Patriarcas e Profetas
Ellen G. White
Capítulo 48 — A divisão de Canaã
Este capítulo é baseado em Josué
10:40-43; 11; 14-22.
A vitória em Bete-Horom foi
rapidamente seguida pela conquista do sul de Canaã. “Feriu Josué toda aquela
Terra, as montanhas, o sul, e as campinas. [...] E de uma vez tomou Josué todos
estes reis, e as suas terras; porquanto o Senhor Deus de Israel pelejava por
Israel. Então Josué, e todo o Israel com ele, se tornou ao arraial em Gilgal”.
Josué 10:40-43.
As tribos do norte da Palestina,
aterrorizadas com o êxito que acompanhara os exércitos de Israel, entraram
agora em aliança contra eles. À frente desta confederação estava Jabim, rei de
Hazor, território que ficava ao oeste do lago Merom. “Saíram pois estes, e
todos os seus exércitos com eles.” Este exército era muito maior do que
qualquer que os israelitas haviam encontrado antes em Canaã — “muito povo, como
a areia que está na praia do mar em multidão, e muitíssimos cavalos e carros.
Todos estes reis se juntaram e vieram e se acamparam junto às águas de Merom,
para pelejarem contra Israel.” Novamente foi dada a Josué uma mensagem de
animação: “Não temas diante deles; porque amanhã a esta mesma hora Eu os darei
todos feridos diante dos filhos de Israel.”
Perto do lago Merom caiu ele
sobre o acampamento dos aliados, derrotando totalmente suas forças. “E o Senhor
os deu na mão de Israel, e os feriram, e os seguiram, [...] até não lhes
deixarem nenhum.” Dos carros e cavalos que haviam sido o orgulho e vanglória
dos cananeus, Israel não se deveria apropriar. Ao mando de Deus os carros foram
queimados, e aleijados os cavalos, e assim tornados impróprios para batalha. Os
israelitas não deviam pôr a confiança em carros e cavalos, mas “no nome do
Senhor seu Deus”.
Uma por uma foram tomadas as
cidades, e Hazor, a fortaleza da confederação, foi queimada. A guerra continuou
por vários anos, mas ao terminar achava-se Josué senhor de Canaã. “E a terra
repousou da guerra.”
Embora o poderio dos cananeus
houvesse sido quebrado, não tinham eles sido totalmente desapossados. Ao oeste,
os filisteus ainda conservavam uma planície fértil ao longo da costa marítima,
enquanto ao norte deles estava o território dos sidônios. O Líbano também
estava de posse deste último povo; e, ao sul, na direção do Egito, a terra
estava ocupada pelos inimigos de Israel.
Josué não devia entretanto
continuar a guerra. Havia outro trabalho para o grande líder realizar, antes
que deixasse o comando de
Israel. A terra inteira, tanto as
partes já conquistadas, como as que ainda não se achavam subjugadas, devia ser
repartida entre as tribos. E era o dever de cada tribo conquistar completamente
sua própria herança. Se o povo se mostrasse fiel a Deus, Ele repeliria seus
inimigos de diante deles; e prometeu-lhes ainda maiores possessões se
tão-somente fossem fiéis ao Seu concerto.
A Josué, juntamente com Eleazar,
o sumo sacerdote, e aos chefes das tribos, foi confiada a distribuição da
terra, sendo a localização de cada tribo determinada por sorte. O próprio
Moisés fixara os limites do país, conforme devia ser dividido entre as tribos,
ao entrarem elas em posse de Canaã; e designara um príncipe de cada tribo para
auxiliar na distribuição. A tribo de Levi, sendo dedicada ao serviço do
santuário, não deveria ser contada neste aquinhoamento; porém, quarenta e oito
cidades nas diferentes partes do país foram designadas aos levitas como sua
herança.
Antes que entrasse em vigor a
distribuição das terras, Calebe, acompanhado pelos chefes de sua tribo, veio à
frente com um pedido especial. Com exceção de Josué, Calebe era agora o homem
mais velho em Israel. Calebe e Josué eram os únicos entre os espias que haviam
trazido uma boa notícia da terra da promessa, animando o povo a subir e
possuí-la em nome do Senhor. Calebe lembrou então a Josué a promessa feita
naquela ocasião, como recompensa de sua fidelidade: “A terra que pisou o teu pé
será tua, e de teus filhos, em herança perpetuamente; pois perseveraste em
seguir o Senhor”. Josué 14:6-15. Apresentou portanto o pedido de que o Hebrom
lhe fosse dado em possessão. Ali haviam habitado durante muitos anos Abraão,
Isaque e Jacó; e, ali, na caverna de Macpela, foram sepultados. Hebrom era a
sede dos temidos enaquins, cuja aparência formidável tanto havia aterrorizado
os espias, e por meio destes destruíra a coragem de todo o Israel. Este lugar,
de preferência a todos os outros, foi o que Calebe, confiando na força de Deus,
escolheu para sua herança.
“Eis que o Senhor me conservou em
vida”, disse ele; “quarenta e cinco anos há agora, desde que o Senhor falou
esta palavra a Moisés. [...] E agora eis que já hoje sou de idade de oitenta e
cinco anos. E ainda estou tão forte como no dia em que Moisés me enviou; qual a
minha força então era, tal é agora a minha força, para a guerra, e para sair e
para entrar. Agora pois dá-me este monte de que o Senhor falou aquele dia; pois
naquele dia tu ouviste que os enaquins estão ali, grandes e fortes cidades há
ali. Porventura o Senhor será comigo para os expelir, como o Senhor disse.”
Este pedido foi apoiado pelos principais homens de Judá. O próprio Calebe,
sendo um dos indicados daquela tribo para repartir a terra, escolhera esses
homens para que a ele se unissem ao apresentar seu pedido, para que não
houvesse a aparência de ter ele empregado sua autoridade para proveito próprio.
Seu pedido foi imediatamente
satisfeito. A ninguém poderia a conquista daquela gigantesca fortaleza ser com
mais segurança confiada. “Josué o abençoou, e deu a Calebe, filho de Jefoné,
Hebrom em herança”, “porquanto perserverara em seguir ao Senhor Deus de
Israel.” A fé de Calebe era agora precisamente o que fora quando seu testemunho
havia contradito o mau relato dos espias. Acreditara na promessa de Deus de que
Ele poria Seu povo na posse de Canaã, e nisto seguira inteiramente ao Senhor.
Suportara juntamente com Seu povo a longa peregrinação no deserto, participando
assim dos desapontamentos e trabalhos dos culpados; não apresentou contudo
queixa contra isto, mas exaltou a misericórdia de Deus que o preservara em vida
no deserto, quando foram eliminados seus irmãos. Entre todas as dificuldades,
perigos e pragas, nas vagueações pelo deserto, e durante os anos de guerra
desde que entraram em Canaã, preservara-o o Senhor; e agora, passados os
oitenta anos, não se encontrava abatido o seu vigor. Ele não pedia para si uma
terra já conquistada, mas o lugar que mais do que todos, os outros espias haviam
julgado impossível subjugar. Com a ajuda de Deus ele arrancaria essa fortaleza
daqueles mesmos gigantes, cujo poder fizera abalar a fé de Israel. Não foi o
desejo de honras ou engrandecimento próprio que determinou o pedido de Calebe.
O bravo e velho guerreiro estava desejoso de dar ao povo um exemplo que
honraria a Deus, e incentivaria as tribos a subjugar completamente a terra que
seus pais haviam imaginado invencível.
Calebe obteve a herança na qual
tinha o coração durante quarenta anos; e, confiando em que Deus estava consigo,
“expeliu Calebe dali os três filhos de Enaque”. Josué 15:14. Havendo assim
conseguido posse para si e sua casa, o zelo não se lhe abateu; não se
estabeleceu a fim de desfrutar a herança, mas levou avante novas conquistas
para o benefício da nação e para a glória de Deus.
Os covardes e rebeldes haviam
perecido no deserto; mas os espias justos comeram das uvas de Escol. A cada um
deles foi dado segundo sua fé. Os incrédulos viram cumprir-se seus temores.
Apesar da promessa de Deus, declararam que era impossível herdar Canaã, e não a
possuíram. Mas aqueles que confiaram em Deus, não olhando tanto para as
dificuldades a se encontrarem, como para a força de seu Auxiliador
todo-poderoso, entraram na boa terra. Foi pela fé que os antigos heróis
“venceram reinos, [...] escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram forças,
na batalha se esforçaram, puseram em fugida os exércitos dos estranhos”.
Hebreus 11:33, 34. “Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé”. 1 João
5:4.
Outro pedido com relação à
divisão da terra, revelou um espírito grandemente diverso do de Calebe. Foi
apresentado pelos filhos de José, da tribo de Efraim juntamente com a meia
tribo de Manassés. Em consideração ao seu número superior, essas tribos pediram
uma porção dupla de território. O quinhão a eles designado era o mais rico da
terra, incluindo a fértil planície de Sarom; porém muitas das cidades
principais do vale estavam ainda de posse dos cananeus, e as tribos temiam
executar a perigosa tarefa de conquistar suas possessões, e desejavam uma
porção adicional de território já conquistado. A tribo de Efraim era uma das
maiores em Israel, bem como aquela a que o próprio Josué pertencia; e seus
membros naturalmente se julgavam com direito a consideração especial. “Por que
me deste por herança só uma sorte e um quinhão”, disseram eles, “sendo eu um
tão grande povo?” Josué 17:14-18. Mas nenhum desvio da estrita justiça
poder-se-ia obter do inflexível líder.
Sua resposta foi: “Se tão grande
povo és, sobe ao bosque e corta para ti ali lugar na terra dos ferezeus e dos
refains, pois que as montanhas de Efraim te são tão estreitas”. Josué 17:15.
Sua réplica mostrou a causa real
da queixa. Faltavam-lhe fé e coragem para expulsar os cananeus. “As montanhas
nos não bastariam”, disseram; “também carros ferrados há entre todos os
cananeus que habitam na terra do vale”. Josué 17:16.
O poder do Deus de Israel tinha
sido empenhado em favor de
Seu povo; e, caso possuíssem os
efraimitas a coragem e a fé de Calebe, nenhum inimigo lhes teria feito frente.
Seu desejo evidente de excluir dificuldades e perigos, foi com firmeza
defrontado por Josué. “Grande povo és e grande força tens”, disse ele;
“expelirás os cananeus, ainda que tenham carros ferrados, ainda que sejam
fortes”. Josué 17:17, 18. Assim, seus próprios argumentos voltaram-se contra
eles. Sendo um povo grande, como alegavam, eram perfeitamente capazes de seguir
seu próprio caminho, como fizeram seus irmãos. Com o auxílio de Deus, não
necessitavam temer os carros de ferro.
Até ali Gilgal fora o
quartel-general da nação e a sede do tabernáculo. Agora, porém, o tabernáculo
devia ser removido ao lugar escolhido para a sua localização permanente. Este
foi Siló, cidadezinha na porção de Efraim. Achava-se perto do centro do país, e
era de fácil acesso a todas as tribos. Ali, parte do território havia sido
completamente subjugada, de maneira que os adoradores não seriam incomodados.
“E toda a congregação dos filhos de Israel se ajuntou em Siló, e ali armaram a
tenda da congregação”. Josué 18:1. As tribos que ainda estavam acampadas quando
o tabernáculo foi removido de Gilgal, seguiram-no, e armaram suas tendas
próximo de Siló. Ali permaneceram essas tribos até que se dispersaram às suas
possessões.
A arca ficou em Siló, durante
trezentos anos, até que, por causa dos pecados da casa de Eli, caiu nas mãos
dos filisteus, e Siló foi arruinada. A arca nunca mais voltou ao tabernáculo
ali; o cerimonial do santuário transferiu-se finalmente para o templo em
Jerusalém, e Siló tornou-se decadente. Apenas ruínas existem para assinalar o
local em que se erguera. Muito tempo mais tarde fez-se uso de sua sorte como
advertência a Jerusalém. “Ide agora ao Meu lugar, que estava em Siló”, declarou
o Senhor pelo profeta Jeremias, “onde, a princípio, fiz habitar o Meu nome, e
vede o que lhe fiz, por causa da maldade de Meu povo Israel. [...] Farei também
a esta casa que se chama pelo Meu nome, na qual confiais, e a este lugar que
vos dei a vós e a vossos pais, como fiz a Siló”. Jeremias 7:12, 14.
“Acabando pois de repartir a
terra”, e tendo todas as tribos sido aquinhoadas com sua herança, Josué
apresentou seu pedido. A ele, bem como a Calebe, fora feita uma promessa
especial de herança; contudo não pediu uma província extensa, mas tão-somente
uma simples cidade. “Deram-lhe a cidade que pediu, [...] e reedificou aquela
cidade, e habitou nela”. Josué 19:49, 50. O nome dado à cidade foi:
Timnate-Sera, “a porção que resta”, e isto em testemunho permanente do caráter
nobre e espírito abnegado do vencedor, que, em vez de ser o primeiro a
apropriar-se dos despojos da conquista, adiou seu pedido até que os mais
humildes de seu povo houvessem sido servidos.
Seis das cidades designadas aos
levitas, sendo três de cada lado do Jordão, foram indicadas como cidades de
refúgio, às quais os que matavam um homem poderiam fugir em busca de segurança.
A designação dessas cidades fora ordenada por Moisés, “para que ali se acolha o
homicida que ferir alguma alma por erro. E estas cidades vos serão por
refúgio”, disse ele, “para que o homicida não morra, até que esteja perante a
congregação no juízo”. Números 35:11, 12. Esta misericordiosa disposição
tornou-se necessária por causa do antigo costume da vingança particular, pelo
qual incumbia ao parente mais próximo, ou ao herdeiro imediato do morto, o
castigo do assassínio. Nos casos em que claramente se provava a culpa, não era
necessário esperar processo dos magistrados. O vingador podia perseguir o
criminoso a qualquer parte, e matá-lo onde quer que fosse encontrado. O Senhor
não achou conveniente abolir este costume naquela ocasião; mas tomou
providências para garantir a segurança dos que, acidentalmente, tirassem a
vida.
As cidades de refúgio achavam-se
distribuídas de tal maneira que ficavam dentro do raio de meio dia de viagem, a
partir de qualquer lugar da terra. As estradas que a elas se dirigiam deviam
sempre ser conservadas em bom estado; ao longo de todo o caminho deviam ser
erguidos postes com placas, trazendo em caracteres claros e flagrantes a
palavra — “Refúgio”, a fim de que o fugitivo não tivesse de deter-se por um
momento sequer. Qualquer pessoa — hebreu, estrangeiro ou peregrino — poderia
aproveitar-se desta disposição. Mas, ao mesmo tempo em que o inocente não devia
ser precipitadamente morto, tampouco deveria o culpado escapar do castigo. O
caso do fugitivo cumpria ser devidamente julgado pelas autoridades competentes;
e, unicamente quando se verificasse não ter o fugitivo culpa de assassínio
voluntário, devia ele ser protegido na cidade de refúgio. O que era culpado era
entregue ao vingador. E aqueles que tinham direito à proteção, apenas a
poderiam receber sob condição de ficar dentro do refúgio indicado. Se alguém
andasse fora dos limites prescritos, e fosse encontrado pelo vingador do
sangue, sua vida pagaria a pena de seu desrespeito à disposição do Senhor. Por
ocasião da morte do sumo sacerdote, entretanto, todos os que haviam buscado
abrigo nas cidades de refúgio ficavam em liberdade para voltar às suas
possessões.
No processo de assassínio o
acusado não devia ser condenado pelo depoimento de uma testemunha, mesmo que as
evidências circunstanciais fossem fortes contra ele. A instrução do Senhor era:
“Todo aquele que ferir a alguma pessoa, conforme ao dito das testemunhas,
matarão o homicida; mas uma só testemunha não testemunhará contra alguém, para
que morra”. Números 35:30. Foi Cristo que deu a Moisés aquelas determinações
para Israel; e, quando Ele esteve em pessoa com Seus discípulos na Terra, ao
ensinar-lhes como tratar os que erram, repetiu o grande Ensinador a lição de
que o testemunho de um só homem não deve livrar ou condenar. As ideias e
opiniões de um homem não devem resolver questões controvertidas. Em todos estes
assuntos, dois ou mais devem estar associados, e juntos encarar a
responsabilidade, “para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a
palavra seja confirmada”. Mateus 18:16.
Se aquele que era julgado por
motivo de assassínio se verificava culpado, nenhuma expiação ou resgate o
poderia livrar. “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será
derramado”. Gênesis 9:6. “Não tomareis expiação pela vida do homicida, que
culpado está de morte; antes certamente morrerá”, “tirá-lo-ás do Meu altar para
que morra” (Números 35:31, 33), foi a ordem de Deus; “nenhuma expiação se fará
pela terra por causa do sangue que se derramar nela, senão com o sangue daquele
que o derramou”. Êxodo 21:14. A segurança e pureza da nação exigiam que o
pecado de homicídio fosse severamente punido. A vida humana, que apenas Deus
podia dar, devia, de maneira sagrada, ser guardada.
As cidades de refúgio designadas
ao antigo povo de Deus, eram símbolo do refúgio provido em Cristo. O mesmo
Salvador misericordioso que designara aquelas cidades temporais de refúgio,
proveu pelo derramamento de Seu próprio sangue aos transgressores da lei de
Deus um retiro seguro, aonde podem eles fugir em busca de garantia contra a
segunda morte. Nenhuma força pode tirar de Suas mãos as almas que a Ele
recorrem em busca de perdão. “Portanto agora nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus.” “Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu, ou antes
quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também
intercede por nós” (Romanos 8:1, 34); para que “tenhamos a firme consolação,
nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta”. Hebreus 6:18.
Aquele que fugia para a cidade de
refúgio não se podia demorar. Família e emprego atrás ficavam. Não havia tempo
para dizer adeus aos queridos. Sua vida estava em jogo, e todos os outros
interesses deviam ser sacrificados a um único propósito — chegar ao lugar de
segurança. O cansaço era esquecido, desatendidas as dificuldades. O fugitivo
não ousava por um momento moderar seu passo antes que estivesse dentro dos
muros da cidade.
O pecador está exposto à morte eterna,
até que encontre esconderijo em Cristo; e, como a perda de tempo e o descuido
poderiam despojar o fugitivo de sua única oportunidade de vida, assim a demora
e a indiferença podem mostrar-se ruína para a alma. Satanás, o grande
adversário, está no encalço de todo o transgressor da santa lei de Deus, e
aquele que não for sensível ao seu perigo e não buscar ansiosamente abrigo no
refúgio eterno, será uma presa do destruidor.
O prisioneiro que em qualquer
ocasião saía da cidade de refúgio, era abandonado ao vingador do sangue. Assim
o povo foi ensinado a aderir aos métodos que a sabedoria infinita indicava para
a sua segurança. Da mesma forma, não basta que o pecador creia em Cristo, para obter o perdão do pecado; deve, pela fé e
obediência, permanecer nEle. “Porque,
se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da
verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação
horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários”. Hebreus
10:26, 27.
Duas das tribos de Israel, Gade e
Rúben, com meia tribo de Manassés, haviam recebido sua herança antes de
atravessarem o Jordão. Para um povo pastoril, os vastos planaltos e ricas
florestas de Gileade e Basã, oferecendo extensas terras de pastagens para seus
rebanhos e gado, tinham atrações que se não encontravam na própria Canaã; e as
duas e meia tribos, desejando fixar-se ali, comprometeram-se a fornecer sua
proporção de homens armados para acompanharem seus irmãos através do Jordão, e
participar de suas batalhas até que entrassem também para a sua herança.
Desobrigaram-se fielmente deste dever. Quando as dez tribos entraram em Canaã,
quarenta mil dos “filhos de Rúben, e os filhos de Gade, e a meia tribo de
Manassés, [...] armados passaram diante do Senhor para batalha, às campinas de
Jericó”. Josué 4:12, 13. Durante anos haviam combatido com bravura ao lado de
seus irmãos. Chegado era agora o tempo para virem à terra de sua posse. Visto
como se uniram com seus irmãos nos conflitos, partilharam dos despojos; e
voltaram “com grandes riquezas, e com muitíssimo gado, com prata, e com ouro, e
com metal, e com ferro, e com muitíssimos vestidos”, coisas que deviam repartir
com os que tinham ficado com as famílias e rebanhos.
Deviam agora morar distante do
santuário do Senhor, e foi com o coração apreensivo que Josué assistiu à sua
partida, sabendo quão fortes seriam as tentações, em sua vida isolada e
errante, para caírem nos costumes das tribos gentílicas que habitavam nas suas
fronteiras.
Enquanto a mente de Josué e as de
outros chefes ainda estavam oprimidas pelos maus pressentimentos, notícias
estranhas lhes chegavam. Além do Jordão, próximo do lugar da passagem
miraculosa de Israel pelo rio, as duas e meia tribos haviam construído um
grande altar, semelhante ao altar dos holocaustos em Siló. A lei de Deus
proibia, sob pena de morte, o estabelecimento de outro culto, afora o que se
efetuava no santuário. Se tal era o objetivo daquele altar, desviaria ele o
povo da verdadeira fé, caso fosse permitida sua permanência.
Os representantes do povo,
reunidos em Siló, e no calor de sua exaltação e indignação, propuseram fazer
guerra imediata aos transgressores. Pela influência dos mais cautelosos, foi
entretanto, decidido enviar primeiramente uma delegação para obter das duas e
meia tribos explicação de sua conduta. Escolheram-se dez príncipes, sendo um de
cada tribo. À sua frente achava-se Finéias, que se distinguira por seu zelo nos
acontecimentos de Peor.
As duas e meia tribos haviam
estado em falta, cometendo um ato que dava lugar a tão graves suspeitas, sem
que dessem explicações para tal. Os embaixadores, tomando como coisa certa que
seus irmãos estavam em culpa, a eles se dirigiram com ásperas censuras.
Acusaram-nos de rebelar-se contra o Senhor, e mandaram que se lembrassem como
juízos haviam sobrevindo a Israel por se unir a Baal-Peor. Em favor de todo o
Israel, Finéias declarou aos filhos de Gade e Rúben que, se eles não desejavam
habitar naquela terra sem um altar para sacrifício, seriam bem-vindos na
participação das posses e privilégios de seus irmãos do outro lado.
Em resposta, os acusados
explicaram que seu altar não se destinava a sacrifícios, mas simplesmente a ser
uma testemunha de que, embora separados pelo rio, eram eles da mesma fé que
seus irmãos de Canaã. Tinham receado que nos anos futuros pudessem seus filhos
ser excluídos do tabernáculo, como que não tendo parte em Israel. Então, esse
altar, construído segundo o modelo do altar do Senhor em Siló, seria uma
testemunha de que seus construtores eram também adoradores do Deus vivo.
Com grande alegria os
embaixadores aceitaram essa explicação, e imediatamente trouxeram de volta a
notícia àqueles que os haviam enviado. Dissiparam-se todos os pensamentos de
guerra, e o povo uniu-se em regozijo e louvor a Deus.
Os filhos de Gade e Rúben puseram
agora em seu altar uma inscrição indicando o propósito pelo qual foi o mesmo
construído; e disseram: “Para que seja testemunho entre nós que o Senhor é
Deus.” Assim se esforçaram por evitar equívocos futuros, e remover o que
pudesse ser causa de tentação.
Quantas vezes sérias dificuldades
surgem de uma simples má compreensão, mesmo entre aqueles que são impelidos
pelos mais dignos intuitos; e, sem o exercício da cortesia e paciência, que
resultados sérios e mesmo fatais podem seguir-se! As dez tribos lembraram como
no caso de Acã, Deus repreendera a falta de vigilância para se descobrirem os
pecados existentes entre eles. Agora resolveram agir pronta e seriamente; mas,
procurando evitar seu primeiro erro, foram para o extremo oposto. Em vez de
fazerem uma indagação cortês a fim de conhecerem os fatos reais, defrontaram
seus irmãos com censura e condenação. Houvessem os homens de Gade e Rúben
retorquido no mesmo espírito, a guerra teria sido o resultado.
Ao mesmo tempo que é importante
que de um lado seja evitada a frouxidão ao tratar com o pecado, é igualmente de
importância que do outro se evite um juízo ríspido e infundada suspeita.
Conquanto muitos sejam bastante
sensíveis à menor censura com relação à sua conduta, são demasiadamente severos
ao tratar com aqueles que supõem estar em erro. Ninguém foi jamais recuperado
de uma situação errônea, pela censura e acusação; mas muitos são assim mais
repelidos do caminho direito, e levados a endurecer o coração contra a
convicção. Um espírito de bondade, uma conduta cortês, paciente, podem salvar
os que erram, e cobrir uma multidão de pecados.
A sabedoria mostrada pelos
rubenitas e seus companheiros é digna de imitação. Ao mesmo tempo em que
procuravam honestamente promover a causa da verdadeira religião, eram julgados
falsamente e censurados com severidade; não manifestaram, todavia,
ressentimento. Escutaram com cortesia e paciência as acusações de seus irmãos,
antes de tentarem fazer sua defesa, e, então, explicaram amplamente seus intuitos
e mostraram sua inocência. Assim a dificuldade que ameaçara consequências tão
sérias, foi resolvida amigavelmente.
Mesmo sob uma acusação falsa,
aqueles que estão com a razão podem estar calmos e ponderados. Deus está a par
de tudo que é mal-compreendido e mal-interpretado pelos homens, e podemos com
segurança deixar nosso caso em Suas mãos. Tão certamente reivindicará Ele a
causa dos que nEle põem sua confiança, como investigou o crime de Acã. Aqueles
que são compelidos pelo Espírito de Cristo, possuirão a caridade que é
longânima e benévola.
É vontade de Deus que a união e o
amor fraternal existam entre Seu povo. A oração de Cristo, precisamente antes
de Sua crucifixão, foi para que Seus discípulos fossem um como Ele é um com o
Pai, a fim de que o mundo pudesse crer que Deus O enviara. Essa oração mui
tocante e maravilhosa atravessa os séculos, até mesmo aos nossos dias; pois
Suas palavras foram: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que
pela sua palavra hão de crer em Mim”. João 17:20. Conquanto não devamos
sacrificar um único princípio da verdade, deve ser nosso constante objetivo
atingir este estado de unidade. Esta é a prova de nosso discipulado. Disse
Jesus: “Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos
outros”. João 13:35. O apóstolo Pedro exorta a igreja: “Sede todos de um mesmo
sentimento, compassivos, amando os irmãos, entranhavelmente misericordiosos e
afáveis, não tornando mal por mal, ou injúria por injúria; antes pelo
contrário, bendizendo; sabendo que para isto fostes chamados, para que por
herança alcanceis a bênção”. 1 Pedro 3:8, 9.
Comentários
Postar um comentário