Capítulo 40 — Balaão
Este capítulo é
baseado em Números 22-24.
Voltando ao Jordão
da conquista de Basã, os israelitas, em preparativos para a imediata invasão de
Canaã, acamparam ao lado do rio Jordão, acima de sua foz no Mar Morto, e
precisamente defronte da planície de Jericó. Estavam exatamente nas fronteiras
de Moabe, e os moabitas estavam cheios de terror pela grande proximidade dos
invasores.
O povo de Moabe não
fora incomodado por Israel, todavia eles tinham observado com inquietadores
pressentimentos tudo que ocorrera nos países circunvizinhos. Os amorreus, de diante
dos quais eles tinham sido obrigados a bater em retirada, haviam sido vencidos
pelos hebreus, e o território que tinham extorquido de Moabe estava agora de
posse de Israel. Os exércitos de Basã haviam-se rendido diante do misterioso
poder envolto na coluna de nuvem, e as gigantescas fortalezas foram ocupadas
pelos hebreus. Os moabitas não ousaram arriscar contra ele um ataque; o recurso
às armas seria inútil em vista das forças sobrenaturais que operavam em seu
favor. Mas decidiram-se, como Faraó fizera, a pôr a seu serviço o poder da
feitiçaria para contrariar a obra de Deus. Queriam acarretar uma maldição sobre
Israel.
O povo de Moabe
estava intimamente ligado com os midianitas, tanto pelo laços de nacionalidade
como de religião. E Balaque, rei de Moabe, despertou os receios do povo
aparentado, e conseguiu sua cooperação em seus intuitos contra Israel, por meio
da mensagem: “Agora lamberá esta congregação tudo quanto houver ao redor de
nós, como o boi lambe a erva do campo”. Números 22-24. Dizia-se que Balaão,
morador da Mesopotâmia, possuía poderes sobrenaturais, e sua fama chegou à
terra de Moabe. Resolveu-se chamá-lo em seu auxílio. Nestas condições,
mensageiros dos “anciãos dos moabitas e os anciãos dos midianitas”, foram
enviados para conseguirem suas adivinhações e encantamentos contra Israel.
Os embaixadores logo
se puseram a caminho em sua longa viagem, através de montanhas e de desertos,
para a Mesopotâmia; e, encontrando Balaão, transmitiram-lhe a mensagem de seu
rei: “Eis que um povo saiu do Egito; eis que cobre a face da terra e parado
está defronte de mim. Vem, pois, agora, rogo-te, amaldiçoa-me este povo, pois
mais poderoso é do que eu; para ver se o poderei ferir e o lançarei fora da
terra; porque eu sei que a quem tu abençoares será abençoado e a quem tu
amaldiçoares será amaldiçoado”. Números 22:5, 6.
Balaão já havia sido
um bom homem e profeta de Deus; mas apostatara e entregara-se à cobiça; todavia
professava ainda ser servo do Altíssimo. Não ignorava a obra de Deus em prol de
Israel; e, quando os enviados comunicaram sua mensagem, bem sabia que era seu
dever recusar as recompensas de Balaque, e despedir os embaixadores. Mas
arriscou-se a contemporizar com a tentação, e instou com os mensageiros para
que ficassem com ele aquela noite, declarando que não poderia dar resposta
decisiva antes que houvesse pedido conselho da parte do Senhor. Balaão sabia
que sua conduta não poderia prejudicar Israel. Deus estava ao lado deles; e,
enquanto fossem fiéis, nenhum poder adverso, da Terra ou do inferno, poderia
prevalecer contra eles. Mas seu orgulho fora lisonjeado com as palavras dos
embaixadores: “A quem tu abençoares será abençoado, e a quem tu amaldiçoares
será amaldiçoado”. Números 22:6. As seduções de valiosas dádivas e a exaltação
em perspectiva provocaram-lhe a cobiça. Avidamente aceitou os tesouros
oferecidos, e então, ao mesmo tempo em que professava obediência estrita à
vontade de Deus, procurou satisfazer os desejos de Balaque.
À noite o anjo do
Senhor veio a Balaão, com esta mensagem: “Não irás com eles, nem amaldiçoarás a
este povo, porquanto bendito é”. Números 22:12.
Pela manhã, Balaão
despediu relutantemente os mensageiros; mas não lhes referiu o que o Senhor
dissera. Irado por se terem dissipado subitamente suas visões de lucro e honra,
exclamou petulantemente: “Ide à vossa terra, porque o Senhor recusa deixar-me
ir convosco”. Números 22:13.
Balaão “amou o
prêmio da injustiça”. 2 Pedro 2:15. O pecado da cobiça, que Deus declara ser
idolatria, dele fizera um servo de ocasião, e, mediante esta única falta,
Satanás obteve inteiro domínio sobre ele. Foi isto que causou a sua ruína. O
tentador está sempre a apresentar lucros e honras mundanas para aliciar os
homens do serviço de Deus. Diz-lhes que são os seus demasiados escrúpulos de
consciência que os impedem de alcançar a prosperidade. Assim muitos são
induzidos ao risco de saírem do caminho da estrita integridade. Um passo errado
torna o outro mais fácil, e eles se tornam cada vez mais presunçosos. Farão e
ousarão as mais terríveis coisas quando uma vez se entregaram ao domínio da
cobiça e do desejo de poderio. Muitos se lisonjeiam com a ideia de que podem
afastar-se da integridade estrita durante algum tempo, por amor a alguma
vantagem mundana, e que, tendo conseguido seu objetivo, podem mudar sua conduta
quando lhes aprouver. Esses tais se acham a enredar-se na cilada de Satanás, e
raramente escapam.
Quando os
mensageiros deram parte a Balaque da recusa do profeta a acompanhá-los, não
deram a entender que Deus lho proibira. Supondo que a demora de Balaão visava
simplesmente conseguir uma recompensa mais valiosa, o rei enviou príncipes em
maior número e mais dignos do que os primeiros, com promessas de mais altas
honras, e com autorização de concordar com quaisquer condições que Balaão pudesse
exigir. A urgente mensagem de Balaque ao profeta, era: “Rogo-te que não te
demores em vir a mim, porque grandemente te honrarei, e farei tudo o que me
disseres; vem pois, rogo-te, amaldiçoa-me este povo”. Números 22:16, 17.
Segunda vez foi
Balaão provado. Em resposta às solicitações dos embaixadores, ele se disse
possuidor de muita consciência e integridade, afirmando-lhes que nenhuma
quantidade de ouro ou prata poderia induzi-lo a ir de encontro à vontade de
Deus. Mas anelava condescender com o pedido do rei; e, se bem que a vontade de
Deus já se lhe houvesse tornado definidamente conhecida, insistiu com os
mensageiros para que ficassem, a fim de que pudesse consultar outra vez a Deus;
e isto como se o Ser infinito fosse um homem, para ser persuadido.
À noite, o Senhor
apareceu a Balaão e disse: “Se aqueles homens te vieram chamar, levanta-te, vai
com eles; todavia, farás o que Eu te disser”. Números 22:20. Até este ponto o
Senhor permitiria que Balaão seguisse sua vontade, porque ele estava resolvido
a isto. Não procurou fazer a vontade de Deus, mas escolheu seu próprio caminho
e então esforçou-se por conseguir a sanção do Senhor.
Há na atualidade
milhares que estão seguindo uma conduta semelhante. Não teriam dificuldade em
compreender seu dever se este estivesse em harmonia com suas inclinações.
Acha-se na Bíblia claramente posto diante deles, ou é evidentemente indicado
pelas circunstâncias ou pela razão. Mas porque tais evidências são contrárias
aos seus desejos e inclinações, frequentemente as põem de lado, e ousam ir a
Deus para saberem o seu dever. Aparentemente com grande consciência, oram
demorada e fervorosamente rogando luz. Mas com Deus não se brinca. Ele muitas
vezes permite que tais pessoas sigam seus desejos, e sofram o resultado. “O Meu
povo não quis ouvir a Minha voz. [...] Pelo que Eu os entreguei aos desejos dos
seus corações, e andaram segundo os seus próprios conselhos”. Salmos 81:11, 12.
Quando alguém vê claramente o dever, não tome a liberdade de ir a Deus com
oração para que possa ser dispensado de o cumprir. Antes, deve com espírito
humilde e submisso, rogar força e sabedoria divinas para satisfazer as
exigências desse dever.
Os moabitas eram um
povo degradado, idólatra; todavia, conforme a luz que haviam recebido, sua
culpa não era tão grande à vista do Céu como era a de Balaão. Entretanto, como
este professava ser profeta de Deus, tudo o que dissesse supor-se-ia proferido
por autoridade divina. Portanto não lhe foi permitido falar como quisesse, mas
devia transmitir a mensagem que Deus lhe desse. “Farás o que Eu te disser”
(Números 22:20), foi a ordem divina.
Balaão recebera
permissão de ir com os mensageiros de Moabe, se viessem pela manhã chamá-lo.
Mas, contrariados com sua demora, e esperando nova recusa, partiram em viagem
para seu país sem mais consulta com ele. Toda a desculpa para condescender com
o pedido de Balaque fora agora removida. Mas Balaão estava decidido a obter a
recompensa; e, tomando o animal em que estava habituado a viajar, pôs-se a
caminho. Temia que mesmo agora a permissão divina fosse retirada, e avançou
ansiosamente, inquieto e receoso de que de alguma maneira deixasse de ganhar a
cobiçada recompensa. Mas “o anjo do Senhor pôs-se-lhe no caminho por
adversário”. Números 22:22. O animal viu o mensageiro divino, que não era
percebido pelo homem, e desviou-se da estrada para o campo. Com pancadas cruéis
Balaão o trouxe novamente para o caminho; mas, outra vez, em um lugar estreito
entre duas paredes apareceu o anjo, e o animal, procurando evitar a figura
ameaçadora, apertou o pé do
seu dono contra a
parede. Balaão estava cego à intervenção celestial, e não sabia que Deus lhe
estava obstruindo o caminho. O homem exasperou-se, e, surrando a jumenta
impiedosamente, obrigou-a a prosseguir.
De novo, “num lugar
estreito, onde não havia caminho para se desviar nem para a direita nem para a
esquerda” (Números 22:26), apareceu o anjo, como antes, em atitude ameaçadora;
e o pobre animal, tremendo de terror, parou, e caiu em terra sob aquele que o
cavalgava. A raiva de Balaão não teve limites, e com o bordão espancou mais
cruelmente do que antes o animal. Deus abriu então a boca deste, e, pelo “mudo
jumento, falando com voz humana”, “impediu a loucura do profeta”. 2 Pedro 2:16.
“Que te fiz eu”, disse o animal, “que me espancaste estas três vezes?” Números
22:28.
Furioso por ser
assim estorvado em sua viagem, Balaão respondeu ao animal como se teria
dirigido a um ser racional: “Por que zombaste de mim; oxalá tivera eu uma
espada na mão, porque agora te matara.” Ali estava um mágico professo, a
caminho para pronunciar uma maldição sobre um povo inteiro, com o intento de
paralisar sua força, ao mesmo tempo em que não tinha poder mesmo para matar o
animal que cavalgava!
Abrem-se agora os
olhos de Balaão, e ele vê em pé o anjo de Deus com a espada desembainhada
pronto para o matar. Aterrorizado, “inclinou a cabeça, e prostrou-se sobre a
sua face”. O anjo lhe disse: “Por que já três vezes espancaste a tua jumenta?
Eis que eu saí para ser teu adversário, porquanto o teu caminho é perverso
diante de mim. Porém a jumenta me viu, e já três vezes se desviou de diante de
mim; se ela se não desviara de diante de mim, na verdade que eu agora te tivera
matado, e a ela deixara com vida”. Números 22:29-33.
Balaão devia a
conservação de sua vida ao pobre animal que tratara tão cruelmente. O homem que
pretendia ser profeta do Senhor, que declarou estar “de olhos abertos”, e ver
“a visão do Todo-poderoso” (Números 24:3, 4), estava tão cego pela cobiça e
ambição que não pôde divisar o anjo de Deus, visível para seu animal. “O deus
deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”. 2 Coríntios 4:4. Quantos
não se acham assim cegos! Arremessam-se em trilhas vedadas, transgredindo a lei
divina, e não podem discernir que Deus e Seus anjos estão contra eles.
Semelhantes a Balaão zangam-se com aqueles que querem impedir sua ruína.
Balaão dera prova do
espírito que o dirigia, pelo seu tratamento ao animal. “O justo olha pela vida
dos seus animais, mas as misericórdias dos ímpios são cruéis”. Provérbios
12:10. Poucos se compenetram, quanto deveriam, da pecaminosidade de maltratar
os animais, ou deixá-los sofrer pela negligência. Aquele que criou o homem fez
os animais irracionais também, “e as Suas misericórdias são sobre todas as Suas
obras”. Salmos 145:9. Os animais foram criados para servirem ao homem, mas este
não tem direito de causar-lhes dor com tratamento rude, ou cruel exigência.
É por causa do
pecado do homem que “toda a criação geme e está juntamente com dores de parto”.
Romanos 8:22. O sofrimento e a morte foram assim impostos não somente ao gênero
humano, mas aos animais. Certamente, pois, ao homem toca procurar aliviar o
peso do sofrimento que sua transgressão acarretou sobre as criaturas de Deus,
em vez de aumentá-lo. Aquele que maltrata os animais porque os tem em seu
poder, é tão covarde quanto tirano. A disposição para causar dor, quer seja ao
nosso semelhante quer aos seres irracionais, é satânica. Muitos não compreendem
que sua crueldade haja de ser conhecida, porque os pobres animais mudos não a
podem revelar. Mas, se os olhos desses homens pudessem abrir-se como os de
Balaão, veriam um anjo de Deus, em pé, como testemunha, para atestar contra
eles no tribunal celestial. Um relatório sobe ao Céu, e aproxima-se o dia em
que se pronunciará juízo contra os que maltratam as criaturas de Deus.
Quando viu o
mensageiro de Deus, Balaão exclamou aterrorizado: “Pequei, porque não soube que
estavas neste caminho para te opores a mim; e agora, se parece mal aos teus
olhos, tornar-me-ei”. Números 22:34. O Senhor permitiu-lhe prosseguir em sua
viagem, mas deu-lhe a entender que suas palavras seriam dirigidas pelo poder
divino. Deus queria dar prova a Moabe que os hebreus estavam sob a guarda do
Céu; e isto Ele fez de modo eficaz quando lhes mostrou quão impotente era
Balaão mesmo para proferir uma maldição contra eles, sem permissão divina.
O rei de Moabe,
sendo informado da aproximação de Balaão, saiu com grande acompanhamento às
fronteiras do reino, para o receber. Quando se mostrou admirado com a demora de
Balaão, em vista das ricas recompensas que o esperavam, a resposta do profeta
foi: “Eis que eu tenho vindo a ti; porventura poderei eu agora de alguma forma
falar alguma coisa? A palavra que Deus puser na minha boca essa falarei”.
Números 22:38. Balaão lamentava grandemente esta restrição; temia que seu
propósito não pudesse efetuar-se, porque o poder dirigente do Senhor estava
sobre ele.
Com grande pompa, o
rei com os principais dignitários de seu reino, acompanharam Balaão “aos altos
de Baal” (Números 22:41), donde ele podia avistar as hostes hebreias. Eis o
profeta em pé sobre o elevado monte, olhando por sobre o acampamento do povo
escolhido de Deus. Mal sabem os israelitas do que está a acontecer tão perto
deles! Quão pouco conhecem o cuidado de Deus, sobre eles estendido de dia e de
noite! Quão embotadas são as percepções do povo de Deus! Quão vagarosos são, em
todos os tempos, para compreenderem Seu grande Amor e misericórdia! Se pudessem
divisar o maravilhoso poder de Deus constantemente exercido em favor deles, não
se lhes encheria o coração de gratidão pelo Seu amor, e de temor ao pensamento
de Sua majestade e poder?
Balaão tinha algum
conhecimento das ofertas sacrificais dos hebreus, e esperava que,
sobrepujando-os em custosas dádivas, pudesse conseguir a bênção de Deus, e
conseguir a realização de seus projetos pecaminosos. Assim, os sentimentos dos
moabitas idólatras estavam a obter domínio sobre sua mente. Sua sabedoria se
tornara em loucura; nublara-se-lhe a visão espiritual; trouxera sobre si a cegueira,
rendendo-se ao poder de Satanás.
Por indicação de
Balaão, foram construídos sete altares, e ele ofereceu um sacrifício em cada um
deles. Então se retirou a um “lugar alto” (Números 23:3), para encontrar-se com
Deus, prometendo tornar conhecido a Balaque o que quer que o Senhor revelasse.
Com os nobres e
príncipes de Moabe, o rei ficou ao lado do sacrifício, enquanto em redor deles
se reuniu a ansiosa multidão, aguardando a volta do profeta. Ele veio
finalmente, e o povo esperou as palavras que para sempre paralisariam aquele
estranho poder exercido a favor dos odiados israelitas. Disse Balaão:
“De Arã me mandou
trazer Balaque, rei dos moabitas, das montanhas do Oriente, dizendo: Vem,
amaldiçoa-me a Jacó; e vem, detesta Israel.
Como amaldiçoarei o
que Deus não amaldiçoa?
E como detestarei,
quando o Senhor não detesta?
Porque do cume das
penhas o vejo, e dos outeiros o contemplo:
E eis que este povo
habitará só, e entre as gentes não será contado.
Quem contará o pó de
Jacó, e o número da quarta parte de Israel?
A minha alma morra
da morte dos justos, e seja o meu fim como o seu”. Números 23:7-10.
Balaão confessou que
viera com o propósito de amaldiçoar Israel; mas as palavras que proferiu foram
diretamente contrárias aos sentimentos de seu coração. Foi constrangido a
pronunciar bênçãos, enquanto sua alma estava cheia de maldições.
Olhando Balaão para
o acampamento de Israel, viu com espanto as provas de sua prosperidade. A ele
haviam sido representados como uma multidão rude, desorganizada, que infestava
o país em bandos errantes, os quais eram uma peste e terror às nações
circunvizinhas; mas sua aparência era o inverso de tudo isto. Viu a grande
extensão e o perfeito arranjo de seu acampamento, apresentando tudo os indícios
de uma disciplina e ordem completas. Foi-lhe mostrado o favor com que Deus
olhava a Israel, e o caráter distintivo de povo escolhido Seu. Não deveriam
ficar no mesmo nível das outras nações, mas ser exaltados acima delas todas.
“Este povo habitará só, e entre as gentes não será contado”. Números 23:9. Na
ocasião em que estas palavras foram faladas, os israelitas não tinham
localização permanente, e seu caráter peculiar, usos e costumes, não eram
familiares a Balaão. Mas quão notavelmente foi cumprida esta profecia na história
posterior de Israel! Por todos os anos de seu cativeiro, através de todos os
séculos desde que foram dispersos entre as nações têm eles permanecido como um
povo distinto. Assim o povo de Deus — o verdadeiro Israel — embora disperso por
todas as nações, não são na Terra senão peregrinos, cuja cidadania está no Céu.
Não somente foi
mostrada a Balaão a história do povo hebreu como nação, mas ele viu o
crescimento e prosperidade do verdadeiro Israel de Deus até o final do tempo.
Viu o favor especial do Altíssimo acompanhando aqueles que O amam e temem.
Viu-os amparados pelo Seu braço, ao entrarem no escuro vale da sombra da morte.
E viu-os saírem de seus túmulos, coroados de glória, honra e imortalidade.
Contemplou os resgatados regozijando-se nas glórias imarcescíveis da Terra
renovada. Olhando para esta cena, exclamou:
“Quem contará o pó
de Jacó, e o número da quarta parte de Israel?” E, ao ver a coroa de glória em
cada fronte, a alegria irradiando de cada semblante, e olhando para aquela vida
intérmina de pura felicidade, proferiu a solene oração: “A minha alma morra a
morte do justo, e seja o meu fim como o seu”. Números 23:10.
Se Balaão tivesse
tido disposição para aceitar a luz que Deus dera, teria então tornado
verdadeiras para si as Suas palavras; teria de pronto cortado toda a conexão
com Moabe. Não mais teria abusado da misericórdia de Deus, mas a Ele teria
voltado com profundo arrependimento. Mas Balaão amava o salário da injustiça, e
estava decidido a consegui-lo.
Balaque tinha
confiantemente esperado uma maldição que caísse como uma praga definhadora
sobre Israel; e, às palavras do profeta, exclamou com paixão: “Que me fizeste?
Chamei-te para amaldiçoar os meus inimigos, mas eis que inteiramente os
abençoaste.” Balaão, procurando fazer da necessidade virtude, diz haver falado,
em atenção conscienciosa para com a vontade de Deus, as palavras que foram
forçadas aos seus lábios pelo poder divino. Sua resposta foi: “Porventura não
terei cuidado de falar o que o Senhor pôs na minha boca?” Números 23:11, 12.
Balaque não pôde
mesmo então abandonar o seu intento. Julgou que o espetáculo imponente
apresentado pelo vasto acampamento dos hebreus, houvesse intimidado de tal
maneira a Balaão que este não ousasse praticar suas adivinhações contra eles.
Resolveu o rei levar o profeta a algum ponto onde visse apenas uma pequena
parte das hostes. Se pudesse ser induzido a amaldiçoá-los em partes destacadas,
todo o arraial logo seria votado à destruição. No cimo de uma elevação chamada
Pisga, fez-se outra prova. Construíram-se novamente sete altares, sobre os
quais foram colocadas as mesmas ofertas que ao princípio. O rei e seus
príncipes permaneceram ao
lado dos
sacrifícios, enquanto Balaão se retirou para encontrar-se com Deus. Foi outra
vez confiada ao profeta uma mensagem divina, que ele foi impotente para alterar
ou reter.
Quando ele apareceu
à multidão ansiosa e expectante, foi-lhe feita a pergunta: “Que coisa falou o
Senhor?” A resposta, como antes, lançou o terror no coração do rei e dos
príncipes:
“Deus não é homem,
para que minta;
Nem filho do homem,
para que Se arrependa.
Porventura diria
Ele, e não o faria?
Ou falaria, e não o
confirmaria?
Eis que recebi
mandado de abençoar; pois Ele tem abençoado, e eu não o posso revogar.
Não viu iniquidade
em Israel, nem contemplou maldade em Jacó;
o Senhor seu Deus é
com ele, e nele, e entre eles se ouve o alarido dum rei”. Números 23:19-21.
Aterrado com tais
revelações, Balaão exclamou: “Pois contra
Jacó não vale
encantamento, nem adivinhação contra Israel.” O grande mágico tinha
experimentado o seu poder de encantamentos, de acordo com o desejo dos
moabitas; mas, com relação a esta mesma ocasião, dir-se-ia de Israel: “Que
coisa Deus tem obrado!” Enquanto estavam sob a proteção divina, nenhum povo ou
nação, embora auxiliado por todo o poder de Satanás, seria capaz de prevalecer
contra eles. O mundo todo se maravilharia ante a obra admirável de Deus em prol
de Seu povo — de que um homem decidido a seguir uma conduta pecaminosa fosse de
tal maneira dirigido pelo poder divino, que proferisse em vez de imprecações as
mais ricas e preciosas promessas, na expressão da poesia sublime e exaltada. E
o favor de Deus, manifesto a Israel nesta ocasião, deveria ser uma segurança de
Seu cuidado protetor aos Seus filhos obedientes e fiéis, em todos os tempos.
Quando Satanás inspirasse homens maus a caluniar, a perseguir e destruir o povo
de Deus, esta mesma ocorrência lhes seria trazida à lembrança, e lhes
fortaleceria o ânimo e a fé em Deus.
O rei de Moabe,
desanimado e angustiado, exclamou: “Nem totalmente o amaldiçoarás, nem
totalmente o abençoarás”. Números 23:23, 25. Contudo uma vaga esperança ainda
ficou em seu coração, e resolveu-se a fazer outra tentativa. Conduziu então
Balaão ao Monte Peor, onde havia um templo dedicado ao culto licencioso de
Baal, o deus deles. Ali foi construído o mesmo número de altares que antes, e
ofereceu-se o mesmo número de sacrifícios; mas Balaão não foi só, como das
outras vezes, para conhecer a vontade de Deus. Ele não tinha pretensões a
feitiçaria, mas, em pé ao lado dos altares, olhava ao longe sobre as tendas de
Israel. De novo o Espírito de Deus repousou sobre ele, e veio de seus lábios a
mensagem divina: [328]
“Que boas são as
tuas tendas, ó Jacó!
Que boas são as tuas
moradas, ó Israel!
Como vales que se
estendem, como jardins à beira dos rios, como árvores de sândalo que o Senhor
plantou, como cedros junto às águas.
Águas manarão de
seus baldes, e as suas sementeiras terão águas abundantes;
e o seu rei se
levantará mais do que Agague, e o seu reino será exaltado. [...]
Abaixou-se,
deitou-se como leão e como leoa; quem o despertará? Benditos os que te
abençoarem, e malditos os que te amaldiçoarem”.
Números 24:5-7, 9.
A prosperidade do
povo de Deus é aqui representada por algumas das mais belas figuras que se
encontram na natureza. O profeta assemelha Israel com vales férteis cobertos de
abundantes plantações; com jardins florescentes regados por fontes
inesgotáveis; com o aromático sândalo e o imponente cedro. A última figura
mencionada é uma das mais notavelmente belas e apropriadas que se encontram na
Palavra inspirada. O cedro do Líbano era honrado por todos os povos do Oriente.
A espécie de árvores a que ele pertence é encontrada onde quer que o homem haja
ido, por toda a Terra. Desde as regiões árticas até a zona tropical, florescem,
regozijando-se no calor, e ao mesmo tempo afrontando o frio; surgindo com
grande pujança ao lado do rio, e ao mesmo tempo sobressaindo pelos ares por
sobre a terra inculta, ressequida e sedenta. Penetram suas raízes profundamente
por entre as pedras das montanhas, e erguem-se com ousadia em desafio à
tempestade. Suas folhas estão frescas e verdes, quando tudo mais pereceu com o
sopro do inverno. Acima de todas as outras árvores, distingue-se o cedro do
Líbano pela sua força, firmeza, seu imperecível vigor; e isto é usado como
símbolo daqueles cuja vida “está escondida com Cristo em Deus”. Colossenses
3:3. Diz a Escritura: “O justo [...] crescerá como o cedro”. Salmos 92:12. A
mão divina exaltou o cedro como o rei da floresta. “As faias não igualavam os
seus ramos, e os castanheiros não eram como os seus renovos; nenhuma árvore no
jardim de Deus se assemelhou a ele”. Ezequiel 31:8. O cedro é repetidas vezes
empregado como emblema da realeza; e seu uso nas Escrituras para representar os
justos mostra como o Céu considera aqueles que fazem a vontade de Deus.
Balaão profetizou
que o rei de Israel seria maior e mais poderoso do que Agague. Este era o nome
dado aos reis dos amalequitas, que naquele tempo eram uma nação muito poderosa;
mas Israel, sendo fiel a Deus, subjugaria todos os seus inimigos. O Rei de
Israel era o Filho de Deus; e Seu trono seria um dia estabelecido na Terra, e
Seu poder seria exaltado acima de todos os reinos terrestres.
Ouvindo as palavras
do profeta, Balaque ficou dominado pela decepcionada esperança, pelo temor e
raiva. Ficou indignado de que Balaão lhe tivesse dado uma mínima esperança de
uma res-
posta favorável,
quando tudo estava decidido contra ele. Considerou com escárnio a conduta
transigente e enganadora do profeta. O rei exclamou iradamente: “Agora pois
foge para o teu lugar; eu tinha dito que te honraria grandemente; mas eis que o
Senhor te privou desta honra”. Números 24:11. Balaão respondeu que o rei tinha
sido advertido previamente de que ele apenas poderia falar a mensagem que lhe
fora dada da parte de Deus.
Antes de voltar a
seu povo, Balaão proferiu uma belíssima, sublime profecia acerca do Redentor do
mundo, e a final destruição dos inimigos de Deus:
“Vê-Lo-ei, mas não
agora; contemplá-Lo-ei, mas não de perto; uma estrela procederá de Jacó, e um
cetro subirá de Israel,
que ferirá os termos
dos moabitas, e destruirá todos os filhos de Sete”.
Números 24:17.
E finalizou
predizendo a completa destruição de Moabe e Edom, de Amaleque e dos quenitas,
não deixando assim ao rei moabita nenhum raio de esperança.
Decepcionado em suas
esperanças de riqueza e honras, achando-se no desagrado do rei e estando
cônscio de que incorrera no desprazer de Deus, Balaão voltou da missão que ele
próprio desejara. Depois de chegar em casa, o poder dirigente do Espírito de
Deus o deixou, e sua cobiça, que apenas estivera contida, prevaleceu. Estava
disposto a recorrer a qualquer meio para ganhar a recompensa prometida por
Balaque. Balaão sabia que a prosperidade de Israel dependia de sua obediência a
Deus, e que não havia meio para ocasionar seu transtorno senão induzindo-os ao
pecado. Resolveu conseguir agora o favor de Balaque, aconselhando aos moabitas
o caminho a seguir a fim de acarretar maldição sobre Israel.
Voltou imediatamente
à terra de Moabe, e expôs seus planos ao rei. Os próprios moabitas estavam
convencidos de que, enquanto Israel permanecesse fiel a Deus, Ele seria o seu
escudo. O plano proposto por Balaão era separá-los de Deus, induzindo-os à
idolatria. Se pudessem ser levados a tomar parte no culto licencioso de Baal e
Astarote, seu Protetor onipotente tornar-Se-ia seu inimigo, e eles logo seriam
presa das nações cruéis e aguerridas em redor deles. Esse plano foi prontamente
aceito pelo rei, e o próprio Balaão ficou para ajudar a executá-lo.
Balaão testemunhou o
êxito de seu plano diabólico. Viu a maldição de Deus sobrevir a Seu povo, e
milhares caindo sob Seus juízos; mas a justiça divina que puniu o pecado em
Israel não permitiu que os tentadores escapassem. Na guerra de Israel contra os
midianitas, Balaão foi morto. Tivera um pressentimento de que seu fim estivesse
perto, quando exclamou: “A minha alma morra da morte dos justos, e seja o meu fim
como o seu”. Números 23:10. Mas não preferira viver a vida dos justos, e seu
destino fixou-se com os inimigos de Deus.
A sorte de Balaão
foi semelhante à de Judas, e o caráter deles tem pronunciada semelhança entre
si. Ambos estes homens experimentaram unir-se ao serviço de Deus e de Mamom, e
defrontaram
com malogro
completo. Balaão reconhecia o verdadeiro Deus, e professava servi-Lo; Judas
cria em Jesus como o Messias, e uniuse com Seus seguidores. Mas Balaão esperava
fazer do serviço de Jeová a escada pela qual adquirisse riquezas e honras
mundanas; e, fracassando nisto, tropeçou, caiu, e foi quebrado. Judas esperava
pela sua ligação com Cristo conseguir riqueza e posição naquele reino terrestre
que, como acreditava, o Messias estava prestes a estabelecer. O malogro de suas
esperanças impeliu-o à apostasia e ruína. Tanto Balaão como Judas haviam
recebido grande luz e desfrutado privilégios especiais; mas um simples pecado
que era acalentado lhes envenenou todo o caráter, e ocasionou a destruição de
ambos.
É coisa perigosa
permitir que uma característica infiel viva no coração. Um pecado acariciado
pouco a pouco aviltará o caráter, levando todas as suas faculdades mais nobres
em sujeição ao ruim desejo. A remoção de uma única salvaguarda da consciência,
a condescendência com um mau hábito sequer, o descuido das elevadas exigências
do dever, derribam as defesas da alma, e abrem o caminho para entrar Satanás e
transviar-nos. O único meio seguro é fazer nossas orações subirem diariamente,
de um coração sincero, como fazia Davi: “Dirige os meus passos nos Teus
caminhos, para que as minhas pegadas não vacilem”. Salmos 17:5.
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