, causou grande regozijo; e o mundo, sob o manto de justiça
aparente, introduziu-se na igreja. Progredia rapidamente a obra de corrupção. O
paganismo, conquanto parecesse suplantado, tornou-se o vencedor. Seu espírito
dominava a igreja. Suas doutrinas, cerimônias e superstições incorporaram-se à
fé e culto dos professos seguidores de Cristo.
Esta mútua transigência entre o
paganismo e o cristianismo resultou no desenvolvimento do “homem do pecado”,
predito na profecia como se opondo a Deus e exaltando-se sobre Ele. Aquele gigantesco
sistema de religião falsa é a obra-prima do poder de Satanás — monumento de
seus esforços para sentar-se sobre o trono e governar a Terra segundo a sua
vontade.
Uma vez Satanás se esforçou por
estabelecer um compromisso mútuo com Cristo. Chegando-se ao Filho de Deus no
deserto da tentação, e mostrando-Lhe todos os reinos do mundo e a glória dos
mesmos, ofereceu-se a entregar tudo em Suas mãos se tão-somente reconhecesse a
supremacia do príncipe das trevas. Cristo repreendeu o pretensioso tentador e
obrigou-o a retirar-se. Mas Satanás obtém maior êxito em apresentar ao homem as
mesmas tentações. Para conseguir proveitos e honras humanas, a igreja foi
levada a buscar o favor e apoio dos grandes homens da Terra; e, havendo assim
rejeitado a Cristo, foi induzida a prestar obediência ao representante de
Satanás — o bispo de Roma.
Uma das principais doutrinas do
romanismo é que o papa é a cabeça visível da igreja universal de Cristo, investido
de autoridade suprema sobre os bispos e pastores em todas as partes do mundo.
Mais do que isto, tem-se dado ao papa os próprios títulos da Divindade. Tem
sido intitulado: “Senhor Deus, o Papa”, e foi declarado infalível. Exige ele a
homenagem de todos os homens. A mesma pretensão em que insistia Satanás no
deserto da tentação, ele ainda a encarece mediante a igreja de Roma, e enorme
número de pessoas estão prontas para render-lhe homenagem.
Mas os que temem e reverenciam a
Deus enfrentam esta audaciosa presunção do mesmo modo porque Cristo enfrentou
as solicitações do insidioso adversário: “Adorarás ao Senhor teu Deus, e a Ele
somente servirás.” Lucas 4:8. Deus jamais deu em Sua Palavra a mínima sugestão
de que tivesse designado a algum homem para ser a cabeça da igreja. A doutrina
da supremacia papal opõe-se diretamente aos ensinos das Escrituras Sagradas. O
papa não pode ter poder algum sobre a igreja de Cristo, senão por usurpação.
Os romanistas têm persistido em
acusar os protestantes de heresia e voluntária separação da verdadeira igreja.
Semelhantes acusações, porém, aplicam-se antes a eles próprios. São eles os que
depuseram a bandeira de Cristo, e se afastaram da “fé que uma vez foi dada aos
santos.” Jud. 3.
Satanás bem sabia que as
Escrituras Sagradas habilitariam os homens a discernir seus enganos e resistir
a seu poder. Foi pela Palavra que mesmo o Salvador do mundo resistiu a seus
ataques. Em cada assalto Cristo apresentou o escudo da verdade eterna, dizendo:
“Está escrito.” A cada sugestão do adversário, opunha a sabedoria e poder da
Palavra. A fim de Satanás manter o seu domínio sobre os homens e estabelecer a
autoridade humana, deveria conservá-los na ignorância das Escrituras. A Bíblia
exaltaria a Deus e colocaria o homem finito em sua verdadeira posição;
portanto, suas sagradas verdades deveriam ser ocultadas e suprimidas. Esta
lógica foi adotada pela Igreja de Roma. Durante séculos a circulação da
Escritura foi proibida. Ao povo era vedado lê-la ou tê-la em casa, e sacerdotes
e prelados sem escrúpulos interpretavam-lhe os ensinos de modo a favorecerem
suas pretensões. Assim o chefe da igreja veio a ser quase universalmente
reconhecido como o vigário de Deus na Terra, dotado de autoridade sobre a
igreja e o Estado.
Suprimido o revelador do erro,
agiu Satanás à vontade. A profecia declarara que o papado havia de cuidar “em
mudar os tempos e a lei.” Daniel 7:25. Para cumprir esta obra não foi vagaroso.
A fim de proporcionar aos conversos do paganismo uma substituição à adoração de
ídolos, e promover assim sua aceitação nominal do cristianismo, foi
gradualmente introduzida no culto cristão a adoração das imagens e relíquias. O
decreto de um concílio geral estabeleceu, por fim, este sistema de idolatria.
Para completar a obra sacrílega, Roma pretendeu eliminar da lei de Deus, o
segundo mandamento, que proíbe o culto das imagens, e dividir o décimo
mandamento a fim de conservar o número deles.
Este espírito de concessão ao
paganismo abriu caminho para desrespeito ainda maior da autoridade do Céu. Satanás,
operando por meio de não consagrados dirigentes da igreja, intrometeu-se também
com o quarto mandamento e tentou pôr de lado o antigo sábado, o dia que Deus
tinha abençoado e santificado (Gênesis 2:2, 3), exaltando em seu lugar a festa
observada pelos pagãos como “o venerável dia do Sol.” Esta mudança não foi a
princípio tentada abertamente. Nos primeiros séculos o verdadeiro sábado foi
guardado por todos os cristãos. Eram estes ciosos da honra de Deus, e, crendo
que Sua lei é imutável, zelosamente preservavam a santidade de seus preceitos.
Mas com grande argúcia, Satanás operava mediante seus agentes para efetuar seu
objetivo. Para que a atenção do povo pudesse ser chamada para o domingo, foi
feito deste uma festividade em honra da ressurreição de Cristo. Atos religiosos
eram nele realizados; era, porém, considerado como dia de recreio, sendo o
sábado ainda observado como dia santificado.
A fim de preparar o caminho para
a obra que intentava cumprir, Satanás induzira os judeus, antes do advento de
Cristo, a sobrecarregarem o sábado com as mais rigorosas imposições, tornando
sua observância um fardo. Agora, tirando vantagem da falsa luz sob a qual ele
assim fizera com que fosse considerado, lançou o desdém sobre o sábado como
instituição judaica. Enquanto os cristãos geralmente continuavam a observar o
domingo como festividade prazenteira, ele os levou, a fim de mostrarem seu ódio
ao judaísmo, a fazer do sábado dia de jejum, de tristeza e pesar.
Na primeira parte do século IV, o
imperador Constantino promulgou um decreto fazendo do domingo uma festividade
pública em todo o Império Romano. O dia do Sol era venerado por seus súditos
pagãos e honrado pelos cristãos; era política do imperador unir os interesses
em conflito do paganismo e cristianismo. Com ele se empenharam para fazer isto
os bispos da igreja, os quais, inspirados pela ambição e sede do poder,
perceberam que, se o mesmo dia fosse observado tanto por cristãos como pagãos,
promoveria a aceitação nominal do cristianismo pelos pagãos, e assim adiantaria
o poderio e glória da igreja. Mas, conquanto muitos cristãos tementes a Deus
fossem gradualmente levados a considerar o domingo como possuindo certo grau de
santidade, ainda mantinham o verdadeiro sábado como o dia santo do Senhor, e
observavam-no em obediência ao quarto mandamento.
O arquienganador não havia
terminado a sua obra. Estava decidido a congregar o mundo cristão sob sua
bandeira, e exercer o poder por intermédio de seu vigário, o orgulhoso
pontífice que pretendia ser o representante de Cristo. Por meio de pagãos
semiconversos, ambiciosos prelados e eclesiásticos amantes do mundo, realizou
ele seu propósito. Celebravam-se de tempos em tempos vastos concílios aos quais
do mundo todo concorriam os dignitários da igreja. Em quase todos os concílios
o sábado que Deus havia instituído era rebaixado um pouco mais, enquanto o
domingo era em idêntica proporção exaltado. Destarte a festividade pagã veio
finalmente a ser honrada como instituição divina, ao mesmo tempo em que se
declarava ser o sábado bíblico relíquia do judaísmo, amaldiçoando-se seus
observadores.
O grande apóstata conseguira
exaltar-se “contra tudo o que se chama Deus, ou se adora.” 2 Tessalonicenses
2:4. Ousara mudar o único preceito da lei divina que inequivocamente indica a
toda a humanidade o Deus verdadeiro e vivo. No quarto mandamento Deus é
revelado como o Criador do céu e da Terra, e por isso Se distingue de todos os
falsos deuses. Foi para memória da obra da criação que o sétimo dia foi
santificado como dia de repouso para o homem. Destinava-se a conservar o Deus
vivo sempre diante da mente humana como a fonte de todo ser e objeto de
reverência e culto. Satanás esforça-se por desviar os homens de sua aliança
para com Deus e de prestarem obediência à Sua lei; dirige Seus esforços,
portanto, especialmente contra o mandamento que aponta a Deus como o Criador.
Os protestantes hoje insistem em
que a ressurreição de Cristo no domingo fê-lo o sábado cristão. Não existe,
porém, evidência escriturística para isto. Nenhuma honra semelhante foi
conferida ao dia por Cristo ou Seus apóstolos. A observância do domingo como
instituição cristã teve origem no “mistério da injustiça” (2 Tessalonicenses
2:7) que, já no tempo de Paulo, começara a sua obra. Onde e quando adotou o
Senhor este filho do papado? Que razão poderosa se poderá dar para uma mudança
que as Escrituras não sancionam?
No século VI tornou-se o papado
firmemente estabelecido. Fixou-se a sede de seu poderio na cidade imperial e
declarou-se ser o bispo de Roma a cabeça de toda a igreja. O paganismo cedera
lugar ao papado. O dragão dera à besta “o seu poder, e o seu trono, e grande
poderio.” Apocalipse 13:2. E começaram então os 1.260 anos da opressão papal
preditos nas profecias de Daniel e Apocalipse. Daniel 7:25; Apocalipse 13:5-7.
Os cristãos foram obrigados a optar entre renunciar sua integridade e aceitar
as cerimônias e culto papais, ou passar a vida nas masmorras, sofrer a morte
pelo instrumento de tortura, pela fogueira, ou pela machadinha do verdugo.
Cumpriam-se as palavras de Jesus: “E até pelos pais, e irmãos, e parentes, e
amigos sereis entregues, e matarão alguns de vós. E de todos sereis odiados por
causa de Meu nome.” Lucas 21:16, 17.
Desencadeou-se
a perseguição sobre os fiéis com maior fúria do que nunca, e o mundo se tornou
um vasto campo de batalha. Durante séculos a igreja de Cristo encontrou refúgio
no isolamento e obscuridade. Assim diz o profeta: “A mulher fugiu para o
deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada
durante mil e duzentos e sessenta dias.” Apocalipse 12:6.
O acesso da Igreja de Roma ao
poder assinalou o início da escura Idade Média. Aumentando o seu poderio, mais
se adensavam as trevas. De Cristo, o verdadeiro fundamento, transferiu-se a fé
para o papa de Roma. Em vez de confiar no Filho de Deus para o perdão dos
pecados e para a salvação eterna, o povo olhava para o papa e para os
sacerdotes e prelados a quem delegava autoridade. Ensinava-se-lhe ser o papa
seu mediador terrestre, e que ninguém poderia aproximar-se de Deus senão por
seu intermédio; e mais ainda, que ele ficava para eles em lugar de Deus e
deveria, portanto, ser implicitamente obedecido. Esquivar-se de suas
disposições era motivo suficiente para se infligir a mais severa punição ao
corpo e alma dos delinquentes. Assim, a mente do povo desviava-se de Deus para
homens falíveis e cruéis, e mais ainda, para o próprio príncipe das trevas que
por meio deles exercia o seu poder. O pecado se disfarçava sob o manto de
santidade. Quando as Escrituras são suprimidas e o homem vem a considerar-se
supremo, só podemos esperar fraudes, engano e aviltante iniquidade. Com a
elevação das leis e tradições humanas, tornou-se manifesta a corrupção que
sempre resulta de se pôr de lado a lei de Deus.
Dias de perigo foram aqueles para
a igreja de Cristo. Os fiéis porta-estandartes eram na verdade poucos. Posto
que a verdade não fosse deixada sem testemunhas, parecia, por vezes, que o erro
e a superstição prevaleceriam completamente, e a verdadeira religião seria
banida da Terra. Perdeu-se de vista o evangelho, mas multiplicaram-se as formas
de religião, e o povo foi sobrecarregado de severas exigências.
Ensinava-se-lhes não somente a
considerar o papa como seu mediador, mas a confiar em suas próprias obras para
expiação do pecado. Longas peregrinações, atos de penitência, adoração de
relíquias, ereção de igrejas, relicários e altares, bem como pagamento de
grandes somas à igreja, tudo isto e muitos atos semelhantes eram ordenados para
aplacar a ira de Deus ou assegurar o Seu favor, como se Deus fosse idêntico aos
homens, encolerizando-Se por ninharias, ou apaziguando-Se com donativos ou atos
de penitência!
Apesar de que prevalecesse o
vício, mesmo entre os chefes da Igreja de Roma, sua influência parecia aumentar
constantemente. Mais ou menos ao findar o século VIII, os romanistas começaram
a sustentar que nas primeiras épocas da igreja os bispos de Roma tinham
possuído o mesmo poder espiritual que assumiam agora. Para confirmar essa
pretensão, era preciso empregar alguns meios com o fito de lhe dar aparência de
autoridade; e isto foi prontamente sugerido pelo pai da mentira. Antigos
escritos foram forjados pelos monges. Decretos de concílios de que antes nada
se ouvira foram descobertos, estabelecendo a supremacia universal do papa desde
os primeiros tempos. E a igreja que rejeitara a verdade, avidamente aceitou
estes enganos.
Os poucos fiéis que construíram
sobre o verdadeiro fundamento (1 Coríntios 3:10, 11), ficaram perplexos e
entravados quando o entulho das falsas doutrinas obstruiu a obra. Como os
edificadores sobre o muro de Jerusalém no tempo de Neemias, alguns se
prontificaram a dizer: “Já desfaleceram as forças dos acarretadores, e o pó é
muito e nós não podemos edificar o muro.” Neemias 4:10. Cansados da constante
luta contra a perseguição, fraude, iniquidade e todos os outros obstáculos que
Satanás pudera engendrar para deter-lhes o progresso, alguns que haviam sido
fiéis edificadores, desanimaram; e por amor da paz e segurança de sua
propriedade e vida, desviaram-se do verdadeiro fundamento. Outros, sem se
intimidarem com a oposição de seus inimigos, intrepidamente declaravam: “Não os
temais: lembrai-vos do Senhor grande e terrível” (Neemias 4:14); e prosseguiam
com a obra, cada qual com a espada cingida ao lado. Efésios 1:17.
O mesmo espírito de ódio e
oposição à verdade tem inspirado os inimigos de Deus em todos os tempos, e a
mesma vigilância e fidelidade têm sido exigidas de Seus servos. As palavras de
Cristo aos primeiros discípulos aplicam-se aos Seus seguidores até ao final do
tempo: “E as coisas que vos digo, digo-as a todos: Vigiai.” Marcos 13:37.
As trevas pareciam tornar-se mais
densas. Generalizou-se a adoração das imagens. Acendiam-se velas perante
imagens e orações se lhes dirigiam. Prevaleciam os costumes mais absurdos e
supersticiosos. O espírito dos homens era a tal ponto dirigido pela superstição
que a razão mesma parecia haver perdido o domínio. Enquanto os próprios
sacerdotes e bispos eram amantes do prazer, sensuais e corruptos, só se poderia
esperar que o povo que os tinha como guias se submergisse na ignorância e
vício.
Outro passo ainda deu a presunção
papal quando, no século XI, o Papa Gregório VII proclamou a perfeição da Igreja
de Roma. Entre as proposições por ele apresentadas uma havia declarando que a
igreja nunca tinha errado, nem jamais erraria, segundo as Escrituras. Mas as
provas escriturísticas não acompanhavam a afirmação. O altivo pontífice também
pretendia o poder de depor imperadores; e declarou que sentença alguma que
pronunciasse poderia ser revogada por quem quer que fosse, mas era prerrogativa
sua revogar as decisões de todos os outros.
Uma flagrante ilustração do
caráter tirânico do Papa Gregório VII se nos apresenta no modo por que tratou o
imperador alemão Henrique IV. Por haver intentado desprezar a autoridade do
papa, declarou-o este excomungado e destronado. Aterrorizado pela deserção e
ameaças de seus próprios príncipes, que por mandado do papa eram incentivados
na rebelião contra ele, Henrique pressentiu a necessidade de fazer as pazes com
Roma. Em companhia da esposa e de um servo fiel, atravessou os Alpes em pleno
inverno, a fim de humilhar-se perante o papa. Chegando ao castelo para onde
Gregório se retirara, foi conduzido, sem seus guardas, a um pátio externo, e ali,
no rigoroso frio do inverno, com a cabeça descoberta, descalço e miseravelmente
vestido, esperou a permissão do papa a fim de ir à sua presença. O pontífice
não se dignou de conceder-lhe perdão senão depois de haver ele permanecido três
dias jejuando e fazendo confissão. Isso mesmo, apenas com a condição de que o
imperador esperasse a sanção do papa antes de reassumir as insígnias ou exercer
o poder da realeza. E Gregório, envaidecido com seu triunfo, jactava-se de que
era seu dever abater o orgulho dos reis.
Quão notável é o contraste entre
o orgulho deste altivo pontífice e a mansidão e a suavidade de Cristo, que
representa a Si mesmo à porta do coração a rogar que seja ali admitido, a fim
de poder entrar para levar perdão e paz, e que ensinou a Seus discípulos: “Qualquer
que entre vós quiser ser o primeiro seja vosso servo.” Mateus 20:27.
Os séculos que se seguiram
testemunharam aumento constante de erros nas doutrinas emanadas de Roma. Mesmo
antes do estabelecimento do papado, os ensinos dos filósofos pagãos haviam
recebido atenção e exercido influência na igreja. Muitos que se diziam
conversos ainda se apegavam aos dogmas de sua filosofia pagã, e não somente
continuaram no estudo desta, mas encareciam-no a outros como meio de estenderem
sua influência entre os pagãos. Erros graves foram assim introduzidos na fé
cristã. Destaca-se entre outros o da crença na imortalidade natural do homem e
sua consciência na morte. Esta doutrina lançou o fundamento sobre o qual Roma
estabeleceu a invocação dos santos e a adoração da Virgem Maria. Disto também
proveio a heresia do tormento eterno para os que morrem impenitentes, a qual
logo de início se incorporara à fé papal.
Achava-se então preparado o
caminho para a introdução de ainda outra invenção do paganismo, a que Roma intitulou
purgatório e empregou para amedrontar as multidões crédulas e supersticiosas.
Com esta heresia afirma-se a existência de um lugar de tormento, no qual as
almas dos que não mereceram condenação eterna devem sofrer castigo por seus
pecados, e do qual, quando libertas da impureza, são admitidas no Céu.
Ainda uma outra invencionice era
necessária para habilitar Roma a aproveitar-se dos temores e vícios de seus
adeptos. Esta foi suprida pela doutrina das indulgências. Completa remissão dos
pecados, passados, presentes e futuros, e livramento de todas as dores e penas
em que os pecados importam, eram prometidos a todos os que se alistassem nas
guerras do pontífice para estender seu domínio temporal, castigar seus inimigos
e exterminar os que ousassem negar-lhe a supremacia espiritual. Ensinava-se
também ao povo que, pelo pagamento de dinheiro à igreja, poderia livrar-se do
pecado e igualmente libertar as almas de seus amigos falecidos que estivessem
condenados às chamas atormentadoras. Por esses meios Roma abarrotou os cofres e
sustentou a magnificência, o luxo e os vícios dos pretensos representantes
dAquele que não tinha onde reclinar a cabeça.
A ordenança escriturística da
ceia do Senhor fora suplantada pelo idolátrico sacrifício da missa. Sacerdotes
papais pretendiam, mediante esse disfarce destituído de sentido, converter o
simples pão e vinho no verdadeiro “corpo e sangue de Cristo.” — Conferências
Sobre a “Presença Real”, do Cardeal Wiseman. Com blasfema presunção pretendiam
abertamente o poder de criarem Deus, o Criador de todas as coisas. Aos cristãos
exigia-se, sob pena de morte, confessar sua fé nesta heresia horrível, que
insulta ao Céu. Multidões que a isto se recusaram foram entregues às chamas.
No século XIII foi estabelecido a
mais terrível de todas as armadilhas do papado — a inquisição. O príncipe das
trevas trabalhava com os dirigentes da hierarquia papal. Em seus concílios
secretos, Satanás e seus anjos dirigiam a mente de homens maus, enquanto,
invisível entre eles, estava um anjo de Deus, fazendo o tremendo relatório de
seus iníquos decretos e escrevendo a história de ações por demais horrorosas
para serem desvendadas ao olhar humano. “A grande Babilônia” estava “embriagada
do sangue dos santos.” Os corpos mutilados de milhões de mártires pediam
vingança a Deus contra o poder apóstata.
O papado se tornou o déspota do
mundo. Reis e imperadores curvavam-se aos decretos do pontífice romano. O
destino dos homens, tanto temporal como eterno, parecia estar sob seu domínio.
Durante séculos as doutrinas de Roma tinham sido extensa e implicitamente
recebidas, seus ritos reverentemente praticados, suas festas geralmente
observadas. Seu clero era honrado e liberalmente mantido. Nunca a Igreja de
Roma atingiu maior dignidade, magnificência ou poder.
Mas “o meio-dia do papado foi a
meia-noite do mundo.” — História do Protestantismo, de Wylie. As Sagradas
Escrituras eram quase desconhecidas, não somente pelo povo mas pelos
sacerdotes. Como os fariseus de outrora, os dirigentes papais odiavam a luz que
revelaria os seus pecados. Removida a lei de Deus — a norma de justiça —
exerciam eles poder sem limites e praticavam os vícios sem restrições.
Prevaleciam a fraude, a avareza, a libertinagem. Os homens não recuavam de
crime algum pelo qual pudessem adquirir riqueza ou posição. Os palácios dos
papas e prelados eram cenários da mais vil devassidão. Alguns dos pontífices
reinantes eram acusados de crimes tão revoltantes que os governadores seculares
se esforçavam por depor esses dignitários da igreja como monstros demasiado vis
para serem tolerados. Durante séculos a Europa não fez progresso no saber, nas
artes ou na civilização. Uma paralisia moral e intelectual caíra sobre a
cristandade.
A condição do mundo sob o poder
romano apresentava o cumprimento terrível e surpreendente das palavras do
profeta Oséias: “O Meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento.
Porque tu rejeitaste o conhecimento, também Eu te rejeitarei, ... visto que te
esqueceste da lei do teu Deus, também Eu Me esquecerei de teus filhos.” Oséias
4:6. “Não há verdade, nem benignidade, nem conhecimento de Deus na Terra. Só
prevalecem o perjurar, e o mentir, e o matar, e o furtar, e o adulterar, e há
homicídios sobre homicídios.” Oséias 4:1, 2. Foram estes os resultados do
banimento da Palavra de Deus.
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